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Forças e interesses representados na Câmara dos Deputados (2006 2008)

Certas gramáticas, tais como os tipos de projetos de lei e seus respectivos processos de tramitação, as hierarquias internas e as dinâmicas do Plenário das Casas Legislativas, são estáveis e se mantém mesmo com a renovação periódica do Parlamento. Outros condicionantes da deliberação parlamentar são transitórios, a exemplo da composição do Congresso quanto aos partidos políticos, ao posicionamento em relação ao Governo e à representação de interesses (na formação de bancadas). Os próximos parágrafos discutem tais elementos de modo

84 a contextualizar as disputas de poder e influência que, durante o processo de criação da EBC, tinham lugar na Câmara dos Deputados.

Na análise da composição da coalizão majoritária53 estabelecida durante

os dois mandatos do Governo Lula, os pesquisadores destacam a heterogeneidade ideológica que marca a base de apoio (Anastasia et al. 2008). A formação de coalizões garantiu, na maior parte dos dois mandatos, a prevalência dos interesses governistas em detrimento dos interesses da oposição.

A Tabela 3 demonstra que ao longo de 2006, último ano da 52ª Legislatura na Câmara dos Deputados, a oposição (incluindo aí os partidos mais conservadores, e também o PSOL, à esquerda no espectro político-ideológico) ocupava menos de 30% dos assentos. Esse quadro não se alterou de modo consistente nos dois anos seguintes, com a renovação da Casa, na 53ª Legislatura.

Os partidos com as maiores bancadas na oposição se mantiveram os mesmos nos três anos que compõem o recorte analisado nesta pesquisa. O Partido da Frente Liberal (PFL) – que, em 2007, adotou a denominação Democratas (DEM) – e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) eram as principais forças contrárias ao Governo, mantendo uma aliança forjada nas eleições presidenciais de 1994. Esses dois partidos, que juntos dispunham de cerca de ¼ dos assentos, com o apoio do Partido Popular Socialista (PPS) e outras agremiações menores, desempenharam o papel de antagonistas nos debates no Congresso Nacional e também na esfera pública, ao longo de todo do Governo Lula.

53 No início do primeiro mandato de Lula, sua base de apoio era minoritária, mas, ao longo dos

85 Partidos e Posicionamento quanto ao Governo 2006 (52ª Legislatura) 2007 (53ª Legislatura) 2008 (53ª Legislatura) Freq. % Freq. % Freq. %

Oposição PFL/DEM 63 12,3% 62 12,1% 58 11,3% PSDB 55 10,7% 64 12,5% 57 11,1% PPS 15 2,9% 19 3,7% 14 2,7% PSOL 7 1,4% 3 0,6% 3 0,6% PHS - - - - 2 0,4% PRONA 2 0,4% - - - - Total 142 27,7% 148 28,8% 134 26,1% Situação PMDB 81 15,8% 92 17,9% 92 17,9% PT 82 16,0% 83 16,2% 80 15,6% PL/PR 38 7,4% 31 6,0% 42 8,2% PP 51 9,9% 41 8,0% 40 7,8% PSB 28 5,5% 28 5,5% 30 5,8% PDT 21 4,1% 23 4,5% 25 4,9% PTB 42 8,2% 22 4,3% 20 3,9% PV 8 1,6% 13 2,5% 14 2,7% PCdoB 11 2,1% 13 2,5% 13 2,5% PSC 6 1,2% 8 1,6% 11 2,1% PMN - - 3 0,6% 5 1,0% PMR/PRB 2 0,4% 1 0,2% 4 0,8% PTC 1 0,2% 3 0,6% 1 0,2% PTdoB - - 1 0,2% 1 0,2% PRTB - - - - 1 0,2% PHS - - 2 0,4% - - PAN - - 1 0,2% - - Total 371 72% 365 71% 379 74%

Tabela 3: Representação dos partidos na Câmara dos Deputados. Fonte dos dados: Website da Câmara dos Deputados

As agremiações que apoiavam o Governo, lideradas pelo Partido dos Trabalhadores (PT), representavam mais de 70% da Câmara dos Deputados, entre 2006 e 2008. Os dois maiores partidos na Casa eram o partido do Governo Lula e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)54, mas o apoio em nível

nacional de um número expressivo de partidos de tamanho médio, tais como o Partido da República (PR, ex-PL), Partido Progressista (PP), Partido Socialista

54 O PMDB já apoiara os dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), e

86 Brasileiro (PSB), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), consolidou a coalizão majoritária.

A definição de uma maioria acaba por influenciar na ocupação das instâncias de poder das Casas Legislativas, a exemplo da composição da Mesa Diretora, nomeação dos participantes das Comissões Parlamentares. As mesas diretoras das duas legislaturas pertinentes a este estudo demonstram esse fato. Os governistas ocuparam a maioria dos cargos, restando à oposição apenas três dos onze cargos, como se observa na Tabela 4.

