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1.5 Desigualdade econômica e Estado Social

1.5.2 Desafios para o Estado Social no Séc XXI

No séc. XIX, acirrados conflitos de interesses envolvidos na chamada “questão social”, polarizados, sobretudo, em torno do antagonismo de classes (burguesia vs. proletariado), colocaram em perspectiva demandas políticas de transformação das assimétricas sociedades capitalistas (JULIOS-CAMPUZANO, 2009; BONAVIDES, 2009).

Nas décadas finais do séc. XIX e no início do séc. XX, duas propostas de intervenção e de mudança na dinâmica distributiva do capitalismo ganharam especial destaque no imaginário político: a revolucionária e a reformista. Sob inspiração dessas matrizes espirituais fundadas nos valores da igualdade material e do bem-estar social, estruturas alternativas de organização política suplantaram ou atenuaram, em maior ou menor medida, o modelo abstencionista clássico do Estado Liberal. Isso rendeu ensejo à institucionalização de Estados Socialistas e Estados Sociais em todos os quadrantes do Planeta, fenômeno que impactara decisivamente a história político-jurídica da igualdade não só no séc. XX, como também no séc. XXI (JULIOS- CAMPUZANO, 2009; BONAVIDES, 2009).

Com inspiração, sobretudo, nos modelos beveridgiano e keynesiano, o intervencionismo de bem-estar atravessou o pós-2ª Guerra e pautou hegemonicamente a política social e econômica da generalidade dos Estados capitalistas durante as três décadas subsequentes (1945- 1975). Nesse período, experimentou-se, na Europa e nos Estados Unidos, um cenário de crescimento econômico compartilhado, com aumento real dos salários, elevação do padrão de vida e de consumo das massas e vertiginosa compressão das desigualdades de renda e de riqueza, ciclo virtuoso conhecido como “Trinta Gloriosos” ou “Era Dourada” (BELLUZZO, 2004, p. 101-102; PIKETTY, 2014; ATKINSON, 2015).

No plano da hegemonia das ideias, desde meados dos anos 1970, o consenso intervencionista derruiu e vem disputando espaço dogmático com propostas teóricas dissuasivas intituladas de neoliberais. Desenvolvidos por pensadores como Hayek, Friedman e Nozick, esses modelos recuperaram cânones da tradição liberal clássica e defendem o esvaziamento da participação do Estado no domínio econômico, por meio da maior liberalização dos mercados, bem como menos intervencionismo público. A agenda neoliberal desestatizante propõe, para tanto, um amplo pacote de reformas macroeconômicas e medidas de retração minimalista do Estado, o que inclui políticas de privatização de empreendimentos públicos, desregulamentação do mercado, metas de controle inflacionário, estabilização monetária, limitações e cortes nas despesas estatais, superávits orçamentários, austeridade fiscal, livre fluxo internacional de capitais, câmbio flutuante, flexibilização ou supressão de direitos sociais etc (BELLUZZO, 2004, p. 101-109; HEYWOOD, 2010, p. 63-64).

Por outro lado, a despeito de evidenciar resultados socioeconômicos positivos em diversos países, políticas intervencionistas induziram, no final da terceira década depois da 2ª Grande Guerra, efeitos colaterais problemáticos, tais como processos inflacionários galopantes, escassez de recursos, superendividamento externo, desequilíbrios nas contas públicas e aumento geral da carga tributária. Esses problemas se agravaram, sobremaneira, durante a conjuntura econômica experimentada pelo mundo na década de 1970, mormente, por conta da crise energética derivada do embargo no fornecimento de petróleo pelos Estados integrantes da OPEP. Essa composição de fatores resultou em descompassos fiscais crônicos, o que rompeu, em vários países, o círculo virtuoso entre gasto público, investimento privado e expansão do emprego e da renda (BELLUZZO, 2004, p. 17-20), assim como tem comprometido seriamente a capacidade de financiamento e de execução de programas institucionais de bem-estar social assumidos por Welfare States, ora severamente endividados, fenômeno a que se tem rotulado de “crise do Estado Social” (ROSANVALLON, 2007; JULIOS-CAMPUZANO, 2009; LOUREIRO, 2010; KERSTENETZKY, 2012; PIKETTY, 2014; ATKINSON, 2014).

