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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA SIMONE AREZIO DE MELLO

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SIMONE AREZIO DE MELLO

MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAIS:

ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Tubarão 2020

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SIMONE AREZIO DE MELLO

MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAIS:

ANÁLISE DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade

Orientador: Prof. Vilson Leonel, MSc. Tubarão

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Dedico esta pesquisa a todos aqueles que me apoiaram incansavelmente com gestos e palavras de amor, apoio e carinho: meus pais Francisco e Leni, minha irmã Cláudia, meu marido Rogério e minhas filhas que muito me incentivaram a continuar, Laura e Sofia. Vocês fazem meus dias cheios de luz!

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao bom Deus Criador por permitir esse momento de amadurecimento intelectual, em que redescobri sentimentos profundos de compaixão e entendimento da alma humana.

Agradeço profundamente à minha família, pais, irmã, marido e filhas, que sempre estiveram presentes, principalmente nos momentos mais difíceis, oferecendo suporte, acolhimento, apoio incondicional e muita compreensão.

Agradeço, com muitas saudades, à minha cunhada Fernanda, in memoriam, pelas belas lições de vida e de sabedoria, fonte de muita inspiração em minha vida.

Cabe especial agradecimento ao meu orientador Vilson Leonel, que bravamente aceitou esse desafio e dignamente me mostrou o caminho das pedras com paciência e dedicação. E aos meus queridos professores, colegas e amigos que ganhei nessa caminhada, aqueles que ficaram pelo caminho e aqueles que seguiram juntos, muitas vidas, muitas histórias, gratidão.

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Enquanto estivermos matando e torturando animais, vamos continuar a torturar e a matar seres humanos – vamos ter guerra. Matar precisa ser ensaiado e aprendido em pequena escala. Enquanto prendermos animais em gaiolas, teremos prisões, porque prender precisa ser aprendido em pequena escala. Enquanto escravizarmos os animais, teremos escravos humanos, porque escravizar precisa ser aprendido em pequena escala. (Edgar Kupfer-Koberwitz)

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RESUMO

OBJETIVO: Esta monografia tem por objetivo analisar as decisões do Tribunal de Justiça do

Estado de Santa Catarina sobre o crime de maus-tratos em animais não-humanos. MÉTODO: A pesquisa caracteriza-se como documental, sendo de natureza exploratória, que concerne ao uso do entendimento jurisprudencial utilizando uma amostragem de caráter qualitativo e quantitativo. Realizou-se o levantamento dos acórdãos de dois anos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, entre setembro de 2017 e setembro de 2019. RESULTADOS: Dos 32 julgados selecionados, 53% eram recursos com a tipificação do crime de maus-tratos aos animais, e dessas decisões, em 64,7% houve condenação. Observou-se que a legislação aplicada confere importância à lei de crimes ambientais, lei 9605/98 (BRASIL, 1998), que, em consonância com o Código Penal (BRASIL, 1940), a Constituição Federal (BRASIL, 1988) e outras leis ambientais, sugerem um entendimento jurisprudencial já sendo aplicado nas comarcas que compõem o TJSC. CONCLUSÃO: A percepção da senciência animal está avançando perante a legislação brasileira. Com a promulgação da Carta Magna, iniciou-se o processo de personificação do animal não-humano no país, com estados e municípios possuindo legislações autônomas para a preservação das espécies, assim como já ocorre em outros países. É notável a preocupação do Judiciário catarinense em estabelecer um entendimento jurisprudencial uniforme a respeito do tema.

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ABSTRACT

OBJECTIVE: This monography aims to analyze the decisions made by the State of Santa

Catarina’s court of justice about the mistreatment of non-human animals. METHOD: The research is characterized as documentary, of exploratory nature concerning the use of jurisprudential understanding with approach quantitative and qualitative sampling. It was made a survey of the judgments of the Santa Catarina court in a two-year range, from september 2017 to september 2019. RESULT: Of the 32 judges selected, 53% were consistent with the classification of the crime of mistreatment of animals, and 64,7% of these decisions there were condenation. In these it was observed that the applied legislation gives importance to the law of environmental crimes, law 9605/98 (BRASIL, 1998) which aligned with the Penal Code (BRASIL, 1940), Federal Constitution (BRASIL, 1988) and other environmental laws suggest an existing jurisprudential understanding being applied in the counties that make up the Santa Catarina’s court of justice. CONCLUSION: The perception of the animal sentience is advancing under Brazilian legislation. When the promulgation of the Constitution happened, the personification process of the non-human animals began in the country, with states and municipalities having autonomous legislation to preserve the species, as is already the case in other countries. It is remarkable the brazillian judiciary’s concern about establishing an uniform jurisprudential understanding about the topic.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 - Tipos de recursos apresentados no TJSC sobre a prática do crime de maus-tratos a animais – 2017 - 2019...48 Tabela 1 - Crime de maus-tratos: denunciante e denunciado...49 Quadro 1 - Decisões do TJSC em relação a crimes de maus-tratos contra animais de acordo com a localidade e espécie...50 Desenho 1 - Mapa do estado de Santa Catarina identificando os tipos de espécies animais e as localidades onde ocorreram os crimes de maus-tratos...54 Quadro 2 - Legislação aplicada ao crime de maus-tratos, pena indicada e entendimentopacificado com menção aos artigos processuais...54 Gráfico 2 - Decisões do TJSC quanto à prática do crime de maus-tratos contra animais...56

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 11

1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA ... 11

1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 15

1.3 DEFINIÇÃO DOS CONCEITOS OPERACIONAIS ... 15

1.4 JUSTIFICATIVA ... 15

1.5 OBJETIVOS ... 17

1.5.1 Geral ... 17

1.5.2 Específicos ... 17

1.6 DELINEAMENTO DA PESQUISA ... 17

1.7 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS ... 19

2 DIREITO AMBIENTAL: ONDE TUDO COMEÇOU... 20

2.1 BREVE HISTÓRICO DO AMBIENTALISMO ... 20

2.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO ANIMAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA ... 21

2.3 CONCEITO DE SENCIÊNCIA ANIMAL ... 25

3 ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS ... 27

3.1 ANTROPOCENTRISMO X BIOCENTRISMO ... 27

3.2 DIGNIDADE HUMANA E DIGNIDADE DO ANIMAL ... 28

3.3 SITUAÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS NO BRASIL ... 31

3.4 DIREITO COMPARADO E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ATUAL ... 33

3.4.1 Legislação brasileira atual: fundamentos do PLC 27/2018 ... 35

3.4.2 Legislação brasileira atual: estados e municípios ... 37

3.5 DISCREPÂNCIAS LEGAIS À CONSOLIDAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO ANIMAL BRASILEIRO ... 39

3.6 ATORES DA CRUELDADE: SUJEITO ATIVO E SUJEITO PASSIVO ... 41

3.7 CRIME DE MAUS-TRATOS A ANIMAIS E PENALIDADES ... 43

4 MAUS-TRATOS CONTRA ANIMAIS: PERFIL DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA ... 47

4.1 PERFIL GERAL DOS RECURSOS ... 48

4.2 LEGISLAÇÃO APLICADA, PENA E MENÇÃO AOS ARTIGOS 926 E 927 ... 54

5 CONCLUSÃO ... 59

REFERÊNCIAS ... 61

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APÊNDICE A - FORMULÁRIO UTILIZADO PARA COLETA DE DADOS DOS ACÓRDÃOS DO TJSC– SET. 2017 A SET. 2019 ... 67 APÊNDICE B - REFERÊNCIAS DOS ACÓRDÃOS DO TJSC QUE DECIDEM

SOBRE A IMPUTAÇÃO DOS CRIMES DE MAUS-TRATOS AOS ANIMAIS (SET 2017 A SET 2019) ... 68

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1 INTRODUÇÃO

Maltratar um animal é crime previsto na legislação brasileira, na lei de crimes ambientais, Lei 9.605/98 (BRASIL, 1988), em seu artigo 32, que descreve as penalidades para o infrator que praticar atos de crueldade e/ou crime contra animais.

