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CAPÍTULO 2. O CONTEXTO DAS DISPUTAS EM TORNO DO ABORTO

2.5 Atores religiosos

Se no Brasil o movimento feminista aparece como o principal ator comprometido com avanços nos direitos reprodutivos das mulheres, e especialmente no direito ao aborto; os grupos religiosos aparecem como os atores mais comprometidos em barrar a possibilidade das mulheres optarem por interromperem suas gestações.

Segundo Ruibal (2014), o fundamentalismo religioso, ou o chamado ativismo conservador, é hoje o principal opositor à obtenção dos direitos reprodutivos – e particularmente do direito ao aborto – na América Latina. O movimento antiaborto na região é liderado pela Igreja Católica e por organizações da sociedade civil que reproduzem os ensinamentos católicos no que se refere à sexualidade e reprodução. A autora aponta que principalmente no Brasil as igrejas evangélicas também estão participando dessa mobilização de forma ativa, sendo principalmente as igrejas neopentecostais que se mobilizam pelo tema.

Segundo Htun (2003), a Igreja Católica é a tradição ética mais antiga e influente da América Latina, influindo na organização do Estado e nas políticas públicas. Ao fornecer o roteiro básico para os papeis de gênero, a função e a natureza do casamento e da família, e o

significado da reprodução, a doutrina católica influenciou de forma relevante a criação das leis relativas aos direitos das mulheres, casamento e aborto na região (HTUN, 2003).

Até o final do século XIX, a Igreja tinha a responsabilidade exclusiva sobre os casamentos no Brasil, Argentina e Chile. A partir desse momento, os governos liberais reduziram os privilégios eclesiásticos, passando a se apropriar dos registros oficiais de casamento e morte; assumindo o controle sobre cemitérios, hospitais e escolas; e transformando o casamento civil em compulsório. Porém, Htun (2003) recorda que as leis civis sobre casamento preservaram o princípio canônico da indissolubilidade do casamento, revelando o alcance da doutrina católica.

Htun (2003) explica que o poder da Igreja na sociedade faz com que os governantes levem suas posições em consideração. Além de possuir autoridade para falar de problemas sociais e políticos que, em muitas ocasiões, é maior do que a dos funcionários do Estado, ela possui uma grande rede de instituições e organizações na sociedade civil.

Historicamente, há cooperação entre governantes e bispos da Igreja Católica. No governo Vargas, por exemplo, a Igreja recebeu subsídios estatais para suas escolas, o ensino religioso foi instituído nas escolas públicas, e uma norma constitucional declarando a indissolubilidade do casamento foi adotada. No entanto, também foi durante esse governo que o Código Penal foi reformado. O Código Penal da Argentina, de 1922, foi um dos primeiros que tolerou o princípio do aborto terapêutico, e o Código brasileiro de 1940 seguiu o exemplo. Htun (2003) levanta a hipótese de que a Igreja não se manifestou em relação a essa abertura da lei sobre o aborto porque os governantes mantiveram a ideia de que o aborto era moralmente errado e deveria ser tratado como um crime. Como o aborto foi enquadrado como uma questão técnica, a Igreja pode ter sentido que sua posição estava segura.

Para Htun (2003), diferentes questões de gênero podem gerar tipos de políticas distintos a depender principalmente do envolvimento da Igreja Católica e do tratamento dessas questões como “técnicas” ou “absolutistas”. A autora explica que a equidade de gênero na família, por exemplo, que avançou nos três países pesquisados por ela, é tratada pela Igreja como uma questão técnica do direito civil, pois diz respeito à compreensão das nuances do regime de propriedade conjugal. Porém, tanto o divórcio quanto o aborto possuem para a instituição um caráter absolutista que envolve posições morais. Os bispos da Igreja Católica se opuseram ao divórcio e ao aborto, mas não contestaram, e até defenderam, a igualdade da mulher nas famílias. Porém, durante grande parte da história da Igreja, o pensamento católico sustentou que a mulher deveria ser subordinada à autoridade masculina.

Htun (2003, p. 31-32) explica que as mulheres eram consideradas menos racionais e competentes que os homens e incapazes de exercer os mesmos direitos e assumir as mesmas obrigações. São Tomás de Aquino, por exemplo, defendia que os maridos tinham autoridade exclusiva sobre as decisões domésticas e que as crianças deveriam amar mais os pais do que as mães em função da maior “excelência” deles.

