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98 Nas investigações de Steiner e seus colegas (2004), acrescidas das reflexões que se seguiram (Bächtiger et al. 2009), sobre os debates parlamentares é patente o modo como as características do sistema democrático e o desenho institucional dos parlamentos condicionam a deliberação que lá acontece.

Ao afirmar que há deliberações diferentes (ou diferentes níveis de deliberatividade) de acordo com cada situação discursiva, pretende-se esclarecer que a participação dos atores, os propósitos do debate (introdução de uma questão na agenda política, construção de um projeto legislativo ou tomada de decisão) e as estratégias discursivas empregadas diferem a depender do momento deliberativo que se apresenta.

Os ritos institucionais, assim como a estrutura formal dos parlamentos, são desenhados para que as decisões sejam justas, bem informadas e orientadas pelo interesse público. Por princípio, esse desenho coaduna com os valores defendidos pela democracia deliberativa. A questão não é mais, portanto, se a deliberação pública é uma expectativa normativamente válida em tais instituições e, sim, em que medida a ação política dos parlamentares transforma as evidências empíricas da deliberação pública.

O debate de temas livres no Plenário, nos expedientes que antecedem a Ordem do Dia, permite a inserção de questões que não estejam necessariamente vinculadas a projetos em tramitação. Essas aberturas do principal espaço de visibilidade discursiva do Congresso possibilitam também que a agenda de outras instituições – como a agenda dos media (Máximo 2008) – seja incorporada às falas dos representantes e se construa uma ponte entre a esfera pública e a esfera política.

A tramitação ordinária dos projetos de lei também prevê diferentes situações de debate (como as comissões, as audiências públicas e o próprio Plenário) e garante a participação de agentes de informação (que podem ser consultores legislativos, especialistas convidados, ou mesmo os relatores dos projetos). Resumindo, provê as condições necessárias para o aperfeiçoamento das políticas por meio de processos discursivos.

99 No entanto, a inclusão de um projeto de lei na pauta da Casa depende de uma estrutura pouco deliberativa: o sistema de privilégios que reserva às lideranças partidárias e à Mesa Diretora o poder de determinar quais projetos seguirão adiante em seu trâmite e serão debatidos pelo Plenário. Mas há, ainda, outra assimetria que interfere nesse processo: quando há interesse especial do Governo em aprovar determinada medida, o Poder Executivo lança mão de suas prerrogativas constitucionais e “força” a entrada de seu projeto na pauta do Congresso.

Este é o caso das Medidas Provisórias, que, ao atalhar o caminho, indo direto à apreciação do conjunto de deputados, deixa de ser debatida e aperfeiçoada em instâncias preliminares tais como as comissões parlamentares. Nessa modalidade de projeto, encurtam-se também os prazos disponíveis para que os representantes proponham emendas e discutam o parecer do relator. Por fim, as MPs acabam por deixar de lado todos os projetos pertinentes àquela política que estejam tramitando (alguns há muitos anos)67. Fica comprometido,

assim, o progresso da questão oportunizado pela deliberação de longo prazo que por ventura a instituição já venha alimentando.

Ao centrar toda a ação discursiva no Plenário, a deliberação das MPs se sujeita também à premência da tomada de decisão. Quando é preciso decidir, os conflitos podem ser exacerbados em lugar de contemporizados; os posicionamentos cristalizados, em lugar de revistos. O Plenário é também um espaço de visibilidade (extremamente potencializada pelos próprios veículos estatais de comunicação) e isso pode produzir impactos paradoxais à deliberação pública. Nessa situação, há atores em busca de consolidar seu capital político e a exposição pública pode incentivá-los a assumir uma postura menos flexível em relação aos seus opositores.

Há, porém, dois fatores que tornam a visibilidade do Plenário positiva para a deliberação. O primeiro é o aumento da accountability discursiva (Gutmann,

67 Um fato comum é o apensamento de projetos de lei com propostas similares para que eles sejam

100 Thompson 1996), ou seja, diante de seus pares e de uma audiência virtualmente ilimitada, os parlamentares precisam demonstrar sua preocupação com o interesse público68 – o que se dá por meio da elaboração de justificações aos

posicionamentos sustentados. O segundo fator positivo da visibilidade retoma a ideia sobre a construção discursiva do capital político dos parlamentares e reconhece o púlpito como espaço de excelência para o fortalecimento de uma reputação positiva entre os pares e perante os cidadãos.