Nessa pesquisa, será analisado o conjunto de argumentos que fundamentaram as decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina em relação aos aspectos legais e jurisprudenciais sobre a questão do crime de maus-tratos aos animais. Nesse processo, são identificados acórdãos que mencionam os artigos 926 e 927 do Código de Processo Civil (CPC) indicando a uniformização do entendimento jurisprudencial acerca do crime de maus-tratos aos animais nesse Tribunal de Justiça.

Será estabelecido um quadro geral da legislação brasileira e dos entes federados sobre a tutela jurídica aos animais e, além disso, será comparada a legislação referente à proteção de animais não-humanos em diferentes ordenamentos jurídicos. Em paralelo, serão identificados os fundamentos do Projeto de Lei Complementar n° 27 de 2018 (BRASIL, 2018), que acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (BRASIL, 1998), para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não-humanos.

1.1 DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO PROBLEMA

O tema do presente trabalho é “Maus-tratos aos animais: análise das decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina”, com foco na busca das legislações que prezam pela proteção dos animais não-humanos de forma igualitária a dos seres humanos. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, (BRASIL, 2019), os animais não-humanos são parte fundamental do ecossistema planetário e acompanham a humanidade há milhares de anos, servindo como alimento, sendo prestadores de serviços, companhia, entre outras funções.

Mesmo em meio a essa constatação, é notável o descaso do ser humano em relação aos seus semelhantes não-humanos e, consequentemente, com o meio que o cerca. Observa-se que os seres humanos seguem condutas morais levando em conta princípios de igualdade e dignidade, mas ficam imperceptíveis na questão da proteção do meio ambiente, o que também é observado por Sarlet e Fertensfeister (2010).

Insensibilidade aos direitos dos animais não-humanos traduz-se em uma visão antropocêntrica, colocando o ser humano ainda como o foco principal da sua existência e

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relegando às outras espécies um papel de subserviência, sendo caracterizadas como objetos ou coisas no ordenamento jurídico brasileiro, conforme demonstra Abílio (2017) em seu estudo.

Diariamente, notícias de maus-tratos aos animais, em diversas situações, das mais variadas espécies, são veiculadas nos meios de comunicação e órgãos oficiais do governo, como o Ibama (BRASIL, 1981), dando o triste panorama das relações conflitantes entre humanos e animais não-humanos.

Em seu artigo 225, a Constituição Federal do Brasil de 1988, do Título VIII, da Ordem Social, do capítulo VI, do Meio Ambiente, outorga ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente e mantê-lo ecologicamente equilibrado para as futuras gerações, deixando, em seu parágrafo 1°, inciso VII, a expressa incumbência ao poder público de proteger a fauna e a flora:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. VII -proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Ter consciência de que os animais possuem dignidade, sentem dor e prazer (senciência), enquanto sujeitos de direito, é fundamental para uma existência digna, o que já os diferencia definitivamente de coisa ou bens móveis, como exposto no Código Civil Brasileiro (2002), e que Singer (1989, p. 20) nos traz em sua obra com ênfase à senciência animal:

Se um ser sofre, não pode haver justificação moral para recusar ter em conta esse sofrimento. Independentemente da natureza do ser, o princípio da igualdade exige que ao seu sofrimento seja dada tanta consideração como ao sofrimento semelhante na medida em que é possível estabelecer uma comparação aproximada de um outro ser qualquer. Se um ser não é capaz de sentir sofrimento, ou de experimentar alegria, não há nada a ter em conta. Assim, o limite da senciência (utilizando este termo como uma forma conveniente, se não estritamente correta, de designar a capacidade de sofrer e/ou, experimentar alegria) é a única fronteira defensável de preocupação relativamente aos interesses dos outros. O estabelecimento deste limite através do recurso a qualquer outra característica, como a inteligência ou a racionalidade, constituiria uma marcação arbitrária.

No Brasil, criou-se a Política Nacional do Meio Ambiente (BRASIL, 1981), estabelecida pela Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, e regulamentada pelo Decreto Federal nº 99.274, de 6 de junho de 1990, tendo como objetivo a preservação das espécies ameaçadas, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental que deu origem ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA).

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O Ibama divulga constantemente notícias de apreensões de animais destinados à venda ilegal, boa parte deles tendo sofrido maus-tratos, como divulgado pela notícia abaixo em seu site recentemente: Ibama apreende 57 animais a partir de denúncia anônima de comércio ilegal no DF. A notícia traz a seguinte descrição:

[...] Entre os espécimes recolhidos pelos agentes ambientais havia 40 axolotes (Ambystomamexicanum), espécie de salamandra típica do México, o que caracteriza introdução de espécie exótica sem autorização; 13 arraias-pintadas (Potamotrygonfalkneri) sem comprovação de origem; 2 bicudas (Boulengellera sp.), cuja comercialização é proibida; e 2 peixes-vidro (Parambassisranga) que receberam injeções de tinta fluorescente, evidenciando maus-tratos (IBAMA, 2019).

Na mesma notícia, o Ibama relata que: “A captura e o comércio irregular de peixes ornamentais provocam prejuízos a ecossistemas e colocam muitas espécies em ameaça de extinção” (IBAMA, 2019). Tal como ocorre com os peixes, uma inúmera variedade de espécies é colocada em risco de extinção por seu comércio irregular. Nesse sentido, para atender a casos como este evidenciados na matéria acima apresentada, a fim de garantir a preservação do Meio Ambiente, foi criada uma legislação específica para tratar sobre os Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), já que ainda não havia previsão no Código Penal Brasileiro. A Lei 9.605/98 traz em seu artigo 32 a pena prevista para a prática de maus-tratos e morte de animal:

Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. [...]

§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. (BRASIL, 1998).

Nas infrações penais previstas nesta lei, a ação penal iniciada é pública incondicionada e ocorre mediante denúncia do Ministério Público, pois interfere diretamente no interesse público. Portanto, independe de representação ou requisição de um cidadão para que o processo siga em frente.

Recentemente, um projeto de lei que tramitou no Senado, agora já aprovado com emendas e seguindo para Câmara dos Deputados – projeto de lei complementar (PLC) 27/18 –, determina que os animais não-humanos possuem natureza jurídica sui generis e são sujeitos de direitos despersonificados, que devem gozar e obter tutela jurisdicional em caso de violação, sendo vedado seu tratamento como coisa (BRASIL, 2018).

É grande a dificuldade em se fazer alterações legislativas nesse sentido, já que tradições e costumes culturais e locais que utilizam animais para divertimento e lazer são contínuas e aparentemente permitidas pela Constituição Brasileira, demonstrando um choque entre dois

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princípios jurídicos defendidos: manifestação cultural X proteção ao meio ambiente, uma vez que em seu artigo 215 é prevista a proteção às manifestações culturais e populares:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

§1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional (BRASIL, 1988).

Como exemplo, a Farra do Boi no estado de Santa Catarina, noticiada pela imprensa (TORRES, 2018), já proibida desde a criação da Lei 9.605/98, de crimes ambientais, ainda ocorre, embora em menor número. Outro exemplo é a ‘Prova do Laço’, no Estado do Paraná, também noticiada amplamente (CORDEIRO, 2015), que foi proibida em função de causar sofrimento aos bois e cavalos utilizados na competição, sendo considerada cruel.

