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1.4 Capitalismo e desigualdade econômica

1.4.2 Revisão da literatura empírica

1.4.2.2 Atkinson e a métrica da desigualdade econômica

Dedicado, desde 1966, às pesquisas acadêmicas no domínio da Economia da Desigualdade (“Economics of Inequality”) com base em fontes e métodos similares ao de Kuznets, Anthony B. Atkinson (1944-2017) contribuiu, decisivamente, para a afirmação da desigualdade de renda e de riqueza entre as questões de primeira ordem das investigações econômicas nos tempos atuais, de modo que a tirou “do gelo” (“from the cold”), isto é, de sua condição de tema negligenciado e marginalizado nesse campo de estudos científicos ao longo do séc. XX, que priorizara aspectos ligados à produção, e não à (re)distribuição (ATKINSON, 1997; ATKINSON, 2015, p. 37-40). Ampliou, ademais, consideravelmente, o horizonte das aferições econométricas e comparativas da desigualdade e da pobreza em sociedades capitalistas em meio à sofisticação crescente dos sistemas de dados, dos instrumentos estatísticos e dos meios de processamento informático (ATKINSON, 2015, p. 16, 40-52, 72 e 339).

Nesse esforço de afastamento de modelos econômicos puramente abstratos, de “fuga do convencional”, desenvolveu, em meio à “revolução dos dados”, o conhecimento empírico da literatura política e econômica acerca da extensão e da evolução do fenômeno dinâmico da desigualdade através dos tempos e em diversos espaços nacionais, assim como o saber a respeito das diversas forças, públicas e privadas, ativas e passivas, econômicas, políticas, sociais etc, que o induzem e redimensionam e das implicações disruptivas e entrópicas

decorrentes de altos níveis de concentração econômica. Para Atkinson, a Economia evidencia conexões interdisciplinares muito promissoras com a História e a Política e seria, acima de tudo, uma ciência moral e social (ATKINSON, 2015, p. 13, 337 e 339).

Atkinson consolidou novos padrões metodológicos empregados nos estudos contemporâneos em matéria de mensuração diagnóstica da desigualdade econômica e desenvolveu ferramentas analíticas, com destaque para o índice de Atkinson (Atkinson Index), que agregaram novas perspectivas sensitivas de investigação com base em variáveis representativas de “funções de bem-estar social” e dotadas de “pesos distributivos”, para além das aproximações convencionais através de instrumentos sumários ou concisos (coeficiente de Gini, variância, desvio médio relativo etc). Com inspiração em Hugh Dalton (1920), Atkinson reconhecia que há uma relação funcional entre as coordenadas da desigualdade econômica e do bem-estar social, de forma que medidas multidimensionais de desigualdade econômica deveriam também espelhar concepções e elementos de social welfare (ATKINSON, 1970, p. 244; ATKINSON, 2015, p. 57). Por sinal, conforme Dalton, o interesse primário dos estudos econômicos sobre a desigualdade não residiria propriamente na desigualdade em si mesma, mas nos efeitos que provoca sobre a distribuição material e sobre o bem-estar social, que se expandiria, numa razão exponencialmente decrescente, com o crescimento da renda. Objeções a grandes iniquidades se fundariam justamente na perda potencial de bem-estar social que lhe é associada (“loss of social welfare”), daí por que a desigualdade também deveria ser definida em termos de bem-estar social (DALTON, 1920, p. 348-349).

Sob influência de Pigou, Dalton também formulara o chamado “princípio da transferência”, segundo o qual a redistribuição dos mais ricos para os mais pobres, conhecida, metaforicamente e numa linguagem mais simples, como redistribuição “Robin Hood”, reduz a desigualdade e aumenta o bem-estar social, ou melhor, em sua perspectiva utilitarista, a soma da utilidade para sociedade como um todo. Inversamente, a redistribuição dos mais pobres para os mais ricos, “Robin Hood às avessas”, aumentaria a desigualdade e diminuiria o bem-estar social (DALTON, 1920, p. 351; ATKINSON, 2015, p. 35).