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As reflexões apresentadas deste capítulo indicam que a compreensão dos processos deliberativos nas instituições parlamentares depende que se identifique os diversos condicionantes daquelas arenas discursivas. Para a análise do contexto parlamentar no qual se debateu a criação da EBC, destacam-se os seguintes elementos: (1) o formato do projeto de lei e seus processos de tramitação; (2) as barreiras e hierarquias que permeiam a ação discursiva dos atores; (3) os interesses e as forças políticas representados no contexto parlamentar; e (4) as dinâmicas e o regime de visibilidade do Plenário.

O próximo capítulo discute outra dimensão deliberativa a participar do processo discursivo de produção de políticas públicas – especialmente, da criação da EBC: as instituições da comunicação de massa e o campo do Jornalismo.

68 Como explicam os autores, “[e]sse princípio significa que todos deveriam prestar contas a todos,

mas, em uma democracia representativa, algumas pessoas prestam contas enquanto as demais a observam. De modo a satisfazer a demanda por responsabilização democrática, os representantes precisam considerar as reivindicações de seus constituintes eleitorais, mas também as reivindicações daqueles que designamos constituintes morais, os quais incluem cidadãos de outros países e também as gerações futuras”. No original: “That principle seems to imply that everyone should give an account to everyone else, but in a representative democracy some people give reasons while others look on. To satisfy the demands of democratic accountability, representatives need to consider the claims not only of their electoral constituents but also of what we call their moral constituents, who include citizens of other countries and members of future generations” (Gutmann, Thompson 1996:128).

3DELIBERAÇÃOMEDIADA:

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ÚBLICA

Se a deliberação pública no âmbito do Parlamento encontra certo ceticismo entre os pesquisadores que sustentam uma abordagem institucionalista, os media também têm sido historicamente alvo de críticas (em muito justificadas) em sua função de mediar o debate público. O papel dos media nos processos de deliberação pública vem sendo investigado desde os anos 1990 – a propósito, cita- se o trabalho de Page (1996), “Who deliberates: Mass media in modern democracy”. Mas, apenas nos últimos tempos, pode-se dizer que o potencial da comunicação de massa para abrigar disputas argumentativas democraticamente relevantes foi realmente reconhecido pelos deliberacionistas (Simon; Xenos 2000; Habermas 2006; Maia 2008; Gastil 2008).

A principal dificuldade relacionada a essa abordagem reside na tensão entre as expectativas normativas da democracia deliberativa e as características intrínsecas ao campo da Comunicação (de frágil equilíbrio entre as finalidades comerciais da indústria da informação e do entretenimento e certos códigos de ética que sustentam sua credibilidade junto ao público). À primeira vista, parece pouco provável que os media, cada vez mais concentrados em grandes corporações, dedicados na maior parte do tempo ao entretenimento barato de alto retorno em audiência e anunciantes, venham a constituir esferas de debate público. Este capítulo, porém, pretende aprofundar essa percepção da indústria da

102 informação de modo que se descubra se há lugar para a deliberação pública no campo da Comunicação de massa e, se assim for, quais são as características a condicionarem uma possível troca de argumentos.

Para tanto, primeiramente o capítulo apresenta as discussões mais recentes sobre a interface entre a Comunicação de Massa e a Política. Trata-se de uma abordagem sistemática das instituições, atores, interesses e práticas de modo a perceber as relações estabelecidas entre tais campos sociais. Perspectiva semelhante sustenta a análise do campo do Jornalismo, desenvolvida no tópico seguinte. O objetivo é lançar luz sobre jornalistas e empresas de comunicação como agentes que se colocam entre imperativos éticos e rotinas de produção frequentemente incongruentes. Fazendo um paralelo com o capítulo anterior, pretende-se discutir como os valores, interesses e práticas da indústria da informação exercem influência e condicionam a consecução dos valores deliberativos quando os media assumem sua função de promover e tomar parte de processos de debate público.