Também a Vaquejada, no estado do Ceará, tema de incessante disputa judicial, foi considerada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) uma prática inconstitucional, conforme ADI 4.983 (BRASIL, 2016). Com a pressão da bancada ruralista, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 13.364/2016 (BRASIL, 2016), que elevou o Rodeio e a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial, referendado pela emenda constitucional nº 96/2017 (BRASIL, 2017), acrescentando o parágrafo7° ao artigo 225 da Constituição Federal e tornando suas práticas permitidas (BRASIL, 2017). Nessa mudança legal ainda cabe nova avaliação do STF, já que com essa alteração na lei houve afronta às cláusulas pétreas da Constituição.

As demandas pelo julgamento de casos que envolvem animais e humanos crescem gradativamente. Os animais também têm aparecido em controvérsias tipicamente humanas, como no caso em que o Tribunal estabeleceu direito de visitas a uma cadela objeto de disputa por um casal que se separou (CONJUR, 2018).

Em se tratando de maus-tratos, casos ocorrem frequentemente, como observado no acórdão de 2018 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em que, diante de sofrimento e subnutrição dos animais, o autor teve pena restritiva de direitos aplicada imediatamente (BRASIL, 2018a).

O presente trabalho buscou saber qual o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina quanto a maus-tratos sofridos pelos animais nos últimos dois anos, e de que forma foram julgados estes casos: se os direitos dos animais foram preservados, se houve punição ao infrator e que leis foram utilizadas dentro da legislação atual.

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1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Qual a posição do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina sobre o crime de maus-tratos aos animais?

1.3 DEFINIÇÃO DOS CONCEITOS OPERACIONAIS

Posicionamento das decisões do TJSC sobre o crime de maus-tratos aos animais:

compreende-se o conjunto de argumentos que fundamentam as decisões do Tribunal, tomando como referência aspectos legais e jurisprudenciais.

1.4 JUSTIFICATIVA

O interesse pelo tema se deu a partir de uma aula no XIII Simpósio Nacional de Direito Constitucional, em 2018, com o tema ‘Os novos sujeitos do processo’, ministrada pelo juiz federal Dr. Vicente de Paula Ataíde Jr., que trouxe o profundo impasse das leis brasileiras atuais com a preservação ambiental, a falta de respeito aos direitos dos animais não-humanos e sua incapacidade processual, além da crueldade sem limites do ser humano.

Esses novos sujeitos dos processos nomeados por Ataíde Junior (2018) fazem parte da construção da dignidade humana, já que são seres sencientes e estão inseridos diretamente nos meios em que direitos e garantias individuais são firmemente resguardados, e dos quais o Poder Público tem o dever legal de proteger e dar assistência. Direitos já identificados na Declaração Universal dos Direitos dos Animais, promulgada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), ocorrida em Bruxelas, em 1978.

Já há pleno desenvolvimento da tutela da fauna em ordenamentos jurídicos internacionais, como no direito austríaco, alemão, suíço e português (SILVESTRE; LORENZONI; HUBNER, 2018).

Diante da inquestionável preocupação com esse tema tão polêmico, o momento é de buscar consolidar uma dogmática do direito animal, para que sirva de reforço para futuras legislações de proteção à fauna.

Nesse contexto, o voto do ministro Roberto Barroso, na Ação direta de inconstitucionalidade nº 4.983, reconhece o direito moral dos animais de não serem submetidos a práticas de crueldade, no sentido de que:

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O embate entre aqueles que defendem o reconhecimento de direitos aos animais e aqueles que buscam defender apenas medidas que assegurem o bem-estar das demais espécies sencientes é intenso. Mas, nele, não há vencedores nem perdedores. Ambos os lados contribuem para a formação de uma nova consciência sobre a necessidade de se atribuir aos animais um valor moral intrínseco. Portanto, embora suas posições filosóficas sejam opostas em aspectos fundamentais, é possível afirmar que intelectuais de ambos os lados têm um objetivo em comum: inspirar as pessoas a repensar a posição moral dos animais e incentivá-las a mudar seus valores e a questionar seus preconceitos quanto ao tratamento que dispensam a eles. Não é preciso escolher um dos lados para enfrentar a questão ora em exame (BRASIL, 2016).

Segundo Sarlet (2019), recentemente o Superior Tribunal de Justiça, em decisão pioneira e inédita sobre o tema, no julgamento do Resp 1.797.175/SP, da relatoria do ministro Og Fernandes, “reconheceu a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e, ademais disso, atribuiu dignidade e direitos aos animais não-humanos e à Natureza, inclusive avançando rumo a um novo paradigma jurídico biocêntrico”.

De acordo com Hammerschmidt e Molento (2012), embora a relação entre seres humanos e animais possa ser positiva para ambos, interações negativas também são observadas, como nos relatos de atos de maus-tratos em animais.

Com pesquisas tão atuais e importantes e diversas discussões políticas e jurídicas a respeito desse tema, é relevante tentar revelar o posicionamento da Justiça sobre maus-tratos. Foi nesse sentido que esta pesquisa foi traçada, visando investigar a posição do Tribunal de Justiça de Santa Catarina nos últimos dois anos em relação aos crimes de maus-tratos a animais não-humanos.

Cabe ressaltar o elevado número de estudos sobre a questão da senciência animal, como o de Hibner, Lorenzoni e Silvestre (2018), que fazem uma análise profunda da legislação e de decisões judiciais brasileiras e estrangeiras a respeito da tutela jurídica da senciência animal. Também Fornasier e Tondo (2017) examinam implicações de ordem teórica acerca da condição de sujeito jurídico do animal e das práticas relacionadas à experimentação animal, além de analisarem as teorias que defendem senciência e consciência de não-humanos, que embasaram leis e convenções sobre direitos dos animais e experimentação.

No entanto, estudos que buscam conhecer o entendimento jurisprudencial acerca desse tema são bem reduzidos. A negativa de personalidade jurídica aos animais é posição majoritária na doutrina e jurisprudência brasileiras (HACHEM; GUSSOLI, 2017), demonstrando a importância desta pesquisa. Pretende-se que esta pesquisa possa trazer esclarecimentos sobre o tema e desincentivar a violência contra os animais, demonstrando sua importância como seres dignos que possuem sentimentos e emoções. Além disso, busca-se também ajudar a despertar

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no leitor a percepção da necessidade de leis que tragam segurança jurídica aos animais não-humanos.

1.5 OBJETIVOS

1.5.1 Geral

Analisar o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina sobre a prática do crime de maus-tratos aos animais não-humanos.

1.5.2 Específicos

Estabelecer um quadro geral da legislação brasileira e dos entes federados sobre a tutela jurídica dada aos animais; Comparar a tutela jurídica dos animais sencientes em diferentes ordenamentos jurídicos; Levantar o número de acórdãos no período planejado, suas decisões e argumentações utilizadas; Analisar os fundamentos do Projeto de Lei da Câmara n° 27, de 2018, que acrescenta dispositivo à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para dispor sobre a natureza jurídica dos animais não-humanos; Descrever o perfil geral dos acórdãos identificando a espécie animal, a prática de maus-tratos, a localidade, a pena gerada, o denunciante e o denunciado; Identificar os acórdãos que mencionam os artigos 926 e 927 do Código de Processo Civil (CPC), indicando uniformização de entendimento jurisprudencial acerca da tutela jurídica dos animais sencientes.

1.6 DELINEAMENTO DA PESQUISA

Quanto à natureza da pesquisa, é de caráter documental no que concerne ao uso da pesquisa nos acórdãos do Tribunal. Leonel e Marcomim (2015, p.17-19) consideram que a pesquisa documental tem como fonte de informações a documentação, sendo o principal objetivo reunir os vários tipos de informações documentais direto da fonte, estabelecendo critérios para um levantamento consistente das informações mais relevantes e que possam ter valor histórico. É de natureza exploratória, buscando conhecer o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina com relação ao crime de maus-tratos aos animais.