Kerstenetsky sustenta que a expressão “crise do Estado Social”, evocada por críticos de suas políticas intervencionistas há décadas e retomada nos anos 1990, constitui, em verdade, um “erro de categoria”. A seu ver, persiste uma crucial necessidade do Estado Social na atualidade, talvez maior do antes, por conta dos novos e desafiadores riscos socioeconômicos do mundo do séc. XXI, de capitalismo pós-industrial e globalizado, que demanda esforços públicos de bem-estar comparativamente mais elevados do que no passado, sobretudo, em favor de grupos humanos mais vulneráveis. Com efeito, os novos tempos se caracterizam por mercados de trabalho instáveis, com empregos escassos e precarizados e desemprego duradouro, além do prospecto de aumento das desigualdades econômicas, o que reclama a premente intervenção do Welfare State como instrumento destinado a preservar as condições de proteção social e de bem-estar e a equalização das chances da vida (KERSTENETSKY, 2012, p. 59-93).

Demais disso, conforme Kerstenetsky, a despeito das insistentes previsões de um fim imediato do Welfare State, isso não se materializou nestes “anos prateados” (“silver years”). Em vários países desenvolvidos, a exemplo dos países nórdicos, o Estado de Bem-Estar segue vigoroso e, em alguns países menos desenvolvidos, como o Brasil, tem ocorrido uma expansão significativa de sua atuação institucional como resposta às contingências adversas contemporâneas, e não uma retração. Isso pode ser evidenciado, v.g., pelo crescimento dos indicadores quantitativos de gastos sociais, sobretudo, depois da crise de 2008/2009 (KERSTENETSKY, 2012, p. 59-93).

Kerstenetsky ressalta ainda que se tem verificado um crescimento de certas demandas e despesas sociais relativamente às disponibilidades financeiras do Welfare State, inclusive, por conta de pressões demográficas ligadas ao envelhecimento populacional. Isso não denotaria, de todo modo, um problema “do” Estado de Bem-Estar, mas, sim, um problema “para” o Estado de Bem-Estar e que deve, pois, ser tratado por via de arranjos institucionais adequados, que focalizem áreas prioritárias, racionalizem suas fontes de financiamento e promovam a ativação do setor produtivo e do mercado de trabalho, além de incentivarem instituições privadas de bem-estar (KERSTENETSKY, 2012, p. 59-93).

Loureiro assinala que o apressado obituário do Welfare State carece de fundamento, visto que não há efetivamente um adeus, quer no plano constitucional, quer empírico, ao Estado Social. Conquanto o Estado não evidencie o “monopólio da produção do bem-estar social”, já que uma pluralidade de atores também operam nesse domínio (famílias, igrejas, associações, organizações do terceiro setor etc), o quadro institucional de um Estado Socialmente ativo continua a ter relevância fundamental nas “agendas política e dogmática” de uma “sociedade

de risco” (Ulrich Beck), matizada por “profunda incerteza”, “no plano da cognição”, associada à “insegurança”, “no plano do bem-estar”, com “velhos, novos e novíssimos riscos sociais”. O Estado Social não deve ser remetido ao “ferro-velho da história”, visto que se mostra indispensável num mundo que assinala o triunfo do devir heraclitiano, que anemiza a estabilidade e que sinaliza um “horizonte de precarização quotidiana e persistente, sobretudo, para as novas gerações” (LOUREIRO, 2010, p. 9-10, 24, 38, 58, 60-61, 71-77, 95, 112 e 214). Um estado (situação) de mal-estar não significa que o Estado de Bem-Estar se tenha transformado num Estado de Mal-Estar. Como resposta à “crise”, não se deve desmantelar (“abbauen”), mas transformar (“umbauen”) o Estado Social, por meio, v.g., de alterações em seus esquemas de custeio e de proteção social. Transformações no Estado não equivalem ao seu fim. Tempos difíceis para o Estado Social em geral e para a segurança social em particular não significam, de fato, o seu fim, que seria mais um na lista longa dos “finismos” (LOUREIRO, 2010, p. 17-18, 24 e 40).