Com o propósito de aperfeiçoar a aplicação pragmática do “princípio da transferência” (Pigou-Dalton), Atkinson elaborou algoritmos e diagramas de análise que quantificassem diferentes padrões amostrais de repartição dos ganhos do crescimento econômico com base em avaliações de bem-estar social, orientassem a escolha social de quadros distributivos preferenciais (“ranking of distributions”) e contribuíssem para a tomada de decisões (re)distributivas em contextos de incerteza (“decision-making under uncertainty”).

Ao colocá-la no cerne de suas diligências investigativas, Atkinson concebeu que o estudo realístico da desigualdade econômica em sua imensa complexidade fenomênica não cabe em simples abstrações teóricas generalizantes. Demanda, em verdade, uma criteriosa decomposição das unidades específicas de análise (por renda pessoal, ganhos individuais, agregados domiciliares, gênero, geração, localização, etnia etc), além do levantamento, tabulação, interpretação, comparação e tratamento estatístico de profusas massas amostrais de dados empíricos acerca das realidades distributivas do mundo extraídos de diversas fontes informativas cuidadosamente selecionadas (pesquisas familiares, bancos de dados fazendários, listas de riqueza etc). É importante levar a sério as “evidências de apoio” (“supportive

evidence”), ter clareza a respeito do que revelam e não revelam sobre a desigualdade mensurada

e das diferenças de perspectiva e de abrangência da análise. Há, nessa esteira, várias pesquisas científicas de Atkinson no tocante à métrica e à trajetória evolutiva da desigualdade econômica nos e entre países (“within and across countries”), sobretudo, em relação ao Reino Unido, aos Estados Unidos e a outros membros da OCDE (ATKINSON, 1999; ATKINSON, 2014b, ATKINSON, 2015).

Em suas proposições de natureza teórica, Atkinson trabalhara com uma noção de economia sob a forma de capitalismo de mercado, em que a maior parte da atividade econômica é realizada por empresas privadas que empregam trabalhadores e vendem seus bens e serviços em mercados abertos (ATKINSON, 2015, p. 193).

Por sua vez, em suas pesquisas empíricas, Atkinson apurou que a desigualdade econômica, de renda e de riqueza, é, de fato, uma “desigualdade de resultados” (“inequality of

outcome”) embutida na estrutura distributiva das sociedades capitalistas (ATKINSON, 2014,

p. 619-620; ATKINSON, 2015, p. 26). Trata-se de aspecto típico na performance distributiva do sistema econômico, e não de um traço superficial ou acidental.

Construídas socialmente, desigualdades econômicas não seriam, contudo, necessariamente algo injusto ou problemático. Não identificava, assim, razões em prol da defesa de regimes distributivos de absoluta igualdade na partilha dos ganhos e bens econômicos. Certas diferenciações seriam perfeitamente justificáveis, tais como as que se referem ao maior número de horas trabalhadas, à realização de trabalhos desagradáveis, à assunção de maiores responsabilidades ou ao maior investimento na educação e na capacitação, ou seja, no desenvolvimento de “capital humano” (ATKINSON, 2015, p. 31 e 50-51).

Nada obstante, em consonância com o disposto no art. 1º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, Atkinson entendia que a igualdade material é um bem de interesse social e que as distinções sociais só se justificam quando encontrem fundamento na