Quanto à abordagem, a pesquisa é classificada como de caráter quantitativo e qualitativo, com o levantamento dos acórdãos de dois anos do Tribunal de Santa Catarina,

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buscando-se identificar, em meio à criminalização de maus-tratos aos animais, as razões como senciência e dignidade animal. Também buscou-se analisar conteúdos legais e jurisprudenciais acerca dos diferentes entendimentos em relação ao tema. A pesquisa quantitativa [...] “Retrata indicadores que caracterizam determinados fenômenos e podem ser mensurados de modo mais exato” (LEONEL, MARCOMIM, 2015, p. 27). Já a abordagem qualitativa volta-se ao significado e se aprofunda nos aspectos da realidade não visíveis, e que devem ser externalizados pelo próprio pesquisador (MINAYO, 2007 apud LEONEL, MARCOMIM, 2015, p. 28).

Quanto ao corpus e processo para a coleta de dados, foram analisados 17 acórdãos publicados no TJSC, durante o período compreendido entre 01 de setembro de 2017 e 01 de setembro de 2019, que tratavam do crime tipificado de maus-tratos aos animais. A escolha dos acórdãos foi feita pela pesquisa da palavra-chave “animais”, utilizando o operador lógico “e” ou com a expressão “maus-tratos”, para o tipo de decisão “acórdão”, “decisão monocrática” ou “despachos”, com âmbito somente nas turmas recursais ou de 2° grau.

Durante a pesquisa, buscou-se levantar o número de acórdãos que faziam referência ao crime de maus-tratos a animais, ou referência à Lei 9.605/98 (BRASIL, 1998). Também foram pesquisados acórdãos que referenciavam a Constituição (BRASIL, 1988) e legislações de crimes ambientais. Foi possível coletar dados identificando-se a espécie animal, a tipificação do crime na lei, a localidade, o denunciante e o denunciado, a pena gerada, além de identificar os acórdãos que mencionam os artigos 926 e 927 do Código de Processo Civil (CPC).

O instrumento utilizado para a coleta de dados foi um formulário do editor de planilhas Excel, do sistema operacional Microsoft Office, para catalogar os acórdãos, conforme modelo que consta no apêndice.

Os dados foram coletados diretamente do site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na seção de jurisprudência, de acesso livre na rede mundial de computadores. Eles foram inseridos em planilhas do Excel, instalado em computador pessoal, com acesso à internet.

Para a análise de dados, foram utilizados os parâmetros da pesquisa quantitativa e qualitativa. Para a pesquisa quantitativa, foram criados gráficos e tabelas com a associação das principais variáveis estudadas (natureza dos acórdãos, espécie animal, crime de maus-tratos, localidade, denunciante, denunciado, pena gerada, acórdãos que mencionam os artigos 926 e 927 do CPC). O teor da pesquisa qualitativa foi gerado a partir da análise de duas categorias criadas: a) Perfil geral dos recursos e b) Legislação aplicada, pena e menção aos artigos 926 e 927 do CPC.

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1.7 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURA DOS CAPÍTULOS

Este trabalho foi estruturado em cinco capítulos, sendo este o primeiro, com a finalidade de introduzir ao leitor o tema abordado, apresentando a descrição da situação problema e a respectiva formulação do problema, assim como os conceitos operacionais utilizados na coleta de dados. Na sequência, apresenta-se a justificativa para a produção deste estudo, os objetivos gerais e específicos, o delineamento metodológico e a estruturação dos capítulos.

O segundo capítulo é desenvolvido a partir do histórico do direito ambiental e das transformações sofridas pelo meio ambiente diante das ações humanas, observando como a legislação brasileira está inserida nesse contexto. Dando continuidade, a seção apresenta os princípios que regem o direito ambiental presentes na Constituição Brasileira e o surgimento dos novos conceitos de reconhecimento da dignidade dos animais.

O terceiro capítulo visa demonstrar algumas mudanças que ocorrem na alteração do status antropocêntrico para o biocêntrico no ecossistema atual. Também apresenta a justificativa para que os animais não-humanos sejam considerados sujeitos de direitos, a personalidade jurídica e as legislações brasileiras e estrangeiras que já se alteraram criando leis de proteção aos animais não-humanos. Em continuidade, apresenta as manifestações culturais que impedem a consolidação do direito animal na Constituição Brasileira, e como os animais são tratados nestes espetáculos. Na sequência, descreve os tipos de crimes de maus-tratos aos animais e as penalidades existentes na legislação brasileira.

O quarto capítulo discorre sobre a pesquisa realizada no TJSC nos acórdãos que versam sobre o crime de maus-tratos aos animais, quais categorias foram criadas para a análise dos julgados, qual o perfil dos recursos apresentados, os denunciantes e denunciados, quais espécies animais e localidades onde ocorreram os crimes. Será analisada qual legislação é aplicada nesses casos, quais as penalidades resultantes e se houve menção aos artigos que tratam de uniformização de jurisprudência na legislação brasileira.

No último capítulo, será realizado um apanhado geral de todo o trabalho com o resultado de todas as questões apresentadas, concluindo com as perspectivas em relação ao futuro do direito animal.

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2 DIREITO AMBIENTAL: ONDE TUDO COMEÇOU

Nesse capítulo, serão tratados alguns aspectos históricos que marcaram o início do movimento ambiental na atualidade, bem como alguns dos princípios do direito ambiental na Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 1988), em conjunto com os princípios constitucionais do direito animal na legislação brasileira, além do conceito de senciência animal trazido por alguns dos principais especialistas na área atualmente.

2.1 BREVE HISTÓRICO DO AMBIENTALISMO

Inicialmente, é importante mostrar o contexto histórico do início do movimento ambiental até os dias atuais, para que se consiga visualizar a importância das leis que propõem mudanças essenciais de comportamento humano frente ao ecossistema.

Uma análise feita por Crutzen e Stoermer (2000) demonstrou que o nome holoceno, proposto pela primeira vez por Sir Charles Lyell, em 1833, para a época geológica pós-glacial dos últimos dez a doze mil anos, atualmente teria outra conotação. A atividade da humanidade no holoceno tornou-se uma força geológica e morfológica significativa, como reconhecido desde o início por vários cientistas. O grande geólogo russo Vladimir I. Vernadsky reconheceu o crescente poder da humanidade como parte da biosfera, que é o conjunto dos ecossitemas existentes no planeta Terra. Em sua obra A Biosfera (VERNADSKY, 1926, p. 13-210), na qual trabalhou para popularizar o termo biosfera, formulou a hipótese de que as feições geológicas da Terra são influenciadas biologicamente, ou seja, essa influência sobre a matéria viva (ser humano seria uma delas) torna-se cada vez mais importante com o passar do tempo, porque mais partes da Terra são incorporadas na biosfera, através de reações químicas e da energia luminosa do Sol. Dessa forma, o ser humano e todos os outros seres alteram significativamente o meio ambiente em que vivem, causando as mais diversas alterações no planeta ao longo de toda a existência. Crutzen e Stoermer (2000) consideraram muitos outros impactos importantes e ainda crescentes das atividades humanas na Terra e na atmosfera, propondo o termo "antropoceno" para a época geológica atual.

O ser humano já aumentou a taxa de extinção de espécies de mil para dez mil, segundo Abell et al (2013), conforme é possível perceber pelos relatos de pesquisas, como a destes autores, que demonstraram que a liberação de muitas substâncias tóxicas no ambiente e até mesmo alguns gases clorofluorocarbonetos levaram ao “buraco da camada de ozônio” na

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Antártida, que teria sido destruída se não houvessem medidas regulatórias internacionais para encerrar sua produção.