Nos anos 1950 e 1960 a posição da Igreja sobre as mulheres sofreu alterações. Elas passaram a ser reconhecidas como pessoas independentes e com direito à igualdade, porém essa igualdade estava enraizada na natureza própria das mulheres, relacionada à capacidade reprodutiva e ao papel como mães. A partir dessa mudança de pensamento, a Igreja passou a defender direitos e obrigações iguais para os homens e para as mulheres. No entanto, a posição em relação ao aborto e ao divórcio permaneceu imutável. Enquanto o matrimônio, para a Igreja, não é um contrato entre os cônjuges, mas uma instituição de autoria de Deus, o aborto é o assassinato de uma vida humana inocente (HTUN, 2003).

O direito ao divórcio foi legalizado no Brasil em 1977. É relevante destacar a partir do exemplo do processo que levou à legalização do divórcio que reformas políticas em assuntos controversos de gênero podem acontecer, a despeito da forte oposição da Igreja. Htun (2003) mostra que quando as relações entre Igreja e Estado se deterioraram em função de conflitos sobre direitos humanos, política econômica e educação, uma janela de oportunidade se abriu para aprovar a lei do divórcio.

A demanda pelo divórcio legal é pelo menos tão antiga quanto a República, e esteve presente nas discussões sobre a primeira Constituição republicana (promulgada em 1891). Os opositores ao divórcio viam o problema desde um ponto de vista filosófico e religioso, argumentando que o casamento era uma instituição sagrada, inalterável pelo desejo humano. Os defensores encaravam o aborto desde uma perspectiva legal (HTUN, 2003).

Um dos deputados mais comprometidos com o divórcio legal foi Nelson Carneiro, do Rio de Janeiro. Em 1951 e 1964, ele submeteu propostas de emenda à Constituição para permitir o divórcio, mas ambas foram derrotadas. Os oponentes, representados no Congresso por deputados que também eram religiosos, retrataram o divórcio como um golpe contra a família brasileira, e como um aceno de boas vindas para o amor livre e até para o comunismo. O argumento da lei natural e de que mães divorciadas e seus filhos iriam colocar um fardo no sistema de proteção social também foram mobilizados. Por outro lado, Carneiro e outros apoiadores contestavam que a Constituição prever a indissolubilidade do casamento significava uma violação dos princípios de separação do Estado e da Igreja e da liberdade de consciência (HTUN, 2003).

Na década de 1970, mais deputados se uniram à coalizão pelo divórcio. Como a Constituição falava em “indissolubilidade do casamento”, era preciso fazer uma emenda à Constituição, e, para isso, era necessário dois terços da Câmara e do Senado com votações com uma semana de intervalo. Em 1975, a emenda foi votada, mas apesar de obter 222 votos a favor, não conseguiu ser aprovada. Segundo Htun (2003), dos deputados que votaram contra, muitos foram motivados pelo medo da Igreja.

As condições para a aprovação só foram alcançadas depois que houve um aumento do conflito entre o governo e a Igreja, e o presidente Geisel, se valendo do Ato Institucional Nº 5, diminuiu o limite de votos de dois terços da Casa para metade para uma emenda constitucional ser aprovada. No período inicial do regime militar, houve cooperação entre a hierarquia da Igreja Católica e o governo militar, com os bispos apoiando o golpe como uma necessidade de eliminar a ameaça comunista e reuniões frequentes entre a CNBB e os governos. Porém, com o aceleramento da repressão, as relações entre a CNBB e o governo pioraram. Durante os anos 1970, vários bispos criticaram o governo militar, denunciando a doutrina de segurança nacional e a perseguição a padres e trabalhadores. Como resposta, o governo reprimiu a Igreja. Vários padres foram torturados em 1976 e um bispo foi sequestrado. Nesse contexto, o governo teve um incentivo para apoiar, mais do que suprimir, a campanha pelo divórcio. Além disso, Geisel foi o primeiro presidente não católico do Brasil, ele era luterano e tinha pouco compromisso pessoal com a Igreja Católica (HTUN, 2003).

