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Formatação dos projetos de lei: em destaque, as Medidas Provisórias

2.1 O sistema político brasileiro

2.1.3 Formatação dos projetos de lei: em destaque, as Medidas Provisórias

Como dito acima, há diversas modalidades de formatação de uma proposição. Cada uma segue ritos e prazos diferenciados nas comissões parlamentares e no Plenário. A tramitação habitual de um Projeto de Lei em processo bicameral (tramitando pela Câmara e pelo Senado) ocorre de acordo com o seguinte esquema: (1) o projeto de lei é proposto pelos Poderes Executivo, Legislativo ou Judiciário, ou, ainda por iniciativa de cidadãos; (2) passa pela Câmara dos Deputados da qual, se aprovado, segue para o Senado Federal; (3) do Senado, se aprovado sem emendas, segue para a sanção presidencial onde pode ser sancionado ou vetado – um eventual veto deve ser ainda apreciado pelo Congresso. Caso o Senado faça emendas na fase 3, é preciso que a Câmara as

77 aprove antes de seguir para a sanção do Presidente da República (Figueiredo; Limongi 1996:6). Nesse caminho há também as comissões da Câmara e do Senado, que discutem preliminarmente e relatam o projeto para a votação nos plenários das duas Casas.

O caminho de uma Medida Provisória (que tem tramitação semelhante aos projetos de lei orçamentária), entretanto, é bastante diferente. Primeiramente, dado que a proposta tramita em regime de urgência, ela não é discutida e relatada dentro das comissões parlamentares. Durante o prazo estipulado para a validade da MP ela deve passar por discussão em Plenário da Câmara e do Senado apenas uma vez (mesmo que seja alterada) e seguir para a sanção presidencial. Ela volta para o Congresso apenas no caso do veto total ou parcial pelo Presidente da República (Figueiredo; Limongi 1996:6).

A título de ilustração, em uma pesquisa de 1996, processando dados do período entre 1989 e 1994, Figueiredo e Limongi (1996:9) descobriram que os projetos de lei em geral têm uma tramitação média de 616 dias até serem aprovados. As MPs, no entanto, têm um prazo limite para tramitarem no Congresso de apenas 45 dias antes de começarem a “trancar a pauta“, de acordo com a regra aprovada pela Emenda Constitucional n° 32/2001 (Cintra; Lacombe 2007). Com dados atualizados, Ferrari (2011) apresenta uma demonstração do tempo de tramitação das proposições aprovadas pelo Congresso (Figura 2).

78 Figura 2: Tempo médio de tramitação dos projetos no Congresso, em dias.

Fonte: Ferrari (2011:86).

A típica tramitação em caráter de urgência dispensa as MPs de serem debatidas no âmbito das Comissões temáticas, onde há mais tempo para a discussão dos variados aspectos técnicos e ideológicos dos projetos. Os esclarecimentos e as possíveis divergências sobre o projeto vão calhar no Plenário, quando poderiam ter sido amadurecidas no percurso normal de tramitação. Esse é o caso da proposta de criação da EBC, que, não tramitou por qualquer comissão: foi votada no Plenário da Câmara, posteriormente, do Senado e seguiu para a sanção presidencial.

Na avaliação de Limongi e Figueiredo, as proposições em regime de urgência são parcamente debatidas:

(...) como os dados relativos ao tempo de apreciação das matérias aprovadas deixam claro (Figueiredo e Limongi, 1995a e 1996), estas matérias tramitam rapidamente por ambas as casas, o que implica pequena participação dos parlamentares na elaboração das leis aprovadas. Parlamentares são chamados a votar e a pouco mais do

79 que isto em matérias previamente discutidas e negociadas pelos líderes (1998:93).

Embora haja uma evidente insatisfação dos parlamentares49 com a

estratégia do Poder Executivo de usar as MPs para forçar a aprovação de seus projetos, as regras para o lançamento desse tipo de decreto já sofreram alterações desde a Constituição de 1988. Conforme acima mencionado, a Emenda Constitucional nº 32, de 2001, determinou o tempo de apreciação das MPs em 45 dias a partir de sua publicação, quando essa matéria passa a se sobrepor às demais deliberações legislativas da Casa. Mas, adicionalmente, a emenda também restringiu os temas passivos de regulação por essa via50 e proibiu que a mesma

medida fosse reeditada após o decurso de prazo ou quando esta já houver sido rejeitada (Anastasia et al. 2008). As regras pretendem limitar as MPs àquelas matérias que cumprem o requisito de urgência e relevância – e esse é um dos pontos que vêm a ser debatidos na apreciação do mérito de cada medida.

É importante ressaltar que as consequências do uso de MPs para a aprovação de políticas de interesse do Executivo vão além de repercutir na pauta das Casas Legislativas, uma vez que essas medidas afetam a estrutura de preferências dos parlamentares, induzindo-os a cooperar. Isso acontece em razão do custo potencial da rejeição de um projeto desse tipo, dado que “a promulgação de um decreto implica a imediata alteração do status quo” (Figueiredo e Limongi 1998:88-9). Com o alto impacto de rejeitar uma MP, os parlamentares podem considerar sua aprovação inevitável, tendo em vista os efeitos já produzidos em sua vigência (Limongi; Figueiredo 1998). Isto se explica na seguinte equação:

Ao analisá-lo [o decreto de Medida Provisória], o Congresso não opta entre o status quo anterior (SQ) e aquele a ser produzido pela promulgação da medida (SQmp), mas sim entre o SQmp e uma

49 A manifestação de insatisfação dos parlamentares com o volume de medidas provisórias

enviadas pelo Poder Executivo à apreciação do Congresso Nacional teve repercussão inclusive no corpus empírico da pesquisa ora apresentada. Como se verá adiante, esse tema se constituiu como um dos argumentos acionados pelos deputados federais ao debater a criação da Empresa Brasil de Comunicação.

50 A proibição abrangeu as MPs referentes “à nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos

políticos e direito eleitoral, bem com as já disciplinadas em projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional e pendentes de sanção ou veto do Presidente da República” (Anastasia et al. 2008).

80 situação em que a MP é rejeitada após ter vigorado e surtido efeito (MPrej). Digamos que para a maioria dos legisladores a seguinte relação de preferência seja verdadeira: SQ>SQmp>MPrej, onde o símbolo > significa "é preferido a". Logo, a maioria aprova a MP. Se a MP fosse introduzida como um projeto de lei ordinária, seria rejeitada (Limongi; Figueiredo 1998)51.

Mas o mecanismo não sequestra de todo o poder de barganha dos parlamentares. Em razão de “trancar a pauta” do Congresso, impedindo-o de apreciar qualquer outro projeto, as negociações relacionadas às MPs ganham maior visibilidade e elevam os custos do processo decisório. Ademais, como diagnostica Inácio, a obstrução em cadeia das votações aumenta o “potencial de chantagem” dos partidos nas negociações e propicia barganhas sequenciais (Inácio 2007:226).