Até os dias atuais, muitos foram os desdobramentos no sentido de se criarem legislações de proteção ambiental, que Silva (2016) chama atenção em seu estudo demonstrando esse processo em Portugal no século XVI, que registrava casos de tipificação do crime de injúria na legislação pelo corte de árvores frutíferas:

Em 1521 já haviam leis proibindo a comercialização de colmeias sem a preservação das abelhas, caça de animais como coelhos, lebres e perdizes com instrumentos que pudessem denotar crueldade As Ordenações Manuelinas, editadas em 1521. A tipificação do corte de árvores frutíferas passou a ser punida com o degrado para o Brasil quando a árvore abatida tivesse valor superior a trinta cruzados. As Ordenações Filipinas, editadas durante o período domínio espanhol, proibiam que seja jogasse na água qualquer material que pudesse matar os peixes e suas criações ou que se sujasse os rios e as lagoas. A tipificação de árvores frutíferas foi mantida, prevendo-se como pena o degredo definitivo para o Brasil. O primeiro Código Criminal de 1830 tipificou como crime o corte ilegal de madeira. (SILVA, 2016, p. 14).

Ainda na segunda metade do século XX, a importância da preservação ambiental recebeu impulso com a obra Primavera Silenciosa, de Rachel Carson (CARSON apud BONZI, 2013), que se tornou o livro fundador do movimento ambientalista moderno. Lançada em 1962, a obra é um alerta para os perigos do uso indiscriminado de pesticidas.

Na terceira fase do direito ambiental evidenciada por Silva (2016), em 1972, “a ONU convoca a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo (Suécia), para que sejam feitos esforços dos governos e povos do planeta para preservar e melhorar o meio ambiente humano em benefício do homem e de sua posteridade”. Nesse período da história, a preocupação com o meio ambiente demonstrou a importância da elaboração de todos esses códigos e legislações, que chegou juntamente com a necessidade de desenvolvimento econômico, tornando-se um dos marcos iniciais do trabalho de preservação ambiental.

2.2 PRINCÍPIOS DO DIREITO ANIMAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

Não se pode negar a importância que possuem os princípios para as leis, já expressados por diversos autores que denotam sua importância, como Silva (2016), e aqui ressaltam-se os princípios constitucionais, utilizados muitas vezes como fundamento para as decisões legais, o que é rebatido, nesse sentido, pelo autor. No entendimento de Silva (2016), a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) “distingue fundamento de princípio, porque, apesar de atribuir ao Título I a denominação de Princípios Fundamentais, no artigo 1º, anuncia como

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fundamentos aqueles listados em seus incisos, e utiliza denominação de princípios, simplesmente”.

Para Silva (2016), os princípios presentes na Constituição (BRASIL, 1988) são fundamentos que se integram a outras normas formando as leis ambientais. Relata o autor que alguns valores trazidos pela Carta Magna, como a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, são “fundamentos da Constituição Federal (CF) e, por conseguinte, do Direito Ambiental, a começar pelo Capítulo VI do Meio Ambiente da CF, que possui apenas o artigo 225” (SILVA, 2016, p. 20), compondo as normas ambientais. Outro autor, Reale (2003), afirma que princípios são:

[...] verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. (REALE, 2003, p. 37).

O texto do artigo 225 da CF contém de forma expressa ou implícita os fundamentos e os princípios que orientam as políticas públicas de proteção ao ambiente (BRASIL,1988).

Segundo Silva (2016), alguns princípios importantes são retirados do artigo 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), como o princípio da legalidade, da reserva legal, da insignificância, da intervenção mínima do Estado nas relações sociais, da prevenção, da publicidade, da precaução, do poluidor-pagador, da propriedade e da função social da propriedade e da defesa do meio ambiente.

Conforme disposto no caput do artigo 225, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988).

Aqui, em comunhão com Silva (2016), cabe salientar que “não só ao poder público, mas a todos os cidadãos, cabe o dever de preservar e defender o meio ambiente, seguindo todos esses princípios e fundamentos de forma adequada e responsável”, destacando-se o artigo 225 da Constituição Federal como base principiológica do direito ambiental no Brasil.

A divisão existente entre direito animal e direito ambiental existe e, apesar de muito semelhante, apresenta normas distintas em muitos temas, principalmente para crimes cometidos nas áreas citadas. Ataíde Júnior (2018, p. 48) esclarece que “o direito animal é apresentado como disciplina jurídica separada do direito ambiental, embora compartilhem regras e princípios”. Para Sarlet e Fensterseifer (2019), a CF/1988 (art. 225, caput, e art. 5.º, § 2.º)

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“atribuiu o direito ao ambiente o status de direito fundamental do indivíduo e da coletividade, bem como consagrou a proteção ambiental como um dos objetivos ou tarefas fundamentais do Estado de Direito brasileiro”. Nesse entendimento, os autores reforçam a ideia da ligação entre sociedade e meio ambiente, vinculando o Estado e impactando a atuação dos três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

Com todo o apoio conferido pela Carta Magna (BRASIL, 1988), não há como se abster frente às desigualdades legais perante os animais não-humanos que sofrem crimes de maus-tratos. Destacando Ataíde Júnior (2018, p. 48), este reforça que “o artigo 225 da CF traz imbuído um dos princípios mais importantes: o princípio da não-crueldade”:

Para o direito animal, cada animal não-humano interessa, independentemente da sua função ou influência ecológica, esteja isolado ou em grupo, seja silvestre, seja doméstico ou domesticado, por causa da sua individualidade peculiar de ser vivo que sofre e que, por isso mesmo, merece respeito e consideração. (ATAÍDE JÚNIOR, 2018).

Também Silva (2015, p. 3), em seu profundo estudo, destaca a importância dessa tese, já que “há a formação de uma verdadeira obrigação de defesa e assistência aos animais, tendo o Estado a função de proteger ativamente o direito fundamental dos animais contra as ameaças de violação”, visto que são seres desprotegidos e estão à mercê de maus-tratos humanos.

Segundo Ataíde Júnior (2018), “existe a exploração econômica dos animais, permitida constitucionalmente, no sentido de fomentar a produção agropecuária (art. 23, VIII, CF) e o planejamento agrícola das atividades agropecuárias e pesqueiras (art. 187, §1º, Constituição)”, para as quais existe pouca ou nenhuma regulamentação e fiscalização, já que, como colocado pelo autor, há uma grande pressão da agropecuária nas bases governamentais.

A exploração dos animais pelos seres humanos é antiga e chega a ser até impensável, como descrito por Ataíde Júnior (2018), declarando que o “Direito Animal tem seu horizonte utópico: a abolição de todas as formas de exploração humana sobre os animais”. E nesse sentido, tem-se muito a evoluir em termos legais no direito animal e ambiental, já que nossa base constitucional ainda não conseguiu alcançar a abolição da exploração animal, nem garantir a existência digna dos animais submetidos à pecuária e à exploração industrial (ATAÍDE JÚNIOR, 2018).

E autores como Silva (2015) esclarecem que existe, sim, a possibilidade de, em breve, reverter esse plano de desigualdade constitucional, pois são fortes e coerentes os valores ao redor da Constituição, o que facilita o surgimento dos princípios constitucionais que embasam

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o Direito Animal, “avançando da regra da não crueldade e de sua relação com a dignidade da pessoa humana para a concepção da dignidade animal”.

De acordo com Silva (2015), a dignidade da pessoa humana é um conceito jurídico complexo, que representa a intangibilidade da vida, e o especismo traz justamente uma discriminação entre espécies. Ele deve ser deixado de lado para que se possa entender a dignidade dos animais não-humanos.