Para Loureiro, a ideologia apologética do mercado supõe ser possível a superação estrutural do Welfare State e da sua proteção social a partir de uma “lógica de absolutização do econômico”, da “colonização das outras esferas pelo econômico”, o que não respeita a “arte da separação” e se traduz num “riscar do social” na agenda da ação institucional do Estado. Nesse novo e pragmático economicismo, cujo individualismo exacerbado idealiza a atomização da sociedade e confronta culturas de solidariedade, propõe-se a desconsideração da base social do Estado, bem como a redução de seu aparato institucional a uma “anoréxica magreza”, indiferente à dor e ao sofrimento humanos provocados pela miséria e pela privação, modelo que deve ser rejeitado (LOUREIRO, 2010, p. 11, 25-26, 63, 66 e 196-197).

De todo modo, conforme Loureiro, na atualidade, o Welfare State experimenta, em diversos países, importantes problemas de “financiamento” e até de “obesidade”, sobretudo, em modelos paternalistas e maximalistas de Estado-Providência. Em razão disso, a sua arquitetura institucional deve ser repensada seriamente por conta das repercussões problemáticas sobre a sustentabilidade dos seus programas sociais prioritários no longo prazo, reflexão que deve se dar, inclusive, à luz de razões de justiça intergeracional. A responsabilidade pública pelo bem-estar coletivo não é sinônimo de monopólio do sistema de proteção social por parte do Estado, que pode, portanto, operar no campo da ação social em concurso com outros atores sociais privados. Esses desafios ligados ao desenvolvimento sustentável não justificam, de qualquer maneira, uma deserção ou despedida do Estado Social, embora não se deva pôr no Estado todo o enlevo e toda a esperança, como se fosse uma instância salvífica e milagreira (LOUREIRO, 2010, p. 11, 16, 138, 214-216 e 260).

Segundo Loureiro, apesar dos problemas institucionais que evidencia, o Estado Social permanece, em muitos países, como um elemento fundamental da realidade constitucional. A Constituição, que não deve ser reduzida a uma mera “folha de papel”, continua a incorporar uma ideia de democracia econômica, social e cultural que importa efetivar. O Estado Social não é uma categoria, empírica ou normativa, morta ou moribunda, nem do lado substantivo (Estado), nem do adjetivo (social), de modo que a alegada “crise do Estado Social” não é sinônimo de “réquiem pelo Estado Social”. É importante levar a sério o futuro, o mundo vindouro, como problema constitucional. O desafio não envolve a falência institucional do Estado Social, produto da modernidade, mas a sua adaptação e resposta à questão das pobrezas vivenciadas na pós-modernidade, na segunda modernidade, na modernidade reflexiva (LOUREIRO, 2010, p. 49, 64-65, 108, 112 e 116).

Rosanvallon também rejeita a anunciada ideia de crise como atestado do fracasso e da necessidade de ruptura com o modelo institucional do Estado Social e de superação estrutural por fórmulas minimalistas de organização política, como proposto por especulações de inspiração neoliberal, cujos argumentos econômicos e a priori ideológicos opõem, de modo muitas vezes encantatório, as virtudes do mercado à suposta rigidez do Estado redistribuidor (ROSANVALLON, 1997, p. 7-8, 16 e 83).

Segundo Rosanvallon (1997, p. 13-15), a expansão a frio e automática das despesas públicas além do crescimento da produção verificada nas últimas décadas tem resultado, de fato, num “lancinante problema de financiamento” das políticas do Welfare State e na majoração dos “descontos obrigatórios” (carga tributária), o que tem diminuído a sua “eficácia econômica e social”. Há, inclusive, um profundo inconformismo quanto ao peso financeiro do Estado Social, o que envolve, por sua vez, não só questionamentos quanto ao “equilíbrio do financiamento” (déficit fiscal), como também em relação à “repartição do financiamento” (equidade fiscal).

