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CAPÍTULO 3. O DEBATE NA CÂMARA: CASOS, PARLAMENTARES E

3.2 Posições nos discursos

No total, foram analisados 915 discursos28 que foram classificados como favoráveis à ampliação do aborto legal, contra o aborto (genérico), a favor da restrição do aborto legal, por novas medidas punitivas e/ou de controle, a favor da manutenção da lei, pela educação sexual e/ou planejamento familiar e não se posiciona. Cada um dos discursos poderia ser classificado com até duas dessas posições.

Os dados analisados mostram que 61,9% dos discursos são contrários ao aborto29, enquanto apenas 15,7% são favoráveis. Ao destrincharmos essas categorias, observa-se que 10,6% dos discursos defendem a proibição total e 35,6% são contrários ao aborto de forma genérica. Apenas 6,4% dos pronunciamentos defendem a descriminalização total.

É relevante destacar, ainda, que 14,1% dos discursos defenderam a manutenção da lei. Na maioria dos casos, esses pronunciamentos também estão relacionados a uma posição contrária ao aborto30. Além dos discursos que não explicitavam a posição do/a parlamentar sobre o tema, em 0,85% dos pronunciamentos, a única posição defendida era a defesa da educação sexual e/ou planejamento familiar. Na Tabela I é possível visualizar as posições nos discursos.

28 A base de dados da pesquisa possui 939 discursos, porém, 24 não possuem resposta na questão Posição,

porque a Centralidade deles é irrelevante (não têm relação com a discussão sobre a interrupção da gestação, mas estavam indexados no site da Câmara). Sendo assim, os discursos irrelevantes foram desconsiderados para as análises apresentadas nesse trabalho.

29

Para encontrar o número de discursos contrários ao aborto é necessário fundir as três categorias – contra o aborto (genérico), a favor da restrição do aborto legal e por novas medidas punitivas e/ou de controle - para que os discursos que apresentaram mais de uma dessas opções contrárias não sejam contabilizados duas vezes.

30 No total, 129 discursos apresentaram a posição favorável à manutenção da lei, destes, 81 (62,8%) continham o

Tabela 1. Posição nos discursos

Posição Freq. %

contra o aborto (genérico) 326 35,6%

a favor da restrição do aborto legal 148 16,2%

a favor da ampliação do aborto legal 144 15,7%

por novas medidas punitivas e/ou de controle 132 14,4%

a favor da manutenção da lei 129 14,1%

pela educação sexual e/ou planejamento familiar 124 13,6%

não se posiciona 75 8,2%

Fonte: Pesquisa “Direito ao aborto e sentidos da maternidade: atores e posições em disputa no Brasil contemporâneo”. Elaboração da autora.

Obs.: Era possível marcar até duas posições em cada discurso.

Em relação à centralidade do tema aborto, 60% dos discursos analisados eram focados; em 22,4%, o aborto era um dos temas tratados; em 11,7%, o aborto era um tema secundário; e 5,9% dos discursos se referiam ao aborto apenas de forma lateral. Ao cruzar os dados da centralidade e posição dos discursos, observa-se que 59% dos discursos favoráveis à ampliação do aborto legal eram focados, enquanto 76,4% dos que defendiam a restrição do aborto legal também tinham o aborto como único tema discutido.

Como explicado na metodologia, quando os discursos se posicionavam a favor da

ampliação do aborto legal ou a favor da restrição do aborto legal, era necessário indicar as ampliações ou restrições às quais o discurso se referia. Entre os 144 discursos favoráveis à ampliação do aborto legal, 41% argumentavam pela descriminalização total; enquanto 38,2% eram pela ampliação da assistência na rede hospitalar; e 18,8% defendiam a permissão em

caso de inviabilidade do feto31. Os outros discursos ou não indicavam o tipo de ampliação (13,9%) ou defendiam outra ampliação (2,8%).