Cargos da Mesa Diretora

52ª Legislatura (Biênio 2005-2006) 53ª Legislatura (Biênio 2007-2009)

Deputado Partido Posição Deputado Partido Posição

Presidente Aldo Rebelo PCdoB Situação Arlindo Chinaglia PT Situação 1º Vice-

Presidente José Thomaz Nonô PFL Oposição Narcio Rodrigues PSDB Oposição 2º Vice-

Presidente Ciro Nogueira PP Situação Inocêncio Oliveira PR Situação 1º

Secretário Inocêncio Oliveira PL Situação Osmar Serraglio PMDB Situação 2º

Secretário Nilton Capixaba PTB Situação Ciro Nogueira PP Situação 3º

Secretário Eduardo Gomes PSDB Oposição Waldemir Moka PMDB Situação 4º

Secretário João Caldas PL Situação

José Carlos

Machado DEM Oposição 1º Sup. de

Secretário Givaldo Carimbão PSB Situação Manato PDT Situação 2º Sup. de

Secretário Jorge Alberto PMDB Situação Arnon Bezerra PTB Situação 3º Sup. de

Secretário Geraldo Resende PPS Oposição Alexandre Silveira PPS Oposição 4º Sup. de

Secretário Mário Heringer PDT Situação Deley PSC Situação Tabela 4: Distribuição dos cargos da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados entre os Partidos.

Isso ocorre porque a definição do número de cargos aos quais cada partido pode concorrer é baseada na regra de proporcionalidade partidária (Inácio 2007). Em outras palavras, mais assentos na Câmara, significam mais cargos na Mesa Diretora da Casa.

Outra influência exercida pelas maiorias (e agravada pelas prerrogativas do Poder Executivo sobre o Legislativo) é a atribuição das relatorias dos projetos

87 que tramitam no Congresso. Para Santos e Almeida (2005:694), o relator “é um é um ator influente no processo decisório da comissão”, mas, além disso, ele desempenha uma função importante na promoção da informação entre seus pares a respeito das consequências de uma política pública. Com base no Regimento da Câmara dos Deputados, os autores assim definem o trabalho do relator:

Em termos gerais, ao relator cabe proferir parecer sobre a matéria, sugerindo sua rejeição ou aprovação, esta última do texto original ou substitutiva que, a seu critério, pode ou não incorporar eventuais emendas apresentadas pelos demais membros da comissão (Santos; Almeida 2005:699).

A relatoria da Medida Provisória 398/2007, projeto que criava a Empresa Brasil de Comunicação, coube ao deputado Walter Pinheiro (PT-BA), que teve atuação profissional na área das telecomunicações e, naquele momento, era titular da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara. Sua função, não se deu, porém, no âmbito dessa comissão, e sim junto ao Plenário da Casa, uma vez que a MP foi debatida pelo pleno.

Em um cenário como o acima apresentado, todos os projetos de interesse direto do Governo contam, potencialmente, com o apoio da maioria dos parlamentares – a não ser que a política desagrade a bancadas setoriais. A criação da EBC, por exemplo, contava era apoiada pelo Governo e sua base, mas, por razões que se verá adiante, contrariava não apenas o lobby das empresas de radiodifusão comercial, mas também os interesses da bancada da “bola” e da bancada do Rio de Janeiro.

As características institucionais do Poder Legislativo, especialmente da Câmara dos Deputados, formam o contexto no qual as dinâmicas argumentativas ocorrem. A forma como os projetos de lei são apresentados, debatidos e votados; as relações de poder que se estabelecem entre o Executivo e o Legislativo, entre as maiorias e as minorias, e entre os líderes e os demais deputados; em suma, todas as dimensões que condicionam a ação dos atores são importantes para compreensão da deliberação parlamentar, pois constroem o contexto onde as práticas discursivas acontecem. O próximo tópico aborda mais detidamente

88 questões normativas relativas ao tema da deliberação pública no centro da produção da decisão política.