A justificativa oficial para diminuir o quórum para fazer emendas à Constituição era o desejo de reformar o judiciário. Porém, Htun (2003) diz que observadores brasileiros sustentam que na realidade o objetivo era facilitar o divórcio. Esse empenho em aprovar o divórcio tinha outros interesses. Primeiro, dar um golpe na Igreja. Através de uma lei popular, o governo poderia usurpar certa autoridade social da Igreja e minar sua oposição ao regime. Além disso, os principais defensores do aborto eram do MDB, partido opositor ao regime militar. E a Igreja prometia derrotar, nas eleições de 1978, os candidatos que votassem a favor do divórcio. Em 1977, a lei foi votada e aprovada por 226 votos a favor e 159 contra. A lei indicava que o divórcio era permitido apenas cinco anos após a separação de fato ou três anos de separação judicial, e os indivíduos poderiam obter apenas uma separação na sua vida. Htun (2003) afirma que o comportamento da Igreja em relação ao divórcio, ameaçando políticos e criando um clima de intimidação, lembra sua conduta nos dias atuais no combate ao aborto.

Para Rocha (2006), a postura da Igreja Católica na discussão sobre aborto tem sido principalmente reativa, com uma posição contrária às iniciativas do movimento feminista e com a utilização da sua ampla estrutura para divulgar posições e exercer pressão. O

lançamento da Campanha da Fraternidade de 2008 com o tema “Fraternidade e defesa da vida”, e o lema “Escolha, pois a vida” indica uma tentativa de pautar a questão a partir da perspectiva religiosa.

A hipótese proposta por Luna (2010) é que a escolha desse tema se deu em função da tentativa da Igreja Católica de reagir a duas questões que se apresentavam no debate público brasileiro: a tentativa do Ministério da Saúde e da Secretaria de Políticas para as Mulheres de situar o aborto como um problema de saúde pública, o que poderia ocasionar a revisão da legislação; e a produção de embriões humanos através de reprodução assistida e a utilização dos excedentes para pesquisas relacionadas à produção de células-tronco. A utilização do termo “vida”, apesar de não ser novidade nas campanhas da fraternidade de anos anteriores, se referia ao combate ao aborto e à pesquisa com células-tronco embrionárias. A autora explica que há no documento uma ênfase na defesa da vida desde a fecundação. As palavras- chave da ficha catalográfica são: aborto, Campanha da Fraternidade, conversão, eutanásia, fraternidade, vida, vida – aspectos religiosos – Cristianismo.

Luna (2010) diz que uma das seções do documento revela a extensão com que o enfoque sobre o feto e o embrião alcança. Os títulos das subseções da seção III mostram isso: o aborto (sobre a questão legal); o aborto e a saúde pública; o aborto como “mal necessário” (contra a argumentação feminista); o financiamento externo para liberação do aborto (conferências sobre população, aborto e controle populacional) etc.

Luna usa uma parte do texto da Campanha para explicar quem é a pessoa a que o documento se refere: “A segunda experiência constitutiva de nossa pessoa é a percepção do próprio ‘eu’, da própria individualidade e da própria dignidade. Eu não me confundo com os outros, eu não sou parte de minha mãe ou do meu pai” (S21, p. 35, 2008 apud LUNA, 2010, p. 97). Outra parte destacada pela autora: “É um novo indivíduo que apresenta padrão

genético e molecular distinto, pertencente à espécie humana e que contém em si próprio todo o futuro de seu crescimento” (S74, p. 53, grifo original apud LUNA, 2010, p. 97). É relevante observar o esforço em diferenciar o ser que está sendo gerado da mulher que o está gerando. Os termos “novo indivíduo” e “não sou parte de minha mãe ou do meu pai” evidenciam essa tentativa.

Luna (2010, p. 98) chama a atenção para o conflito que se apresenta no documento entre a doutrina católica e o saber científico: “aquela necessita apropriar-se seletivamente do discurso biológico para fazer valer seus argumentos, mesmo que questione os avanços da ciência como faz diversas vezes no manual”. A legislação também é mobilizada no documento. O art. 5º da Constituição, que fala da “inviolabilidade do direito à vida”, é

utilizado para a afirmação de que o aborto ou a utilização de células-tronco embrionárias não deveriam ocorrer, pois ferem esse princípio, já que a doutrina católica interpreta o art. 5º como se ele afirmasse que a inviolabilidade da vida está protegida desde a concepção.