“utilidade comum”. Níveis excessivos de desigualdade econômica, que não evidenciem respaldo no bem comum, no interesse público, seriam, dessarte, moralmente insustentáveis, do ponto de vista rawlsiano, além de socialmente danosos, sobretudo, em desfavor daqueles que ficam mais atrás na concorrência pelos bens da vida e que, inseridos em condições de vulnerabilidade, suportam graves privações existenciais. Embora certas distâncias distributivas lhe parecessem intoleráveis, reconhecia, de todo modo, que inexiste propriamente consenso a respeito da quantidade aceitável das desigualdades econômicas. Suas pretensões acadêmicas se destinavam, nesses termos, a desenvolver soluções que viabilizassem a reversão significativa de condições extremadas de iniquidade, na perspectiva de “menos desigualdade” (“less

inequality”). A tônica residiria, pois, na “direção do movimento”, e não no “destino final”. De

todo modo, para Atkinson, os níveis atuais de desigualdade econômica são incondizentes com a sua concepção de uma boa sociedade (ATKINSON, 2014, p. 619-621; ATKINSON, 2015, p. 23, 31, 286 e 359).

Através do exame de séries históricas de dados empíricos a respeito do comportamento evolutivo da desigualdade em distintas economias nacionais, os resultados obtidos por Atkinson sugerem que não há rigorosa uniformidade entre os países examinados, que evidenciam dispersões bem matizadas, com distintas extensões e ritmos (“extent and timing”). A despeito da globalização, a variedade ou diversidade de experiências concretas identificadas denotaria que circunstâncias domésticas específicas de natureza econômica, política, social, jurídica, tecnológica, ambiental etc podem impactar sensivelmente a dinâmica distributiva entre indivíduos e suas famílias. Nesse esquadro, consoante Atkinson, “a política importa” (“policy

matters”). Os governos evidenciam ainda algum “espaço de manobra” (“room to manoeuvre”),

apesar das severas restrições às escolhas políticas nacionais no mundo globalizado, as quais não representariam, de todo modo, “constrições externas absolutas”. A extensão da desigualdade e seus impactos dependem, em boa medida, da política doméstica. Esse é um dos fatores pelos quais há países com maiores índices de iniquidade do que outros, a despeito de enfrentarem problemas externos similares (ATKINSON, 2015, p. V, 3, 21-22, 24 e 335).

Os achados distribucionais indicam também que a desigualdade econômica se move de modo errático, isto é, inexiste qualquer determinismo inevitável na direção do movimento. O quadro distributivo não evolui segundo uma tendência inexorável para estados de agravamento ou diminuição do nível de desigualdade, nem segue uma trajetória predeterminada em forma de U invertido, conforme sustentado na “hipótese de Kuznets” (KUZNETS, 1955). Consoante apontam as evidências da desigualdade, as linhas de mobilidade ano a ano na escala distributiva evidenciam, em verdade, “episódios” (“episodes”) de ascensão, estabilidade e declive, de forma

que o registro histórico não linear serviria como um valioso antídoto contra o “pessimismo indevido” (“undue pessimism”). Com efeito, a análise histórica revela o perfil mutante da desigualdade, a existência de certa pendularidade ao longo do tempo e refuta a desanimadora compreensão, a visão corrosiva, de que a moderação da iniquidade econômica por meio de contramovimentos equalizadores é implausível, de que nada pode ser feito, de que inexiste alternativa. É possível neutralizar, mitigar ou desagravar os efeitos disruptivos das forças humanas expansivas da desigualdade (ATKINSON, 2015, p. 72, 360 e 365).

Ao contrário de Piketty, Atkinson não procurou descrever a dinâmica da desigualdade ao longo do tempo com base na definição de “tendências” (“trends”) ou “fatos estilizados” (“stylized facts”) que porventura servissem de chaves unificadoras de interpretação dos fenômenos distributivos (“standards”), o que não seria, a seu ver, metodológica e empiricamente correto (ATKINSON, 2014, p. 622; ATKINSON, 2015, p. 6 e 360).

De todo modo, numa leitura agregada e de longo prazo das estatísticas distribucionais do séc. XX referentes, sobretudo, a países integrantes da OCDE, Atkinson constatou que houve uma saliente redução (“salient reduction”), de 4 ou mais pontos percentuais Gini, nos níveis gerais de desigualdade de renda (overall inequality), e de pobreza (“poverty”), ao longo do ciclo que se estendera de 1914 a 1945 e no pós-2ª Guerra, durante os Trinta Gloriosos, de 1945 a 1975. Essa evolução notável deve ser, de todo modo, interpretada de maneira circunstanciada, à luz de seu respectivo “contexto histórico” (“historical context”).