O que chama a atenção nesses dados é o baixo número de discursos que defendem a descriminalização total do aborto, apenas 59 em um universo de 915 discursos. Um dos discursos de 1991, do deputado Edson Silva (PDT/CE)32, exemplifica como essa posição aparece nos discursos:

31 Cabe relembrar que era possível marcar mais de uma ampliação. Por exemplo, o discurso poderia ser favorável

à ampliação da rede hospitalar e à permissão em caso de inviabilidade do feto.

Conclamamos esta Casa a repensar a questão do aborto. Vamos comprometer o Estado. Vamos descriminalizar o aborto. Vamos torná-lo menos criminoso. Não para multiplicá-lo, para ampliar o número de mulheres que se submetem a ele clandestinamente. Não. Pelo contrário. Para reduzi-lo! (Deputado Edson Silva (PDT/CE), 1991, p. 2401).

Cabe destacar também que em 35 discursos, ou 24% dos discursos favoráveis à ampliação do aborto legal, a única posição defendida foi a ampliação da assistência na rede

hospitalar. Mesmo sendo uma posição favorável ao aborto, esses discursos argumentavam apenas que o Sistema Único de Saúde (SUS) deveria atender os casos de aborto legal. Um exemplo dessa posição pode ser visto no discurso a seguir:

Temos que ter consciência de que não estamos ampliando nada em relação ao aborto. Essa regulamentação simplesmente poupa as mulheres pobres e mesmo aquelas que tenham alguma condição, mas que queiram ter melhor e mais adequada assistência – porque as ricas e as de classe média, estupradas ou não, sabem o endereço de uma clínica clandestina, onde possam fazer o aborto, de realizar o aborto – que chamaríamos de terapêutico – em condições dignas e preservando sua saúde (Deputada Marta Suplicy (PT/SP), 1997a, p. 35643).

O discurso de Marta Suplicy (PT/SP) se relaciona ao PL 20/91 que propunha o atendimento pelo SUS dos casos de aborto legal, mas a oposição dos/as parlamentares contrários ao aborto é tão radical que nem esse projeto conseguiu ser aprovado. Essa aparentemente simples reivindicação de que a lei seja cumprida explicita a dificuldade de se avançar na questão do aborto na Câmara. Scavone (2008, p. 678) argumenta que essa reivindicação também é importante, pois “ao lutar pela garantia do que já está assegurado por lei – e para o Estado oferecer esses serviços pelo País afora – o feminismo realiza simbólica e materialmente um ato de afirmação do direito individual de escolha da maternidade, mesmo que ele seja restritivo”. Cabe destacar que a deputada defendeu a descriminalização total do aborto em três discursos.

Quando o discurso era a favor da restrição do aborto legal, também era necessário marcar qual era a restrição. Dos 148 discursos que defendiam essa posição33, 65,5% argumentavam pela proibição total; 24,3% defendiam que o aborto não fosse permitido nos casos de estupro; e 8,1% indicavam que o aborto não deveria ser permitido nos casos de

inviabilidade do feto34.

33Em 2% dos discursos, a restrição indicada pelo/a parlamentar foi diferente das apresentadas nas respostas

fechadas. Assim como nos casos de ampliação, era possível marcar mais de uma restrição.

34 Esses discursos foram proferidos após a decisão do STF; os discursos anteriores à decisão que afirmavam que

o aborto de fetos anencefálicos não deveria ser permitido eram marcados com a posição a favor da manutenção

Um exemplo de discurso que defendia a proibição total do aborto é o do deputado Olávio Rocha (PSDB/PA) (1997, p. 40371): “Considero todas essas formas assassinato, por mais que pesem as diferentes argumentações a respeito dos falsos benefícios em prol de quem se submeterá a infame ato. Se a Constituição garante o direito à vida, como poderemos autorizar a sua eliminação?”. Outro discurso que também defende a proibição total foi feito pelo deputado Pedro Yves (PPB/SP) (1997, p. 40030) e afirmava que “qualquer hipótese de aborto é inconstitucional e inadmissível, não podendo sequer ser discutida nos plenários deste Congresso”.