Para Rosanvallon, há “soluções financeiras teóricas” para todos esses problemas conjunturais, que demandam, de todo modo, redefinições controversas quanto ao grau de socialização tolerável dos bens e serviços de interesse público e ao equilíbrio distributivo entre os indivíduos, categorias sociais e agentes econômicos. Nesses termos, mais adequado do que se falar em “crise do financiamento” seria empregar a expressão “impasse financeiro” (ROSANVALLON, 1997, p. 7 e 13-15).

A seu ver, uma crise autêntica envolveria um problema mais profundo, um “abalo intelectual” em relação aos fundamentos existenciais do Welfare State que denotasse um descompasso radical entre a fórmula política do Estado Social e novas atitudes culturais da

sociedade que demandassem uma maior autonomia dos indivíduos em relação aos préstimos do Estado e um novo modo de o Estado se posicionar em face da estrutura social. Não se pode afirmar que há verdadeiramente uma crise por conta de desajustes resolúveis de ordem fiscal, de modo que não radicaria propriamente no peso ou na extensão do Welfare State uma eventual justificativa que legitimasse a sua eventual superação estrutural, mas, sim, no comprometimento da sua relação com a sociedade (ROSANVALLON, 1997, p. 17 e 25).

Rosanvallon ressalta que, historicamente, o Estado Social sempre foi alvo de críticas por opositores de suas políticas intervencionistas desde a origem, mas foi justamente em períodos de crises, quer sejam sociais, econômicas ou internacionais (guerras), que o Estado Social progrediu nos séculos XIX e XX. Esse fenômeno decorreria do fato de que, em tempos de maior provação, há, em verdade, maior coesão da sociedade e reformulação mais ou menos explícita do contrato social em busca de maior proteção em face da insegurança. Em contextos de crise, o Estado Social desempenhou, ademais, um papel positivo, pois contribuiu para amortecer os efeitos das crises (ROSANVALLON, 1997, p. 7-8, 16, 23-26, 84 e 86).

Para Rosanvallon, o problema central em torno do qual gravita a existência do Welfare

State diz respeito à “igualdade na sociedade” em termos de “igualdade social e econômica”, de

“redução da desigualdade”. A dúvida fundamental que perpassa a questão acerca da necessidade ou não do Estado Social no contexto atual repousa na interrogação: “a igualdade é um valor que ainda tem futuro?”. É improvável encontrar alguém que publicamente defenda que a redução das desigualdades não mais constitui um “objetivo social fundamental” no mundo contemporâneo (ROSANVALLON, 1997, p. 29-30).

Quanto ao “impasse financeiro”, Rosanvallon ressalta que as disputas político- ideológicas comumente são polarizadas entre o “roteiro social-estatista”, que prega mais “estatização”, e o “roteiro liberal”, que defende radical “privatização”. Ambos seriam inaceitáveis, por terem implicações problemáticas e/ou negligenciarem os riscos sociais e as necessidades redistributivas do futuro, de modo que se mostra necessário sair do extremado binômio “estatização/privatização” (ROSANVALLON, 1997, p. 83-85).

A bandeira da estatização tende a aprofundar as dificuldades financeiras e a insistir em propostas de hiper-socialização e de aumento sucessivo da carga tributária, o que enfrentaria, decerto, uma “resistência sociológica difusa” importante quando atingisse os “limites da socialização suportável”. Em contextos de normalidade social, esses limites são, inclusive, menos elásticos do que em cenários de crise, que catalisam maior coesão da sociedade em torno de propostas de reforço dos mecanismos redistributivos. Demais disso, o crescimento desmedido do custo do Estado tem implicações colaterais adversas, tais como, v.g., o

desenvolvimento de uma economia subterrânea e do trabalho clandestino, que criam, como autodefesa, uma economia e uma sociedade paralelas, dualismo que aprofunda as desigualdades econômicas e sociais. O esforço institucional teoricamente gerador de maior igualdade pode, em verdade, multiplicar as desigualdades ocultas e deslocar os espaços de identidade coletiva (ROSANVALLON, 1997, p. 13-14, 83-84 e 87).

