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CAPÍTULO 3. O DEBATE NA CÂMARA: CASOS, PARLAMENTARES E

3.4 Quem pronunciou os discursos?

Após discutir as posições dos discursos e os casos que mais estiveram presentes nos pronunciamentos, é relevante debater quem são os/as parlamentares que estão se pronunciando sobre o aborto, seu sexo, partido, religião e se pertencem a alguma frente parlamentar, e como essas variáveis influenciam nas posições apresentadas nos discursos.

Quando analisamos o sexo dos/as parlamentares que discursaram, vemos que as mulheres pronunciaram 13,6% dos discursos, enquanto os homens são responsáveis por 86,4%. As mulheres representam hoje 9,9% das cadeiras da Câmara40. Ao longo dos anos pesquisados, a participação das mulheres variou entre aproximadamente 6% e 10%. Se o número de discursos sobre aborto por sexo fosse proporcional ao número de parlamentares homens e mulheres, deveria haver ainda mais discursos pronunciados por homens. No entanto, a questão do aborto carrega uma particularidade, pois se refere especialmente à vida das mulheres, são elas que arcam com as consequências da legislação sobre essa questão e não os homens. Como afirma Anne Phillips (2011, p. 358): “As mulheres frequentemente falam no espetáculo de uma legislatura predominantemente masculina que decide se o aborto deve ser descriminalizado e observam com amargura que são elas que engravidam e que têm que cuidar da criança”. A questão, porém, não parece ser prioridade para as deputadas, pois quando observamos a lista dos/as dez parlamentares que mais pronunciaram discursos sobre o assunto, há apenas uma mulher.

Um dado que chama a atenção quando analisamos as diferenças entre os discursos das mulheres e os dos homens é a posição que elas defendem. As tabelas abaixo mostram as posições das mulheres e dos homens parlamentares em todos os discursos proferidos por cada sexo.

40 Informação retirada da Inter-Parlamentary Union, segundo a qual o Brasil está na 124ª posição no ranking de

representação de mulheres na Câmara dos Deputados. São 51 mulheres deputadas em um universo de 513 parlamentares. Os dados foram atualizados em 1º de outubro de 2014. Disponível em:

Tabela 2. Posição das/os deputadas/os por sexo

Posição/Sexo Feminino Masculino TOTAL

Freq. % Freq. %

A favor da ampliação do aborto

legal 58 46,8% 86 10,9% 144

A favor da manutenção da lei 15 12,1% 114 14,4% 129

A favor da restrição do aborto

legal 10 8,1% 138 17,4% 148

Contra o aborto (genérico) 16 12,9% 310 39,2% 326

Por novas medidas punitivas e/ou

de controle 6 4,8% 126 15,9% 132

Pela educação sexual e/ou

planejamento familiar 22 17,7% 102 12,9% 124

Não se posiciona 19 15,3% 56 7,1% 75

TOTAL 146 932 1078

Fonte: Pesquisa “Direito ao aborto e sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”. Elaboração da autora.

Obs.: Era possível marcar até duas opções de posição, por isso o valor total é superior ao número de discursos proferidos por cada sexo. As deputadas fizeram 124 discursos, e os deputados, 791.

Primeiramente, chama a atenção o fato de que a posição mais defendida pelas mulheres é a favorável à ampliação do aborto legal, seguida da defesa da educação sexual e/ou planejamento familiar. Enquanto as duas posições mais defendidas pelos homens são: contra o aborto (genérico) e a favor da restrição do aborto legal. Como dito anteriormente, as mulheres proferiram apenas 13,6% dos discursos, porém, foram elas que fizeram 40,3% dos discursos favoráveis à ampliação do aborto legal.