A autora defende que o principal ponto do documento da Campanha é o aborto. A Igreja se posiciona contra qualquer tipo de aborto, mesmo os que objetivam salvar a vida da mãe, quando a gravidez é decorrente de estupro, e quando há má-formação fetal. Na justificativa de sua posição, o tratamento ambíguo que é destinado à ciência fica evidente. Enquanto o aborto para salvar a vida da mãe é condenado porque com os avanços científicos ele não é mais necessário, sendo possível salvar a vida da mulher e do feto; nos casos de anencefalia, esse avanço científico já não é mais desejável, pois a Igreja encara a interrupção da gravidez nesses casos como uma forma de eugenia. Em relação aos casos de estupro, o argumento católico é que o aborto seria uma nova violência contra a mulher e que após a fase de rejeição, a mãe vai amar o filho. “É nítida a hierarquização entre qual pessoa deve ser respeitada em sua dignidade: o feto antes que a gestante” (LUNA, 2010, p. 98).

Se historicamente, foi a Igreja Católica a instituição religiosa que mais influenciou e participou do Estado no Brasil, nos anos recentes, os evangélicos têm ganhado mais força nas negociações com o Executivo e têm obtido maior representação no Legislativo. O fato das religiões evangélicas estarem ganhando mais adeptos, enquanto a Católica está vendo uma diminuição no seu número de fieis, pode ajudar a explicar essa maior influência dos evangélicos.

Entre 2000 e 2010, o percentual de católicos na população brasileira passou de 73,6% para 64,6% (IBGE, 2012). Além disso, há um predomínio dos grupos ligados à orientação mais conservadora do Vaticano, com o crescimento da Renovação Carismática Católica e a redução dos católicos ligados à Teologia da Libertação e às pastorais populares (LUNA, 2014b). Nesse mesmo período, o percentual de evangélicos passou de 15,4% em 2000 para 22,2% em 2010 (IBGE, 2012).

Machado (2013) explica que nas últimas décadas do século XX, muitos evangélicos deixaram os chamados protestantes históricos (Luteranos, Batistas, Presbiterianos, Metodistas etc.) e migraram para o pentecostalismo, que hoje abarca 60% dos evangélicos. “De acordo com a literatura especializada, essa surpreendente multiplicação e diferenciação de grupos pentecostais está relacionada com a revisão da posição de apartamento da cultura e da política partidária brasileira que predominou durante grande parte do século XX” (MACHADO, 2013, p. 50). Em relação à cultura, a autora aponta as seguintes mudanças: flexibilização dos costumes, adoção da teologia da prosperidade, investimento progressivo nos meios de

comunicação e capacidade de incorporar elementos da agenda política dos movimentos sociais. Na área da política estaria a aproximação dos atores religiosos com os partidos políticos, o crescimento do número de líderes religiosos no legislativo, o interesse por concessões de canais de rádio e televisão, e as parcerias com agências governamentais na área social.

Apesar da denominação de “evangélicos”, eles na verdade representam um grupo com grandes diferenças e disputas internas. Segundo Mariano (1996), a denominação abrange as denominações cristãs que surgiram na Reforma Protestante e as que são descendentes destas. Estão incluídas nesse campo religioso as igrejas protestantes históricas (Luterana, Presbiteriana, Congregacional, Anglicana, Metodista e Batista) e as pentecostais (Congregação Cristã no Brasil, Assembleia de Deus, Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo, Universal do Reino de Deus etc.). O autor, com o objetivo de facilitar a compreensão da história e das diferentes vertentes do pentecostalismo, propõe a divisão desse campo religioso em três ondas.

A primeira onda, que vai de 1910 a 1950, é denominada de pentecostalismo clássico e se caracteriza pelo anticatolicismo, por um sectarismo radical, pelo ascetismo de rejeição ao mundo e pela ênfase no dom de línguas. As igrejas Congregação Cristã e Assembleia do Reino de Deus, fundadas em 1910 e 1911, respectivamente, ainda mantém esses traços, com a primeira se mostrando irremovível, e a segunda, apresentando uma maior flexibilidade. A segunda onda, iniciada nos anos 1950, é denominada pelo autor de pentecostalismo neoclássico. A chegada de dois missionários norte-americanos da International Church of the Foursquare Gospel iniciou essa onda. Eles criaram a Cruzada Nacional de Evangelização, dando início ao evangelismo baseado na cura divina, e contribuíram para a fragmentação e expansão do pentecostalismo no país. Além de ser caracterizada pela ênfase na cura divina, o grande uso do rádio e o evangelismo itinerante em tendas de lona marcam essa onda. As igrejas surgidas após a primeira foram a Igreja do Evangelho Quadrangular, Brasil para Cristo, Deus é Amor, Casa da Bênção e outras menores. A terceira onda cresceu e se fortaleceu nos anos 1980 e 1990. Ela é denominada de neopentecostal e caracteriza-se principalmente por pregar e difundir a Teologia da Prosperidade, não adotar os tradicionais costumes de santidade, e enfatizar a guerra espiritual contra o diabo. As principais igrejas são: Universal do Reino de Deus, Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, Internacional da Graça de Deus e Renascer em Cristo.