Por sua vez, a mentalidade liberal anti-Estado propõe um “retorno ao mercado”, uma “volta atrás”, uma “regressão social”, uma “redução da redistribuição”, propostas de dessocialização que evidenciam um déficit importante de legitimidade, a despeito de sua considerável força de atração e poder de sedução intelectual sobre as classes médias. Esses modelos abstencionistas decompõem o social numa rede de indivíduos autônomos e separados, não direcionam maiores atenções diretas para as minorias sociais mais desprotegidas da população e negligenciam os mecanismos sociológicos produtores da demanda social do Estado (ROSANVALLON, 1997, p. 8-9, 83-84 e 87).

Como alternativa, Rosanvallon sugere uma redefinição da relação entre o Estado Social e a sociedade, a superação da compreensão de que o funcionamento social é comandado por um rígido antagonismo “Estado vs. mercado” e o desenvolvimento de novas formas institucionais de solidariedade através do concurso entre o Estado, a sociedade e o mercado na construção conjunta das condições de possibilidade do bem-estar social. Isso poderia se dar,

v.g., por via de políticas mais flexíveis de socialização (desburocratização da máquina

administrativa e racionalização da gestão), como também de mecanismos de descentralização (aproximação dos usuários) e de autonomização (transferências do exercício de certas prestações de bem-estar para instituições privadas). Ressalta, ademais, a necessidade de reduzir a “demanda do Estado Social” (e não de aboli-lo), de se “reencaixar a solidariedade na sociedade” e de assegurar “maior visibilidade social”, de modo que a sociedade e seus dilemas se tornem mais visíveis para si mesma (ROSANVALLON, 1997, p. 85-100).

Consoante já explorado, levantamentos estatísticos mais recentes revelam resultados sociais problemáticos em termos de agravamento da desigualdade econômica nas últimas três décadas em diversos países, como se verifica nos estudos desenvolvidos por teóricos da Economia da Desigualdade, a exemplo de Anthony Atkinson e Thomas Piketty, e por organismos internacionais, como a OCDE, a CEPAL/ONU, o FMI, o Banco Mundial e a Oxfam.

Ilustrativamente, o seguinte gráfico elaborado por Piketty retrata, no tocante aos Estados Unidos, a evolução da participação dos 10% mais ricos na distribuição da renda nacional e, consequentemente, o comportamento da desigualdade da renda de 1910 a 2010 e a sua expansão

acentuada e sem precedentes desde a década de 1970, fenômeno a que Piketty denomina de “explosão da desigualdade americana” (PIKETTY, 2014, p. 31 e 286-289):

Gráfico 1.5.2-1 - Desigualdade de renda - EUA - 1910-2010

Fonte: PIKETTY, 2014, p. 31.

No Brasil, os patamares distributivos são, inclusive, tradicionalmente mais desiguais e estáveis, conforme ilustra o seguinte gráfico relativo à fração da renda acumulada pelos 10% mais afluentes de 1960 a 2010, com medições com base em dados tributários, nas PNADs e nos Censos Demográficos:

Gráfico 1.5.2-2 - Desigualdade de renda - Brasil - 1960-2013

Fonte: SOUZA, 2016, p. 236.

Diante de constatações empíricas dessa natureza e da crise financeira mundial vivenciada em 2008/2009, reascendeu, em diversos países, o interesse de estudiosos e lideranças políticas por mecanismos que teoricamente possam atenuar os níveis inquietantes de concentração de renda e de riqueza que se anunciam no capitalismo globalizado do séc. XXI, inclusive, no Brasil, terra de contrastes distributivos historicamente extremos.

