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ATORES DA CRUELDADE: SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO

Quem são os sujeitos ativos que praticam o crime e quem são os sujeitos passivos, aqueles que sofrem as consequências da crueldade ilimitada? Como não se importar frente à dor e ao destrato por aqueles que nunca tiveram a intenção de prejudicar, mas só vivem de acordo com suas experiências? Os animais não-humanos estão à mercê da indiferença de tratamento dada a eles pelos seres humanos, nos mais diferentes cenários, desde animais domésticos a animais de criação. De tanto negligenciar essa atenção, adquire-se um novo um hábito, em que não há mais emoção para a crueldade praticada.

Hábito. Esta é a barreira final que o movimento de Libertação Animal enfrenta. Hábitos não só dietéticos, mas também de pensamento e linguagem, que têm de ser postos em causa e alterados. Os hábitos de pensamento levam-nos a rejeitar as descrições de crueldade para com os animais, considerando-as emotivas e destinadas apenas a "amantes dos animais"; ou, se não isso, fazem-nos crer que, de qualquer forma, o problema é tão trivial em comparação com os problemas enfrentados pelos seres humanos que nenhuma pessoa sensata gastaria com ele tempo e atenção. Também isto é um preconceito - pois como se pode saber que um problema é trivial até se ter despendido algum tempo a analisar a sua dimensão? (SINGER, 1989, p. 07).

Singer (1989, p. 58) explica que “toleramos uma crueldade para com membros de outras espécies que nos indignaria se fosse perpetrada em membros da nossa própria espécie”. Essa é uma questão importante que merece ser repensada. Os animais não-humanos possuem sensações reais de alegria, amor, dor, tristeza facilmente observadas, mas friamente consideradas.

Ante essa capacidade de sentir, na ciência do bem-estar animal, cinco serão as liberdades que deverão ser respeitadas, segundo Diniz (2018, p. 103):

a nutricional (livre de sede, fome e má-nutrição), a sanitária (livre de dor, ferimentos e doenças), a ambiental (livre de desconforto), a comportamental (livre para expressar

seu comportamento, mediante fornecimento de espaço adequado e de companhia de animais da mesma espécie) e a psicológica (livre de estresse e de medo).

A Lei n. 9605/1998 (BRASIL, 1998), de crimes ambientais, já citada nos capítulos anteriores, que de acordo com Diniz (2018) regula crimes contra animais, no art. 32, “ao impor ao poder público e a coletividade o dever de defender e preservar bens ambientais para as presentes e futuras gerações”, também faz a proibição de atos que submetam animais a sofrimento, buscando protegê-los por terem capacidade de sentir.

Custódio (1997 apud DINIZ, 2018, p. 101), em parecer datado de 07/02/1997, elaborado para subsidiar a redação do novo Código Penal brasileiro, pondera que:

crueldade contra animais é toda ação ou omissão, dolosa ou culposa (ato ilícito), em locais públicos ou privados, mediante matança cruel pela caça abusiva, por desmatamentos ou incêndios criminosos, por poluição ambiental, mediante dolorosas experiências diversas (didáticas, científicas, laboratoriais, genéticas, mecânicas, tecnológicas, dentre outras), amargurantes práticas diversas (econômicas, sociais, populares, esportivas como tiro ao vôo, tiro ao alvo, de trabalhos excessivos ou forçados além dos limites normais, de prisões, cativeiros ou transportes em condições desumanas, de abandono em condições enfermas, mutiladas, sedentas, famintas, cegas ou extenuantes, de espetáculos violentos como lutas entre animais até a exaustão ou morte, touradas, farra de boi, ou similares), abates atrozes, castigos violentos e tiranos, adestramentos por meios e instrumentos torturantes para fins domésticos, agrícolas ou para exposições, ou quaisquer outras condutas impiedosas resultantes em maus tratos contra animais vivos, submetidos a injustificáveis e inadmissíveis angústias, dores, torturas, dentre outros atrozes sofrimentos causadores de danosas lesões corporais, de invalidez, de excessiva fadiga ou de exaustão até a morte desumana da indefesa vítima animal.

Em um crime, esclarecendo a distinção entre os sujeitos do processo, Bitencourt (2008 apud MARINHO; RUBENICH, 2019, p. 16) compreende que “sujeito ativo é aquele que

pratica a conduta por ação ou omisso, enquanto o sujeito passivo: é o titular do bem jurídico atingido pela conduta criminosa” (grifo nosso). Ainda destaca que “o sujeito passivo

do crime pode ser: o ser humano (ex.: crimes contra a pessoa); o Estado (ex.: crimes contra a Administração Pública); a coletividade (ex.: crimes contra a saúde pública); e, inclusive, pode ser a pessoa jurídica (ex.: crimes contra o patrimônio)” (BITENCOURT 2008 apud MARINHO; RUBENICH, 2019, p.)

Essa questão importante trazida por Marinho e Rubenich (2019) demonstra que os pensadores do direito penal não reconhecem o animal como um sujeito passivo em um crime de maus-tratos, independentemente do pensamento moderno que afasta o homem do centro do universo.

Compreende-se, segundo os autores, que “o não reconhecimento do animal como

e Rubenich (2019), “a alteração legislativa para descoisificar os animais é imperiosa para

lastrear a doutrina penal no sentido de reconhecer o verdadeiro sujeito passivo dos crimes de maus-tratos contra os animais” (grifo nosso).

No mesmo sentido, Zaffaroni (2017 apud MARINHO; RUBENICH, 2019, p. 18), disserta que “a titularidade de direitos não deve ser ignorada pela ausência de capacidade para estar em juízo, pois os animais, sujeitos de direitos despersonalizados, podem ser representados por organizações de proteção aos animais ou pelo Ministério Público”. Na esfera criminal, Zaffaroni (2017 apud MARINHO; RUBENICH, 2019, p. 18)) é um dos poucos defensores da titularidade de direitos pelos animais: “a nosso juízo, o bem jurídico no delito de maus-tratos de animais não é senão o direito do próprio animal de não ser objeto da crueldade humana, para tanto é necessário reconhecer-lhe o caráter de sujeito de direitos”.

Essas importantes considerações, trazidas pelos autores citados, demonstram que é possível criar a personalidade jurídica do animal não-humano perante alterações na legislação atual.

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