No período de 1914 a 1945, a compressão importante da desigualdade de renda teria decorrido fundamentalmente de consequências distribucionais mais igualitárias provocadas pelos extraordinários choques políticos e econômicos ligados às Guerras Mundiais e pela Grande Depressão que sucedeu o Crash de 1929. Esse foi um ciclo não só matizado por grande entropia, ocupações e rupturas estruturais, como também pela introdução, nas décadas de 1930 e 1940, de novas atitudes públicas, de maior solidariedade, por meio de políticas sociais, como se dera, v.g., nos Estados Unidos, mediante o New Deal, e no Reino Unido, nos termos do

Beveridge Report (ATKINSON, 2015, p. 84-87, 145 e 157).

Descrita, por sua vez, em termos distributivamente positivos e de rápido crescimento (“rapid growth”), a Era Dourada (“Golden Age”) experimentada no interstício de 1945 a 1975 coincide com um ciclo existencial em que se materializaram alguns fatores políticos, econômicos e sociais muito marcantes: 1) expansão de políticas públicas de bem-estar, inclusive, com medidas de provisão social e transferência de renda, no âmbito institucional de

Welfare States financiados mediante tributação progressiva intensiva (a título ilustrativo, a

de 1980 a 2009, passou a ser de 39%); 2) redução dos índices de desemprego; 3) maior poder de barganha coletiva entre sindicatos patronais e profissionais e intervenções estatais no mercado de trabalho através de políticas salariais e legislação de salário mínimo nacional; 4) partilha menos desigual dos rendimentos pessoais na renda nacional, com diminuição da fração referente ao capital (lucros, dividendos, juros, alugueis etc) relativamente às rendas do trabalho; e 5) maior inserção feminina no mercado de trabalho. Não só medidas redistributivas por meio da taxação progressiva e gastos sociais, como também equalizações distributivas decorrentes do nível de emprego e da melhor partilha da renda nacional (“the factor shares”), particularmente no que tange à relação capital/trabalho, teriam, portanto, criado um ambiente propício a uma contração importante da desigualdade (ATKINSON, 2014, p. 623-624; ATKINSON, 2015, p. 41, 87-108, 145 e 169).

Atkinson descreve, ademais, que, na generalidade dos países da OCDE, a curva de Kuznets não se confirmou, visto que, apesar da manutenção do crescimento econômico, não persistiu no processo de redução da iniquidade experimentado durante os Trinta Gloriosos. Nos anos 1970, operou-se, em verdade, uma “virada da desigualdade” (“inequality turn”), uma “guinada ascendente” (“upward turn”), uma “ascensão saliente” (“salient rise”), de forma que a escala distributiva de renda do mercado vêm se distendendo sistematicamente desde então, com registro, inclusive, da intensificação do gradiente dos ganhos auferidos por “superestrelas” no topo da pirâmide econômica, com especial destaque para a elite que integra o 1% superior, que envolve não só investidores produtivos, como também rentistas, gestores de fundos de

hedge, CEOs e até jogadores de futebol (ATKINSON, 2015, p. 141-142). Os níveis de

desigualdade têm persistentemente aumentando ao ponto de já superarem os elevados patamares dos anos 1970 e, em alguns países, da Era do Jazz (anos 1920), o que despertou a atenção não só da comunidade acadêmica, como também da opinião pública e de lideranças e instituições políticas em âmbito nacional, regional e internacional. A extensão da desigualdade e os problemas sociais associados estão hoje no primeiro plano do debate público e impõem desafios preocupantes à construção de um futuro mais equitativo (ATKINSON, 2015, p. 159).