Sarlet (2008), buscando demonstrar o verdadeiro sentido dos artigos constitucionais, descreve que “o novo rumo cognitivo derivado da Constituição evita a coisificação do não-humano” (animal não-humano), “evidenciando situações de exposição, exploração e menosprezo arbitrário desses seres”. Destaca-se aqui a importância do artigo 225, §1º, CF/88:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; (Regulamento)

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento)

III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (Regulamento)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; (Regulamento)

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; (Regulamento)

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988).

A Constituição de 1988 traz, segundo Silva (2015), “uma representação simbólica da superação de um modelo autoritário e excludente de Estado”, demonstrando uma Carta Cidadã que pode ser constantemente aperfeiçoada, “e criando a fundamentação para o campo do Direito Animal, que vem orientar uma nova postura por parte dos operadores do direito”.

Nesse sentido, destaca-se quão nobres e inovadores são os conceitos inseridos na Constituição Brasileira.

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2.3 CONCEITO DE SENCIÊNCIA ANIMAL

O conceito de senciência animal advém de uma ideia antiga, primeiramente sugerida por um dos pensadores mais atuantes na causa animal no século XX, Peter Singer (1972), em sua obra “Animal Liberation”, na qual discute que todos os animais possuem sensações e sentimentos, tal qual os seres humanos.

Esses sentimentos e sensações que possuem as espécies de animais não-humanos não podem ser ignorados e invalidados frente à exploração econômica, devido à sua importância dentro de nossa sociedade. Singer (1998) esclarece que hábitos e costumes de exploração animal precisam imediatamente serem revistos e observados pela sociedade humana, na busca de um futuro de dignidade e respeito por todas as formas de vida.

Em seu ensaio, Singer (1998) traz muitas considerações em relação ao tratamento cruel dado ao animal de criação, seu transporte, à forma como a pecuária atual lida com o tratamento indigno dado aos animais, utilizados como fonte de alimento humano. Destaca o porquê deve-se pensar e entender que urge buscar por uma nova forma de lidar com toda a rede da pecuária, considerando a sensação da dor pelo animal (senciência) e novos hábitos alimentares que não deixem a humanidade tão dependente do sacrifício de outras espécies para sua sobrevivência.

Poderá existir um dia em que o resto da criação animal adquirirá aqueles direitos que nunca lhe poderiam ter sido retirados senão pela mão da tirania. Os franceses descobriram já que a negrura da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem mercê ao capricho de um algoz [...]. Que outra coisa poderá determinar a fronteira do insuperável? Será a faculdade da razão, ou talvez a faculdade do discurso? Mas um cavalo ou cão adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que uma criança com um dia ou uma semana ou mesmo um mês de idade. Suponhamos que eram de outra forma - que diferença faria? A questão não é: Podem eles raciocinar? nem: Podem eles falar? mas: Podem eles sofrer? (SINGER apud BENTHAM, 1975, p. 19).

Singer, em sua obra Libertação animal, conhecida por ser um marco fundamental do direito animal moderno, descreve:

Se um ser sofre, não pode haver justificação moral para recusar ter em conta esse sofrimento. Independentemente da natureza do ser, o princípio da igualdade exige que ao seu sofrimento seja dada tanta consideração como ao sofrimento semelhante - na medida em que é possível estabelecer uma comparação aproximada - de um outro ser qualquer. Se um ser não é capaz de sentir sofrimento, ou de experimentar alegria, não há nada a ter em conta. Assim, o limite da senciência (utilizando este termo como uma forma conveniente, se não estritamente correta, de designar a capacidade de sofrer e/ou, experimentar alegria) é a única fronteira defensável de preocupação relativamente aos interesses dos outros. (SINGER, 1975, p. 20).

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O conceito de senciência animal está intimamente ligado ao sofrimento e à sensação de dor, como descrito por Singer (1998, p. 22), “uma vez que praticamente todos os sinais exteriores que nos levam a inferir a existência de dor nos outros humanos podem ser observados nas outras espécies, em especial nas espécies mais proximamente relacionadas conosco – as espécies dos mamíferos e das aves”.

De acordo com o autor e em outros estudos científicos, já se sabe há muito que o corpo de um animal possui terminações nervosas tal qual o de humanos, que podem sentir medo e dor, alegria e tristeza, incontáveis emoções, tanto quanto seres humanos, mesmo que não se possa percebê-las de imediato, e somente o que nossos sentidos permitem.... O autor, em sua obra, “propõe a extensão do princípio básico da igualdade entre os animais humanos para os animais não-humanos, a fim de que lhes seja concedida igual consideração” (SINGER, 1998). Ele destaca a consideração moral que a senciência confere aos animais.

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3 ANIMAIS COMO SUJEITOS DE DIREITOS

Nesse capítulo, busca-se trabalhar as diferenças existentes entre o antropocentrismo em relação ao biocentrismo, e como esse ajuste interfere na concepção dos novos conceitos de moral e ética dos seres humanos e sua relação com a natureza. Nesse ponto, a discussão se encaminha para o debate principiológico da dignidade humana versus a dignidade animal, e também sobre a importância atual de se criar paradigmas morais.

Diante desse quadro, foi necessário buscar a situação jurídica dos animais no Brasil, quais legislações buscam equilibrar a desigual e parca criação de leis de proteção aos animais, e em que situação se encontra a legislação de outros países se comparada à legislação brasileira atual. Finalmente, busca-se trazer quais são as discrepâncias legislativas que impedem a consolidação jurisprudencial do direito animal brasileiro.

3.1 ANTROPOCENTRISMO X BIOCENTRISMO

A importante diferenciação entre antropocentrismo e biocentrismo traz a percepção exata da mudança necessária de paradigmas que a humanidade precisa conhecer nesse momento. Segundo Stroppa e Viotto (2014, p. 121), o antropocentrismo orienta a cultura ocidental há mais de dois mil anos e deriva da cultura grega, especialmente dos sofistas, como Protágoras, um dos mais importantes, por seus pensamentos com base central na figura humana, que discorreu que “o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são”(PROTÁGORAS, 481 a 411a.C.).

O que Protágoras criou foi uma cultura baseada na superioridade do homem diante das outras espécies, e essa visão antropocêntrica fez o homem aos poucos perder sua ligação com a natureza. Stroppa e Viotto (2014, p. 122) esclarecem que “trata-se da sociedade capitalista, a qual tem como pressuposto básico para a sua manutenção a supremacia do homem sobre o próprio homem e sobre os demais seres viventes da natureza”.

Identificamos que tal superioridade humana é exercida através da força e da dominação das outras espécies, com objetivo de utilizá-las como meios para atingir seus propósitos, os quais, na maioria das vezes, são muito questionáveis no que se refere ao respeito a vida no planeta. Portanto, diante da diferença natural entre as espécies, tendo cada uma suas características especiais, cumulada ao fato de que os humanos não possuem todas as características presentes em todas as outras espécies, entendemos que não se pode classificar espécies não humanas como inferiores, somente porque os humanos, com o fito de utilizá-las, assim desejam. (STROPPA, VIOTTO; 2014, p. 122).

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Felizmente, a corrente antropocêntrica já não possui sua força criadora e nem encanta à humanidade moderna, que buscou novas formas de ligação com o meio ambiente que a cerca. O biocentrismo, segundo Stroppa e Viotto (2014), é a tese amparada atualmente pelos princípios do caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), com alusão ao meio ambiente equilibrado e ao dever de preservá-lo para as futuras gerações.

