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2.1 O sistema político brasileiro

2.1.2 Atores e jogo de forças

(inadequação financeira ou por problemas quanto à constitucionalidade, por exemplo)46. De acordo com a aprovação, as proposições seguem por todas as

comissões técnicas pertinentes, onde são discutidas, relatadas e votadas, até serem encaminhadas ao Plenário. Mas nem todas chegam a ser decididas pelo corpo de parlamentares, já que alguns projetos são descartados ainda dentro das próprias comissões (Cintra; Lacombe 2007:152).

O percurso de um projeto varia também de acordo com seu conteúdo, que define se transitarão pelo Plenário em turno único (as propostas de emenda à Constituição, os projetos de lei complementar e os de resolução) e se ignorarão a fila de matérias em espera por serem classificados como urgentes ou prioritários47

(Cintra; Lacombe 2007:152-3).

Conforme o Regimento Interno da Câmara, os prazos do regime de tramitação são contados em número de sessões: quando se trata de matéria em regime de urgência, cinco sessões; quando se trata de matéria em regime de prioridade, dez sessões; quando se trata de matéria em regime de tramitação ordinária, 40 sessões.

Chegando a ser debatidos e votados pelo conjunto de parlamentares, os projetos podem ser decididos por votações abertas (ostensivas) simbólicas ou nominais (no primeiro e mais frequente caso, o presidente da mesa convida os deputados ou senadores favoráveis a permanecerem sentados e no segundo cada parlamentar anuncia seu voto) ou secretas (Cintra; Lacombe 2007:153-4).

Essas variações no modo de tramitação dos projetos – passando por comissões ou não, sendo votado em plenário ou decidido em caráter terminativo – definem quais são as janelas abertas para a deliberação parlamentar. Os próximos tópicos explicitam os condicionantes impostos ao debate de decisões políticas.

2.1.2 Atores e jogo de forças

46 Cintra e Lacombe citam o exemplo da Comissão de Agricultura e Política Rural, investigada por

Luciana Pacheco entre 1991 e 2003. Nesse período, 92,5% das propostas examinadas sofreu parecer conclusivo contrário – o que levou ao arquivamento de 474 propostas (Cintra; Lacombe, 2007:174).

47 Isso pode acontecer em razão da natureza do projeto, mas também por determinação do Poder

73 Uma parcela significativa dos trabalhos sobre as instituições democráticas brasileiras aponta o desequilíbrio de forças entre os Poderes Executivo e Legislativo, especialmente no que tange à produção da decisão política. De acordo com Limongi e Figueiredo (1998), o sistema político brasileiro concedeu progressivamente grandes poderes ao presidente da República. Ao passo que a Constituição de 1988 aumentou os recursos para que o presidente assuma funções de legislador, os regimentos internos das casas legislativas fortaleceram também a importância dos líderes partidários frente a suas bancadas.

A centralização do processo decisório observado na Câmara dos Deputados resulta, portanto, da estrutura interna de poder que verticaliza, em bases partidárias, a distribuição de recursos e direitos parlamentares entre os legisladores (Inácio 2007:210). Adicionalmente, a marca da relação entre os Poderes Executivo e Legislativo é a cooperação, onde a vontade do presidente prepondera e o Congresso vota de modo disciplinado (respeitando a orientação dos líderes) (Limongi; Figueiredo 1998:82). Isso tem forte repercussão na distribuição dos poderes de agendamento e de participação no discurso: a ação discursiva no Congresso é regulada assegurando uma clara assimetria de poder entre Governo e parlamentares, e destes entre si. Nas palavras dos autores,

Os legislativos são instituições igualitárias e majoritárias. No interior do Legislativo, os votos dos representantes eleitos pelo povo têm o mesmo peso, independentemente do número de eleitores que os elegeram, do número de mandatos que já exerceram, do partido a que se filiam etc. No entanto, para o desempenho de suas funções, legislativos desenvolveram padrões organizacionais próprios. Para tanto, distribuem de maneira desigual os recursos e direitos parlamentares (Limongi; Figueiredo 1998:91).

Dois outros conjuntos de atores figuram nessas relações assimétricas especialmente no interior do Poder Legislativo. São eles determinados pela estrutura funcional no interior das Casas (Mesa Diretora, Presidentes de Comissões, Relatores), mas também pelo sistema partidário (líderes), que, no Congresso, assume uma importância muito superior àquela do momento eleitoral (Cintra; Lacombe 2007).

74 A proporção de parlamentares que goza dessa posição de superioridade na hierarquia da Câmara dos Deputados varia entre 25% e 30% do conjunto de representantes, como se observa na Tabela 2.

Parlamentares e cargos na Câmara dos Deputados

2006 (52ª Legislatura) 2007 (53ª Legislatura) 2008 (53ª Legislatura)

Freq. % Freq. % Freq. %

Não possui cargo de

liderança 359 70,0% 382 74,5% 358 69,8%

Vice-líder 125 24,4% 106 20,7% 130 25,3%

Líder 18 3,5% 14 2,7% 14 2,7%

Mesa Diretora 11 2,1% 11 2,1% 11 2,1%

Total 513 100% 513 100% 513 100%

Tabela 2: Distribuição dos assentos na Câmara dos Deputados de acordo com os cargos de liderança.