Atkinson rejeita a narrativa convencional de que o crescimento recente da desigualdade de renda seria explicável satisfatoriamente à luz dos efeitos da lei da oferta e da procura no mundo globalizado e tecnologicamente mais avançado, que confere pesos distributivos bem desiguais aos trabalhadores qualificados relativamente aos menos instruídos, de forma que a variável determinante da iniquidade residisse fundamentalmente nas lacunas educacionais. Numa economia de mercado, oferta e procura impactam o resultado distributivo, mas deixam espaço para outros mecanismos. Em sua intepretação, várias causas têm, em verdade,

contribuído para a expansão sensível da desigualdade nas últimas décadas, quais sejam: 1) o estreitamento deliberado das políticas redistributivas, o que continua até hoje, mediante a retração substancial da taxação progressiva (a exemplo da redução, no Reino Unido, durante o governo conservador de Thatcher, da taxa marginal superior do imposto de renda de 83% para 40%; e, nos Estados Unidos, durante o governo de Carter, de 70% para 35%) e cortes fiscais em políticas sociais do Welfare State, o que aumentou a taxa de retenção marginal dos estratos superiores e afetou negativamente a capacidade institucional do Estado de compensar, por meio de tributos, serviços e transferências, as iniquidades primárias crescentes dos fatores de renda do mercado, com implicações distribucionais adversas graves; 2) os impactos da globalização e das mudanças tecnológicas sobre o mercado de trabalho, com a intensificação das possibilidades de realocação dos postos de emprego em âmbito mundial da noite para o dia (mobilidade internacional do trabalho) e o desenvolvimento de tecnologias induzidas, sobretudo, nos campos da robótica, da informática e da comunicação, que, a despeito de proporcionarem efeitos benignos no que tange à eliminação de trabalhos desagradáveis e perigosos e ao aumento da escala e da eficiência, mecanizam a atividade produtiva, eliminam o contato ou elemento humano e, consequentemente, postos de emprego, reduzem os custos salariais por unidade de trabalho e fragilizam o poder de negociação coletiva dos sindicatos e trabalhadores (robôs não fazem greve), o que acarreta desemprego involuntário elevado e persistente e grandes hiatos distributivos; 3) mudanças no mercado de capitais, nos serviços financeiros, e incremento da participação de lucros e dividendos na distribuição macroeconômica da renda, com alteração dos padrões remuneratórios da economia produtiva e declínio da fração relativa dos salários; 4) redução do papel intermediador, do poder de influência e da força de barganha das entidades sindicais, em meio não só a estruturas jurídicas mais hostis à ação coletiva e à supressão de direitos trabalhistas, como também às mutações no mercado de trabalho provocadas pelas inovações tecnológicas; e 5) liberalização do mercado. Todos esses processos não operam por conta própria ou resultam de forças exógenas e irresistíveis do além; são pura e simplesmente fruto de decisões humanas, de escolhas mundanas, de forma que não demandam soluções transcendentais, que escapam da capacidade construtiva das sociedades (ATKINSON, 1999, p. 1; ATKINSON, 2014, p. 622 e 633; ATKINSON, 2015, p. 16-17, 23, 25, 41, 44, 97, 105, 113-133, 149-152, 221, 250, 278 e 364).

A desigualdade geral de renda e a pobreza não teriam, contudo, aumentado em todos os países nas últimas duas décadas, visto que, conforme identificado por Atkinson, há evidências empíricas que sugerem que, após um ciclo de ascensão experimentado nos anos 1980 e 1990, vivenciou-se, a partir dos anos 2000, um episódio de contração em alguns países da América