O biocentrismo, por Stroppa e Viotto (2014, p. 123) ou, para alguns, “ecocentrismo, trata-se de uma nova corrente de orientação do pensamento jurídico que traz conexão com a ética ambiental, e que surgiu nas últimas décadas, a fim de contestar o antropocentrismo”. Diante da urgente necessidade de alterar o pensamento antropocêntrico, surge a corrente biocêntrica, a qual, visando dar importância a todos os seres viventes, contrapõe-se ao antropocentrismo.

De acordo com as autoras Stroppa e Viotto (2014), “o biocentrismo coloca o próprio ecossistema como centro e reconhece o valor da vida dos animais não-humanos e da flora, todos em interdependência com a raça humana”.

Nesse sentido, há clara deferência aos animais como titulares de direitos e de dignidade, de maneira que quaisquer atos humanos que atentem contra a sua vida, integridade física ou psicológica, não importando o motivo, devem ser alvo de reproche e sanção penal (RANGEL; SILVA, 2017).

3.2 DIGNIDADE HUMANA E DIGNIDADE DO ANIMAL

A concepção da dignidade humana é trazida de forma explícita na Carta Magna brasileira, em seus artigos iniciais (BRASIL, 1988), devido à tamanha importância de como deve ser entendida e inserida na concepção das leis. Essa garantia da primazia da dignidade humana foi entregue conscientemente para a população brasileira. Autores renomados tentam traduzir esse complexo conceito:

[...] é do conhecimento de todos que a matriz filosófica moderna da concepção de dignidade humana tem sido reconduzida essencialmente e na maior parte das vezes ao pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant. Especialmente no campo do Direito, até hoje, a fórmula elaborada por Kant informa a grande maioria das conceituações jurídico-constitucionais da dignidade da pessoa humana. A formulação kantiana coloca a ideia de que o ser humano não pode ser empregado como simples meio (ou seja, objeto) para a satisfação de qualquer vontade alheia, mas sempre deve ser tomado como fim em si mesmo (ou seja, sujeito) em qualquer relação, seja em face do Estado seja em face de particulares. (SARLET; FERTENSFEISTER, 2010, p. 8).

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De acordo com Sarlet e Fertensfeister (2010), pensadores anteriores a Kant já traziam ideias a respeito da existência humana, baseados no conceito de antropocentrismo, mas foi Kant a moldar muito do pensamento político e sociológico da época, “pois a fórmula de tornar o ser humano como um fim em si mesmo é vinculada às ideias de autonomia, de liberdade, de racionalidade e de autodeterminação inerentes à condição humana”. Um ser humano rico em dignidade e respeito protegeria a biodiversidade de espécies existentes.

Em se tratando de desmerecer a dignidade animal, Descartes (1637), em sua obra Discurso do método, foi um dos primeiros a dar sua contribuição ao tema e a fazer comparações entre humanos e animais, desde seus órgãos internos até, por assim dizer, a ausência de alma e espírito, “já que se podiam compará-los a máquinas, sem sentimentos ou sensações”:

E também coisa digna de nota que, apesar de haver muitos animais que demonstram mais habilidade do que nós em algumas de suas ações, percebe-se, contudo, que não a demonstram nem um pouco em muitas outras: de forma que aquilo que fazem melhor do que nós não prova que possuam alma; pois, por esse critério, tê-la-iam mais do que qualquer um de nós e agiriam melhor em tudo; mas, ao contrário, que não a possuem, e que é a natureza que atua neles conforme a disposição de seus órgãos: assim como um relógio, que é feito apenas de rodas e molas, pode contar as horas e medir o tempo com maior precisão do que nós, com toda a nossa sensatez. (DESCARTES, 1637).

Com essas e outras afirmações, Descartes abriu caminho para a profunda separação entre seres humanos e animais em sua época, tornando a busca pela dignidade animal e seus direitos um trabalho recente de pensadores do século XX, como Singer (1989, p. 22), que demonstraram que os animais não-humanos, aqui comparados a amigos, podem sentir dor e prazer, alegria e tristeza:

Em teoria, podemos sempre estar errados quando assumimos que os outros seres humanos sentem dor. [...] Mas, ao passo que isto poderá representar um enigma para os filósofos, nenhum de nós tem a menor dúvida de que os nossos amigos íntimos sentem a dor tal como nós. [...]Se se justifica que assumamos que os outros seres humanos sentem dor como nós, há alguma razão para que uma inferência semelhante seja injustificável para o caso dos outros animais? (SINGER, 1989, p. 22).

A Declaração de Cambridge sobre a Consciência (2012) notoriamente afirmou que “A

dignidade animal é derivada do fato biológico da senciência, ou seja, da capacidade de sentir

dor e experimentar sofrimentos, físicos e/ou psíquicos”, conceito já corroborado por muitos especialistas na área e autores renomados, e que foi um grande avanço para no conceito de evolução da consciência ética e moral humana (HÄBERLE, 2013, apud ATAÍDE JÚNIOR, 2018, p. 50, grifo nosso).

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Nesse mesmo sentido, imputa-se à senciência animal papel jurídico fundamental para a efetivação do direito animal. Segundo Häberle (2013, apud ATAÍDE JÚNIOR, 2018),

como toda dignidade deve ser protegida por direitos fundamentais, não se podendo conceber dignidade sem um catálogo mínimo desses direitos, então a dignidade animal deve ser entendida como a base axiológica de direitos fundamentais animais os quais constituem o objeto do Direito Animal.

Nussbaum (2004 apud FERTENSFEISTER; SARLET, 2010, p. 17) coloca que há justiça em se ofertar igualdade de tratamento aos animais, de forma que “o reconhecimento da dignidade de determinadas existências não-humanas implica uma questão básica de justiça”.

Para Sarlet e Fertensfeister (2010, p. 17), Nussbaum defende uma ideia de justiça, rejeitando a ideia de compaixão e humanidade no tratamento dos animais não-humanos, para que haja o reconhecimento do valor intrínseco aos animais não-humanos, que é uma das formas mais belas de reconhecimento dos direitos dos animais.

A vida, de um modo geral, “guarda consigo o elemento dignidade, e a dependência existencial entre espécies naturais é cada vez mais reiterada no âmbito científico”, o que fortalece a necessidade de se obter uma nova visão biocêntrica (FERTENSFEISTER; SARLET, 2010, p. 20).

Outros autores citados que trabalham com o Direito Animal já conseguem operar a transmutação do conceito civilista de animal como coisa ou bem semovente para o conceito animalista de animal como sujeito de direitos. A ideia é demonstrar que “todo animal é sujeito do direito fundamental à existência digna, positivado constitucionalmente” (ATAÍDE JÚNIOR, 2018 apud ARENHART, MARINONI E MITIDIERO, 2016, p 51.).

O direito animal, para alguns autores como Sarlet (1998 apud Ataíde Júnior, 2018) aparece, inclusive, com uma nova dimensão de direitos fundamentais, de quarta ou sexta dimensão, assim também compreendida por outros autores, por ser “a dimensão dos direitos fundamentais pós-humanistas” (FACHIN; SILVA, 2010 apud ATAÍDE JÚNIOR, 2018, p. 51). Esse entendimento traz grande importância para o meio jurídico e refaz significativamente os rumos do direito animal.

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3.3 SITUAÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS NO BRASIL

A situação jurídica dos animais não-humanos em termos de legislação brasileira está muito aquém do esperado. De acordo com Abílio (2017 apud HIBNER; LORENZONI; SILVESTRE, 2018, p. 67),

a sociedade brasileira caminhou no sentido de conceder um tratamento jurídico desprestigiado, se comparado ao dos humanos, aos animais não-humanos, enfrentando a matéria em diferentes dimensões, quais sejam, face à Constituição (BRASIL, 1988), ao Código Civil (BRASIL, 2002) e ao Direito Ambiental.