Tabela 3. Argumentos mobilizados por sexo da/o parlamentar

Argumento/Sexo Feminino Masculino TOTAL

Freq. % Freq. %

Inviolabilidade do direito à

vida 26 21,0% 470 59,4% 495

Argumentos religiosos 15 12,1% 267 33,8% 282 Argumentos morais (não

explicitamente religiosos) 14 11,3% 209 26,4% 223

Argumentos jurídicos 27 21,8% 193 24,4% 220

Argumentos vinculados à

opinião pública 19 15,3% 184 23,3% 203

Aborto é questão de saúde

pública 49 39,5% 124 15,7% 173

Argumentos científicos 9 7,3% 88 11,1% 97

Injustiça social 24 19,4% 53 6,7% 77

Liberdade individual 28 22,6% 48 6,1% 71

Aborto/controle da

natalidade como estratégia imperialista

0 0,0% 58 7,3% 58

Usurpação das funções do

Legislativo 0 0,0% 38 4,8% 38

Argumentos econômicos

(macro-econômicos) 2 1,6% 30 3,8% 32

Falsa alegação de estupro 1 0,8% 31 3,9% 32

Estado laico 7 5,6% 19 2,4% 26

Terror do aborto 2 1,6% 22 2,7% 24

Controle da mulher sobre o

próprio corpo 7 5,6% 8 1,0% 15

Outros 11 8,8% 66 8,3% 109

Nenhum 29 23,4% 135 17,1% 164

TOTAL 271 2011 2282

Fonte: Pesquisa “Direito ao aborto e sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”. Elaboração da autora.

Sobre os argumentos utilizados pelas deputadas, o mais presente é o de que aborto é questão de saúde pública, em seguida está o argumento de liberdade individual, depois estão os argumentos jurídicos. Quando analisamos os argumentos principais dos discursos das parlamentares, observamos que novamente a questão da saúde pública está em primeiro (25%), seguido do argumento da inviolabilidade do direito à vida (11,3%) e em terceiro aparece o da liberdade individual (8,9%). Os dois casos que as deputadas mais citaram foram o da menina de nove anos que interrompeu a gestação, e o do PL 20/91, o primeiro referido em 10 discursos, e o segundo em 11. Ambos tratam de casos que se referem ao cumprimento da legislação atual sobre aborto.

Em relação aos discursos dos deputados, o argumento de inviolabilidade da vida é o mais comum, em seguida estão os argumentos religiosos e os argumentos morais (não explicitamente religiosos). No que se refere ao argumento principal mobilizado por eles, a inviolabilidade do direito à vida e os argumentos religiosos também são os dois primeiros, aparecendo em 33,9% e 12,6%, respectivamente. O terceiro mais utilizado é o argumento de que o aborto é questão de saúde pública (8%).

Somente seis mulheres pronunciaram mais do que cinco discursos sobre aborto. Quem lidera a lista é a deputada Marta Suplicy (PT/SP), com 19 discursos; seguida da Jandira Feghali, com 11; Cida Diogo (PT/RJ), com sete; e Angela Guadagnin (PT/SP), Maria Elvira (PMDB/MG) e Perpétua Almeida (PCdoB/AC), com seis discursos cada uma. Destas, somente a deputada Angela Guadagnin (PT/SP) discursou contra o aborto. Ela participou da Comissão Tripartite e, segundo um de seus discursos, ela e a deputada Elaine Costa (PTB/RJ) eram as únicas na Comissão que tinham posição “a favor da vida”. Em seu discurso mais longo, a deputada afirma:

Sou mulher, médica, pediatra, mãe, avó. Trabalho há mais de 25 anos com comunidades, mais exatamente com planejamento familiar, com informações sobre métodos anticoncepcionais, sobre o momento da fecundação e do ciclo menstrual. Desse modo, não estou falando com base no que ouvi, mas pela experiência de vida. Sei muito bem que o direito da mulher termina onde começa o da criança. A mulher não pode alegar o direito de matar o nenê, que não tem condições de se defender. A mãe pode se defender, mas a criança, não. (Deputada Angela Guadagnin (PT/SP), 2005, p. 59693).

Entre os parlamentares homens que pronunciaram mais discursos, oito fizeram mais de 20 discursos sobre aborto. O primeiro da lista é o deputado Luiz Bassuma (PT, PV/BA)41, com 65 discursos. Em seguida estão os deputados Severino Cavalcanti (PFL, PPB/PE) com 40 discursos; Costa Ferreira (PFL, PP, PSC/MA), com 39 discursos; Lael Varella (PFL, DEM/MG), com 38; Dr. Talmir (PV/SP), com 26; Osmânio Pereira (PSDB, PTB/MG), com 26; José Genoíno (PT/SP), com 25; e Elimar Máximo Damasceno (PRONA/SP), com 22 discursos.