Nas eleições de 2010, foram eleitos 63 deputados ligados a igrejas evangélicas, e desses aproximadamente 20 possuíam ou já haviam tido cargos na estrutura de suas igrejas,

como pastores, bispos, diáconos e missionários. Segundo Machado (2013), os pentecostais são o grupo evangélico com maior representação na Câmara e eles têm atuado de forma ativa para impedir as iniciativas do Governo Federal de avanços no campo dos direitos humanos direcionados às mulheres e aos homossexuais.

A autora argumenta que o engajamento dos evangélicos na política brasileira pode estar relacionado com uma tentativa de se reinventar em um contexto que, por um lado, está marcado pela disputa com a Igreja Católica, os grupos afro-brasileiros, os movimentos feministas e pela diversidade sexual, e, por outro, pela hegemonia do discurso dos direitos humanos. Para os evangélicos, ocupar posições na estrutura política é uma estratégia de sobrevivência dos grupos religiosos. A autora cita um de seus entrevistados, o bispo Rodovalho (DEM/DF), que disse: “Se a igreja não tiver uma militância muito atuante, ela vai ser banida, ela vai ser excluída da sociedade” (MACHADO, 2013, p. 55).

A análise das entrevistas revela a visão predominante, no meio pentecostal, de que o fenômeno da globalização incrementou as ameaças à família tradicional cristã e, consequentemente, amplificou os riscos de desestruturação moral da sociedade brasileira como um todo. (...) Observa-se, assim, que parte das novas construções discursivas preserva a ingerência das forças sobrenaturais na ordem mundial e brasileira com intuito de instaurar o reino amoral do Anticristo na terra. Neste tipo de explicação, a atuação dos pentecostais na política e, mais especialmente, nas casas legislativas onde as leis são elaboradas e examinadas, seria também uma forma de enfrentamento nessa guerra “espiritual” que é a um só tempo local e mundial (MACHADO, 2013, p. 52).

Os líderes entrevistados por Machado (2013) falam de instituições internacionais que objetivam, juntamente com a elite política tradicional e os movimentos sociais, deixar o país em uma situação de dependência frente aos países desenvolvidos. Diante dessa situação de conspiração, a presença dos evangélicos na política seria fundamental para construir a sociedade que eles desejam. Para eles, o grande desafio seria combater o preconceito existente no país contra os pentecostais. Eles afirmam que a Igreja Católica sempre participou dos rumos da política brasileira, e que apesar disso os movimentos sociais argumentam que a atuação dos pentecostais compromete o caráter laico do Estado. Apesar de acreditarem que o princípio da laicidade deve ser observado, eles não acreditam que sua atuação na esfera pública fira esse princípio.

Os temas de maior interesse dos pentecostais na agenda política são: a família, a defesa da vida humana e a liberdade religiosa. Outros temas correlatos citados por Machado (2013) são: combate ao aborto, à eutanásia, ao infanticídio, à união civil de pessoas do mesmo

sexo, à criminalização da homofobia, entre outros. Para defender seus interesses, os entrevistados julgam que é legítimo se organizar em Frentes Parlamentares.

A posição das igrejas evangélicas sobre o aborto não é homogênea. A autora afirma que lideranças importantes, como Edir Macedo e o senador Marcelo Crivella, e bispos da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) possuem uma posição mais liberal. Porém, segundo Machado (2013), o pensamento dominante é tradicionalista. E, apesar da competição com a Igreja Católica no que se refere ao recrutamento de fiéis e parcerias governamentais, há espaço para ações conjuntas dos dois grupos religiosos. A autora ressalta que a aliança entre