Fonte dos dados: Website da Câmara dos Deputados.

A organização centralizada do Congresso distribui os direitos parlamentares de forma proporcional à representação partidária nas Casas. Cintra e Lacombe assinalam que este é um dos diferenciais do Parlamento brasileiro: outros sistemas, tais como a House of Representatives norte-americana, adotam o princípio majoritário, “segundo o qual cabe ao maior partido o controle da Casa e de todas as suas Comissões” (2007:149). Com o objetivo de se fortalecerem, os parlamentares se organizam em bancadas e blocos com direito a nomear seus líderes e vice-líderes. Os representantes de partidos, da maioria e da minoria, além do líder indicado pelo Governo, reúnem-se no Colégio de Líderes e, juntamente com as Mesas Diretoras das Casas, têm a prerrogativa de compor a Ordem do Dia, ou seja, determinar a pauta de debate e deliberação48 (Cintra; Lacombe 2007;

Inácio 2007; Limongi; Figueiredo 1998). Mas o poder das lideranças, consideradas agentes centrais da arena parlamentar (Inácio 2007:204), vai além disso:

O papel do Líder é crucial na atividade legislativa, pois ele expressa e faz valer, perante a bancada, a perspectiva partidária nas discussões e deliberações. É quem, por exemplo, orienta a bancada

48 Na terminologia da Câmara dos Deputados, uma sessão de debate é aquela em que não há

Ordem do Dia, o que acontece, normalmente, às segundas e sextas feiras. Uma sessão de deliberação é aquela para a qual estão previstas votações sobre um projeto em tramitação e acontecem entre terças e quintas feiras (Câmara... 2011).

75 nas votações de Plenário e indica à Mesa os membros dessa bancada para compor as Comissões, podendo também, "a qualquer tempo", substituí-los. Em numerosas ocasiões no Regimento Interno da Câmara dos Deputados deparamos com dispositivos que dão extraordinária força a esse cargo. Os líderes podem atuar em nome de seus liderados, com um voto ponderado pelo peso da respectiva bancada (Cintra; Lacombe 2007:149).

Essa condição parece estabelecer um paralelismo com a situação já abordada do avanço do Poder Executivo sobre as atribuições legislativas do Congresso, uma vez que tornaria a relação entre parlamentares e Governo negociações de gabinete. Mas há diferentes interpretações quanto à razão para essa organização interna da Câmara e do Senado. A primeira delas atribui a tentativa dos parlamentares de manter uma relação de patronagem e clientelismo com o Governo, à medida que, em troca do apoio aos projetos do Executivo, são concedidos recursos financeiros a serem distribuídos pelos parlamentares a suas bases. A seguir, a hipótese de Carlos Pereira sobre esta relação:

Dessa forma, fechar-se-ia o círculo: o sistema eleitoral enfraqueceria os partidos no plano eleitoral, mas os poderes presidenciais e a centralização de decisões no Legislativo os reforçariam no Congresso; ao votarem disciplinadamente, os parlamentares credenciam-se para levar benefícios individualizados ao eleitorado e esses benefícios lhes valem a reeleição sem que o partido seja necessário nessa etapa (Pereira s.d.

apud Cintra; Lacombe 2007:161).

Outra explicação que corrobora ainda a hipótese da associação dos parlamentares como modo de fazer frente ao poder do Governo é apresentada por Fabiano Santos. O autor argumenta que, sozinhos, os parlamentares teriam pouca capacidade de ameaçar o Governo com um voto contrário. Citado por Cintra e Lacombe, Santos explica:

(...) a adesão às proposições políticas do partido é um bem público para a bancada como um todo, e esse benefício somente pode ser alcançado se os parlamentares delegam aos líderes uma parte considerável de seu controle sobre a pauta legislativa com a finalidade de remover os problemas de coordenação (Santos 2002

apud Cintra; Lacombe 2007:163).

Mas há um contraponto a essas interpretações dos canais de influência que permeiam a atividade legislativa. Na avaliação de outros autores, tais como Barry Ames, os benefícios da relação entre lideranças e liderados e entre os

76 parlamentares e o Governo pode ir além daqueles percebidos, a exemplo das concessões e modificações nas propostas que não ficam registradas pela votação nominal (apud Cintra; Lacombe 2007:166). O autor afirma que a interpretação da coincidência de posicionamento entre os líderes e suas bancadas nas votações pode ser mais do que uma manifestação da alta disciplina partidária no Congresso. Ames diria que “[a] aquiescência dos deputados ao encaminhamento partidário pode vir de negociação entre eles, a liderança e o Governo, e não da força partidária a que parecem submeter-se”. Ademais, explica, o voto coerente com o partido pode ser também fruto da própria ideologia em comum (Ames 2001

apud Cintra; Lacombe 2007:167).

Mesmo sendo analisada sob diferentes pontos de vista, percebe-se que as relações entre atores do centro do sistema político são submetidas a uma institucionalização que, por uma razão ou por outra, buscam compensações, mas nunca a eliminação das disparidades. Evidentemente, tais barreiras e hierarquias produzem impactos no modo como se dá a participação dos atores parlamentares nos processo de deliberação pública. Outro dos mecanismos que geram o desequilíbrio entre Executivo e Legislativo, são as Medidas Provisórias (MPs), que serão adiante abordadas.