A apresentação desses dados indica que as deputadas e os deputados atuam de forma diferente na Câmara em relação ao aborto. Aparentemente, não há nenhuma deputada que elegeu o aborto como um dos temas principais do(s) seu(s) mandato(s), como parece ser o caso do deputado Luiz Bassuma (PT/BA). Em alguns discursos ele afirma essa pretensão, como neste exemplo: “Essa é uma luta minha, da minha vida e por essa luta eu estou pronto a pagar qualquer preço. A expulsão do meu partido é pouco. A perda do mandato também. Isso não tem nada a ver. Essa é a causa da minha vida” (Deputado Luiz Bassuma (PT/BA), 2009, p. 8786).Uma pesquisa no site da Câmara por discursos proferidos pelo deputado indica que ele proferiu um total de 328 discursos. Aproximadamente 20% dos seus pronunciamentos eram sobre aborto, destes, 80% eram focados no aborto. Enquanto a deputada Marta Suplicy (PT/SP) proferiu 220 discursos no total. Aproximadamente 8,6% tratavam da questão do aborto, e 63,2% eram focados na questão.

Apesar de o grupo de parlamentares contrários ao aborto na Câmara não estar restrito à bancada religiosa, a imensa maioria dos/as deputados/as que priorizam a questão do aborto em seus discursos – e são contrários a esse direito – pertencem a alguma religião. Há na base de dados 39 parlamentares que pronunciaram cinco ou mais discursos sobre aborto ao longo dos anos pesquisados. Destes, 14 são evangélicos, 13 são católicos e um é espírita. Sendo que 16 se autoidentificaram como pertencentes a alguma religião em seus sites ou nos próprios discursos. Não foi possível identificar a religião de 10 deputados, sendo que somente um deles é contra o aborto. Entre os 14 deputados evangélicos que mais se pronunciaram, nove eram da Igreja Assembleia de Deus.

Os três deputados campeões em discursos sobre aborto são de religiões diferentes: Luiz Bassuma (PT, PV/BA) é espírita, Severino Cavalcanti (PFL, PPB/PE) é católico, e Costa Ferreira (PFL, PP, PSC/MA) é evangélico, da igreja Assembleia de Deus. Eles pronunciaram 65, 40 e 39 discursos, respectivamente. O quarto deputado que mais pronunciou discursos foi

41 A maior parte dos discursos do deputado foram proferidos enquanto ele estava no PT, porém ele saiu do

Lael Varella, com 38. Apesar de não ter se autoidentificado como católico em nenhum discurso e de, aparentemente, não publicizar sua opção religiosa, pois a partir de uma pesquisa em diversos sites não foi possível descobri-la – o contrário do caso da maioria dos deputados em que é fácil descobrir sua filiação religiosa – ele utilizou argumentos religiosos em 89,5% de seus discursos sobre aborto.

Entre os nove deputados que pronunciaram mais de quatro discursos e que eram favoráveis ao aborto, apenas dois não são de partidos de esquerda42. Se, por um lado, o PT se destaca por possuir os dois deputados que mais realizaram discursos favoráveis ao aborto (José Genoíno e Marta Suplicy, ambos de São Paulo), por outro, cinco dos seus deputados/as estavam na lista dos 39 que mais pronunciaram discursos e se apresentavam contrários a esse direito.

Segundo Htun (2003), a disposição de vários deputados do PT de defenderem reformas sobre o aborto foi importante para manter o assunto na agenda do Congresso. Em 2007 houve o 3º Congresso do PT, e a resolução defendia a descriminalização do aborto e a regulamentação do atendimento pelo SUS dos casos previstos na lei. Em setembro de 2009, o deputado Luiz Bassuma (PT/BA) foi suspenso pela Comissão Nacional de Ética do PT por um ano. Na época, o então presidente do partido, José Eduardo Dutra, explicou que o motivo da suspensão era a campanha contra a posição do PT e de parlamentares favoráveis à descriminalização do aborto. Em função da suspensão, Bassuma foi para o Partido Verde (PV). Porém, o PV possui em seu programa o apoio à interrupção voluntária da gravidez.