Esse reavivamento tem-se dado, de todo modo, num mundo que não é o de outrora e que mudou drasticamente em relação aos Trinta Gloriosos, em que um quadro geral de desigualdades crescentes em muitos países, uma “virada da desigualdade”, coexiste com severas restrições fiscais, com a ampliação da concorrência decorrente da globalização econômica e com o capitalismo financeiro e informacional, marcado pela hegemonia dos intermediários financeiros sobre os processos produtivos e por saltos tecnológicos sem precedentes. O sistema capitalista passou por metamorfoses importantes e o capital adquiriu novas propriedades de movimento fugaz e transfronteiriço por mercados mundiais e paraísos fiscais ao toque de um botão, mediante algoritmos de milionésimos de segundo, em busca de maiores oportunidades de retorno e de refúgios onde possam, inclusive, elidir o alcance da tributação (PIKETTY, 2014, ATKINSON, 2015).

Nesse cenário, o raio institucional de independência econômica e de manobra política dos Estados no tocante à gestão soberana das economias nacionais se encontra demasiadamente comprimido (PIKETTY, 2014, ATKINSON, 2015).

A despeito desses desafios, Stiglitz assinala que, por conta das implicações morais, sociais, políticas e econômicas das desigualdades distributivas extremadas, a redução das iniquidades de renda e de riqueza, mediante a remoção de pessoas da pobreza, o fortalecimento da classe média e a contenção dos excessos do topo, deve ser assumida como uma prioridade pelos “formuladores de políticas” (“policymakers”). Esses “efeitos adversos” (“adverse

effects”) justificam medidas institucionais destinadas a comprimir as desigualdades extremas,

que não são inevitáveis (“not inevitable”), visto que não são “o resultado inelutável de forças econômicas” (“the ineluctable result of economic forces”), mas, sim, o “resultado de políticas e da política” (“result of policies and politics”). Há políticas que podem criar desigualdades, mas há também as que podem reduzi-las e aumentar a igualdade de oportunidades, tais como: provisão de mais suporte à educação; intervenções macroeconômicas destinadas à manutenção da estabilidade, do pleno emprego e da melhoria do salário mínimo; canais que confiram mais voz aos trabalhadores no ambiente de trabalho, inclusive, com sindicatos; melhor governança corporativa, para conter abusos no pagamento dos CEO´s; regulação do setor financeiro, para restringir a manipulação do mercado e evitar práticas abusivas com cartões de crédito; leis antitruste; adoção de um sistema tributário mais justo, que não recompense os especuladores ou aqueles que se utilizam de paraísos fiscais off-shore; taxação reforçada das heranças; e regulação dos procedimentos de falência, de modo a evitar que especuladores sejam beneficiados. Não há fórmula mágica, mas há uma série de políticas que pode fazer a diferença (“there is no magic bullet, but there are a host of policies that would make a difference”).

Quando a distribuição é desigual, “politics matters” (STIGLITZ, 1998, p. 223; STIGLITZ, 2014, p. 14-15).

Reich também entende que a história do capitalismo não é ditada por determinismos tecnológicos ou econômicos e que temos em nossas mãos as rédeas do futuro. Para que possam ser feitas melhores escolhas, é preciso, de todo modo, compreender com realismo nosso passado e nosso presente e deixar de lado o pensamento mítico (REICH, 2008, p. 12).

Para Paul Krugman, a redução das desigualdades pode ser promovida não só mediante alterações nos padrões distributivos do mercado, como também de políticas pós-mercado (“aftermarket policies”) que redistribuam os ativos econômicos, tais como sistemas tributários progressivos (KRUGMAN, 2009, p. 251-264).

Conforme Atkinson, os problemas contemporâneos relacionados à concentração econômica excessiva não são passíveis de serem resolvidos apenas através das poderosas forças do mercado, tais como por meio de intervenções controladas por empresas e instituições financeiras. Referidas corporações, que absorvem parte significativa da renda nacional, mantêm negócios privados cuja responsabilidade social por excelência é, segundo Friedman, o aumento