Latina, tais como Brasil, Chile, Argentina, Bolívia, Peru, Venezuela, El Salvador, Panamá e México, que, em sua maioria, ainda mantêm, todavia, índices desafiadoramente extremos de iniquidade econômica. Segundo Atkinson, estudos indicam que não há uma ligação inequívoca entre a redução recente da desigualdade distributiva nesses países e o crescimento econômico ou a orientação ideológica dos governos, visto houve compressão em países de crescimento rápido (Chile, Panamá e Peru) e baixo (Brasil e México) e sob governos de esquerda (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile e Venezuela) e centro ou centro-direita (México e Peru). Os principais fundamentos do declínio da desigualdade possivelmente estariam associados à redução do prêmio salarial dos trabalhadores mais qualificados, isto é, da diferença entre o patamar salarial dos trabalhadores de maior e menor instrução educacional e capacitação profissional; transferências governamentais por meio de benefícios de prestação continuada em prol dos mais pobres, principalmente em favor de pessoas idosas ou com deficiência, e de provisões condicionadas, a exemplo do Bolsa-Família no Brasil; e aumento substancial do salário- mínimo, com repercussões não só nos ganhos do trabalho, como na renda mensal de benefícios da seguridade social. Em síntese, essa redução da desigualdade teria decorrido da combinação de mudanças nas rendas do mercado com políticas redistributivas expandidas (ATKINSON, 2015, p. 25, 108-111 e 145).

Demais disso, no tocante a países da OCDE, Atkinson identificara que a riqueza real individual se encontra menos concentrada e mais distribuída na atualidade do que foi no passado, de forma que mais pessoas têm acesso à propriedade de bens materiais e desfrutam de um padrão de vida mais alto. O crescimento demográfico, as partilhas sucessórias, uniões conjugais (e equiparadas) e o aumento da riqueza imobiliária, sobretudo, por conta da compra da casa própria e do fornecimento e subsídio de moradias populares, além da valorização expressiva do preço dos imóveis, foram motivos que contribuíram para o aumento patrimonial em favor dos 99% da base da pirâmide social. Isso não significa, contudo, que as disparidades econômicas são pequenas, já que há uma acumulação extrema de riqueza no 1% do topo da pirâmide, e que a dispersão da riqueza tenha se traduzido, na mesma proporção, em equalização do poder econômico e do controle deliberativo sobre a economia produtiva, investimentos, empregos e salários, que continua fortemente concentrado nas mãos dos operadores fáticos do capital. O nível estratosfericamente alto de enriquecimento do 1% mais abastado resultaria, por sua vez, da rentabilidade mais expressiva das rendas de capital dos que se situam nessa faixa do topo (r) frente ao crescimento econômico (g), expressa por Piketty na relação “r > g”, princípio empírico a ser melhor analisado no subtópico seguinte (ATKINSON, 2015, p. 128, 138, 145, 193, 196, 200-203, 245 e 367).

Atkinson adotara, por sua vez, uma compreensão do conhecimento científico produzido no âmbito da Economia da Desigualdade, mormente por meio de estatísticas distribucionais, como fonte de instrução da “consciência pública” acerca da realidade desigual que circunda a vida no tocante aos ganhos e patrimônios. Num certo ativismo político, o intento era de que suas mensagens evidenciassem implicações pragmáticas tanto na esfera privada, de forma a influenciar a tomada de decisões pelos agentes econômicos no tocante ao funcionamento do mercado e à acumulação do capital, quanto no domínio público, ao mobilizar o exercício da cidadania e a agenda política dos Estados no sentido da formulação e execução de políticas públicas redistributivas melhor orientadas, que contribuíssem efetivamente para a redução das iniquidades econômicas, a alocação socialmente justa dos ganhos do crescimento e a construção de sociedades mais equitativas (ATKINSON, 2014, 620; ATKINSON, 2015, p. 23 e 366).

Na perspectiva de Atkinson, enraizada na estrutura social do capitalismo, a desigualdade pré-redistribuição fiscal resulta, em boa medida, de decisões de investimento, produção, negócios e distribuição tomadas voluntariamente por atores econômicos individuais cujos interesses diferem, daí por que, v.g., no que tange às mudanças tecnológicas, é pertinente indagar “quem é o dono dos robôs?”. Embora não se deva esperar transformações miraculosas no comportamento humano no sentido de maior comprometimento ético com as questões