Não é possível afirmar que os partidos de esquerda são favoráveis ao aborto e que os de direita são contrários, porque mesmo nos partidos de esquerda há deputados/as contrários ao aborto, como dito anteriormente. Porém, é possível identificar algumas diferenças quando dividimos os partidos entre esquerda, centro e direita. No total, 74,3% dos discursos favoráveis à ampliação do aborto legal foram pronunciados por parlamentares de partidos de esquerda. Na tabela abaixo, é possível ver as diferenças entre discursos de parlamentares de partidos de esquerda, centro e direita43.

42 Os seguintes partidos foram classificados como de esquerda: PCdoB, PDT, PHS, PPS, PROS, PSB, PSOL, PT

e PV. Como centro: PMDB e PSDB. E como direita, todos os outros partidos.

43 Três discursos foram pronunciados por parlamentares que estavam sem partido, por isso não foram

Tabela 4. Posição nos discursos entre partidos de direita, esquerda e centro Posições /Partidos

agrupados esquerda Centro direita partido TOTAL sem

a favor da ampliação do

aborto legal 28,4% 8,0% 6,2% 33,3% 15,7%

a favor da manutenção da lei 11,7% 13,3% 16,9% 0,0% 14,1% posições contrárias ao aborto 48,8% 69,3% 71,9% 33,3% 61,9% pela educação sexual e/ou

planejamento familiar 15,6% 8,7% 13,5% 0,0% 13,6%

não se posiciona 10,3% 10,0% 5,2% 33,3% 8,2%

TOTAL 100% 100% 100% 100% 100%

Fonte: Pesquisa “Direito ao aborto e sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”. Elaboração da autora.

Obs.: Parlamentares de partidos de esquerda pronunciaram 377 discursos; de partidos de centro, 150 discursos; de partidos de direita, 385 discursos; e parlamentares sem partido pronunciaram 3 discursos.

No total, deputados do PT pronunciaram 202 discursos, destes, 36% foram favoráveis à ampliação do aborto legal; e 33,7% contra o aborto (genérico). Apesar de o deputado Luiz Bassuma (PT/BA) ter pronunciado 28,7% dos discursos dos deputados petistas, ele não era o único representante desse partido contrário ao aborto. Os deputados Nazareno Fonteles (PI), Hélio Bicudo (SP), Angela Guadagnin (SP) e Henrique Afonso (AC) também contribuíram muito para os discursos contrários. Juntos com o Bassuma (BA), eles pronunciaram 76 discursos.

O PCdoB e o PSOL se destacam como os que tiveram as maiores porcentagens de discursos que defendiam o direito ao aborto, 64,5% e 71,4%, respectivamente. Estes dois partidos não tiveram nenhum discurso contrário ao aborto. Porém, parlamentares do PCdoB fizeram 31 discursos no total, e do PSOL, apenas sete.

O segundo partido que mais teve deputados que pronunciaram discursos foi o DEM (antigo PFL), com 106 pronunciamentos. Destes, apenas 13,2% eram favoráveis ao aborto legal, enquanto 65,1% eram contrários ao aborto. Em terceiro, está o grupo composto pelos partidos PP/PPB/PPR, cujos deputados pronunciaram 107 discursos, e somente 3,2% eram favoráveis à ampliação do aborto legal. Deputados/as do PSDB pronunciaram 69 discursos

(com um único discurso favorável ao aborto legal) e do PTB realizaram 68 discursos (sendo cinco favoráveis à ampliação).

Por fim, os dados sobre os partidos e suas posições indicam que os/as parlamentares que mais se propõem a defender o aborto são de partidos de esquerda; nos partidos de centro e direita há muito poucos defensores; enquanto os deputados contrários estão espalhados entre os três grupos.