Reale (2002, p. 169 apud HIBNER; LORENZONI; SILVESTRE, 2018, p. 68), revelando uma visão antropocêntrica, disserta que o Código Civil de 2002 é dedicado a reger relações sociais entre pessoas, já que estas possuiriam a qualidade de sujeito de direitos, e outros seres vivos deveriam receber atributo de objetos de direito, criando um paradoxo. E, segundo o autor, “há uma Sociedade Protetora dos Animais e toda vez que um indivíduo esteja mostrando a perversidade de seus instintos, causando sofrimentos a um animal, poderá ser processado”, sem determinar que estes animais deveriam deter outros direitos e garantias individuais.

Na realidade, quando se protege um animal, não se lhe reconhece um direito, mas apenas se respeitam os valores de afetividade, de “bons sentimentos” que é um apanágio dos homens civilizados, ou seja, em seu entendimento, a proteção dispendida aos animais visa, desse modo, à salvaguarda de certos princípios de ordem moral sem os quais os homens se reduziriam aos próprios irracionais. O mesmo ocorre quando as normas legais, inclusive de caráter constitucional, mandam que se respeitem as plantas, os monumentos ou as paisagens. (REALE, 2002, p. 169 apud HIBNER; LORENZONI; SILVESTRE, 2018, grifo nosso).

A sensação de tentar comparar um animal a uma coisa ou objeto não encontra mais subterfúgios legais e doutrinários para sua sustentação, embora o art. 82, do Código Civil (BRASIL, 2002), ainda disponha sobre o conceito de bens móveis, definindo que os são aqueles “suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”, ou seja, o mesmo entendimento de Reale (2002).

Outros autores, como Mendes e Branco (2014 apud HIBNER; LORENZONI; SILVESTRE, 2018, p. 68), possuem também o mesmo entendimento antropocêntrico, ou seja, “os animais estão inseridos nesse contexto, sendo considerados bens semoventes que se vestem das prerrogativas da propriedade, pelo que podem ser dispostos livremente pelo proprietário ou titular do direito de propriedade”.

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Esse é o posicionamento majoritário atual no Brasil, segundo Monteiro (1971 apud GUSSOLI; HACHEM, 2017) e Venosa (2011 apud HIBNER; LORENZONI; SILVESTRE, 2018), os quais versam que “os animais e coisas podem ser objeto de Direito, mas nunca serão sujeitos de Direito, atributo exclusivo da pessoa, e portanto, majoritariamente inadmite-se a concessão de direitos aos animais”, ressaltando que proteger um animal de atos de crueldade não se confunde com a atribuição da condição de sujeito de direitos, posição totalmente ultrapassada de muitos pensadores do direito, após os belos exemplos constitucionais.

Em compasso com os novos tempos, novas ideias surgem para embasar o direito dos não-humanos. A autora é firme acerca do reconhecimento dos animais como sujeitos de direitos subjetivos. Em análise comparativa, Dias (2006 apud GUSSOLI; HACHEM, 2017) “questiona o motivo pelo qual, se até mesmo as pessoas jurídicas têm capacidade jurídica, inclusive processual, estariam os animais dela privados. Afinal, mesmo os absolutamente incapazes são sujeitos de direitos, e, assim como várias espécies de animais, eles sequer têm a possibilidade de expressar sua vontade”.

Se o que diferencia o ser humano é a sua qualidade de ser vivo, com direitos inatos desde o nascimento, também os animais mereceriam igual consideração. Assim, do ponto de vista ético e científico não haveria dificuldades e justificar a personalidade aos animais. O que faltaria ao Direito brasileiro seria apenas o reconhecimento expresso de direitos fundamentais a esses seres vivos, como os direitos à vida, à integridade corporal, ao não sofrimento e ao livre desenvolvimento. (GUSSOLI; HACHEM, 2017, p. 148).

Assim, para parte da doutrina animalista brasileira, o critério para reconhecer personalidade seria a capacidade de sofrer. Seria a sensibilidade à dor – senciência – o critério que garantiria aos animais a concessão de direitos. Para Regan (2013 apud GUSSOLI; HACHEM, 2017, p. 148), “não há como hierarquizar o sofrimento sentido por um animal ou por um ser humano. Dor é dor, onde quer que ela ocorra”. Dessa forma, conforme Regan não é o fato principal dos animais sentirem ou não dor, e sim em como o sistema jurídico iguala

coisas aos animais. “O erro estaria em crer, à maneira do modelo antropocêntrico, que os

animais existem para servir à humanidade” (GUSSOLI; HACHEM, 2017, p. 148, grifo nosso). Diante do exposto, a situação jurídica dos animais no Brasil é baseada na exploração econômica e existe muita resistência, mesmo doutrinária, para mudar essa visão, embora estejam surgindo novos conceitos e pensadores favoráveis a essas mudanças.

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3.4 DIREITO COMPARADO E LEGISLAÇÃO BRASILEIRA ATUAL

Neste tópico, serão tratadas algumas das legislações que versam sobre o direito animal no direito comparado, a legislação brasileira em comparação com a de outros países e como algumas delas são especialmente evoluídas no quesito dignidade animal.

Ao aprovar um estatuto jurídico próprio do animal em 1988, o direito austríaco destaca-se como o primeiro, de forma revolucionária para a época, ao incluir no parágrafo 285a do Código Civil (Allgemeines Bürgerliches Gesetzbuch, ou A.B.G.B.) que “os animais não são coisas e estão protegidos por leis especiais”, embora continuassem a serem tratados como objetos nas demais lacunas legislativas” (HIBNER; LORENZONI & SILVESTRE, 2018, p. 86).

Outros países, motivados pela elaboração do estatuto, passaram a adotar algumas medidas. De acordo com Abílio (2017 apud HIBNER; LORENZONI & SILVESTRE, 2018, p. 86), as mudanças legais ocorreram primeiramente na Alemanha, no ano de 1990, e, após, na Suíça, em 2003. O parágrafo 90-A do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch ou B.G.B.) define que “animais não são coisas” e, ainda, no art. 20-A da Constituição Federal, “que a proteção dos animais é dever do Estado”(ABÍLIO 2017 apud HIBNER; LORENZONI & SILVESTRE, 2018, p. 86):

Artikel 20a Der Staat schützt auch in Verantwortung für die künftigen Generationen die natürlichen Lebensgrundlagen und die Tiere im Rahmen der verfassungsmäßigen Ordnung durch die Gesetzgebung und nach Maßgabe von Gesetz und Recht durch die vollziehende Gewalt und die Rechtsprechung. [Tradução: “Artigo 20ª. Proteção dos recursos naturais vitais e dos animais. Tendo em conta também a sua responsabilidade frente às gerações futuras, o Estado protege os recursos naturais vitais e os animais, dentro do âmbito da ordem constitucional, através da legislação e de acordo com a lei e o direito, por meio dos poderes executivo e judiciário”]. (LEI FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA FEDERAL DA ALEMANHA, 1949).

Das legislações comparadas mais igualitárias no tratamento das diferentes espécies, segundo Sottomayor e Ribeiro (2014 apud HIBNER; LORENZONI; SILVESTRE, 2018, p. 87), “o direito suíço pode ser considerado o mais avançado na proteção dos animais, contendo até mesmo norma de direito sucessório e de direito de família”. Os autores esclarecem que a legislação suíça prevê até em casos de “dissolução de casamento, união de fato ou de partilha de herança, que o juízo competente poderá adjudicar o animal objeto de litígio àquela parte que garanta a ele melhores condições de acomodação e tratamento” (SOTTOMAYOR E RIBEIRO 2014 apud HIBNER; LORENZONI; SILVESTRE, 2018, p. 87).

Referências

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