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CAPÍTULO 2 COOPERAÇÃO TÉCNICA INTERNACIONAL, PRIVILÉGIOS E IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO

2.2 ATOS DE IMPÉRIO E ATOS DE GESTÃO

O argumento utilizado para mitigar a imunidade absoluta e levar os Organismos Internacionais aos tribunais foi a divisão dos seus atos de gestão ou atos de império, que acabaram prejudicando a atuação da Cooperação Internacional e tendo a União como pólo passivo nas lides. Os atos de gestão, isto é, de contratação de consultores resultaram na demonstração de anomalia estatal.

Permito-me ousar a imaginar que a relativização do caráter constritivo da imunidade estatal a que hoje assistimos, em relação aos atos de gestão, especialmente no que concerne a conflitos trabalhistas e, mais além, também em relação às atividades comerciais, o que decorre das ações e exações do Estado empresário, constituem-se e manifestam-se como demandas episódicas. Logo, fadadas ao efêmero50.

48

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça citado por SOARES, 2002. p. 64.

49 FONTOURA, J. Imunidade de jurisdição dos Estados Estrangeiros e de seus agentes: uma leitura

ortodoxa. Brasília: CEDI, 2002. p. 78.

50

As normas do Direito Internacional Público não classificam as suas ações em atos de gestão e sim de império, entretanto todos os atos internos estão sob a jurisdição dos tribunais, principalmente pela inafastabilidade do controle judicial, direito constitucional que busca tutelar violações em todos os níveis, mas isso não afasta a imunidade absoluta, preconizada em convenções que o Brasil ratificou.

Parece certo dizer que, de acordo com o direito internacional, a imunidade do Estado se refere ao conjunto de regras e princípios que determinam as condições em que é lícito ao Estado estrangeiro invocar sua não sujeição aos tribunais de um homólogo. Tal invocação, no entanto, sofre abrandamento não só nos tratados que cuidam da matéria, mas também na interpretação dos tribunais nacionais. A restrição baseia-se, em geral, na distinção entre atos de império (acta iure imperii) e atos de gestão (acta iure gestionis)51.

A doutrina define ato de império como aquele em que o Estado age com soberania, quando demanda ou age em negócios particulares, se iguala a eles, estando sujeito ao controle jurisdicional.

Maria Di Pietro sugere, por exemplo, que:

o ato de império é aquele praticado pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes52.

Por ato de gestão, a administrativista entende que seriam os “praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares53”.

O importante é definir critérios para Cooperação Técnica Internacional para se evitar ações e até mesmo execução dos bens dos Organismos internacionais, tema que a doutrina também não pacificou, pois permite a ação, mas a execução ainda não foi pacificada. A renúncia tácita não deve ser considerada e a revelia não pode ser caracterizada como o mesmo instituto.

No precedente da AC nº 9.684, consta do voto do eminente Relator que a convenção de Viena estabelece a exigência de dupla renúncia, que deve ser expressa, tanto na ação quanto na execução. O § 2º do art. 32 da Convenção de Viena contém uma única proposição: ‘a renúncia será sempre expressa’54.

Não há como interpretá-la de forma diferente, visto que os Organismos Internacionais devem declarar expressamente se renunciam à jurisdição e não devem abster-se

51 GARCIA, M. Imunidade do Estado: quem disse que o rei não erra? Brasília: CEDI, 2002. 52

Maria Di Pietro citado por Garcia, 2002. p. 90.

53

Ibid.

54

BASTOS, C. E. C.; MADRUGA FILHO, A. P. A prática da imunidade dos Estados: perspectiva brasileira. Brasília: CEDI, 2002. p. 166.

de se defender na justiça brasileira e nem a Advocacia Geral da União deve representá-los em ações perante à Justiça Brasileira, tema este que será tratado mais adiante.

Contudo o que nos interessa nesse trabalho é tão somente cuidar da questão relativa à fundamentação do RE 222.368-PE, no qual o Ministro Celso de Mello, ao exarar seu voto, apresenta um argumento que, a nosso ver, não faz parte das ponderações clássicas do tema, em sede de Direito internacional Público55.

O trecho que nos interessa é o seguinte:

Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em injusto detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar inaceitável desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e com os grandes postulados do direito internacional56.

É importante lembrar que o Direito Internacional busca a convivência pacífica entre os Estados no estabelecimento de políticas de desenvolvimento da comunidade internacional, mas suas fontes primeiras são os costumes internacionais e os tratados internacionais, traduzidos nos tratados multilaterais e bilaterais constituindo-se em práticas reiteradas de relações com seus pares.

Na verdade, o tema da presença do Estado estrangeiro perante a Justiça nacional tem sido tratado, no Brasil, de forma inadequada, os doutrinadores apegando-se a distinções acta

jure imperii e acta jure gestionis, porém a Jurisprudência, aferrando-se à teoria da imunidade

absoluta, por considerar o Estado estrangeiro totalmente imune aos Poderes Judiciários brasileiro (e sempre, partindo da assunção de que são atos regidos por aquelas Convenções de Viena).

a) a de inadimplência de contratos passados entre uma Missão diplomática em Brasília ou uma Repartição consular e um particular brasileiro ou estrangeiro, mas domiciliado em território nacional, sendo os mais freqüentes, os relativos à construção de edifícios e a locação de imóveis; b) responsabilidade civil por danos causados em acidentes de automóveis, veículos oficiais de Governos estrangeiros e/ou a seu serviço; e c) um sem número de questões trabalhistas, suscitadas por contratos de trabalho entre pessoas domiciliadas no Brasil e que se encontravam empregadas a serviço de embaixadas ou

55

ARAÚJO, N. Direitos fundamentais e imunidades de jurisdição: comentários tópicos ao RE nº 222.368, do STF. BRASÍLIA: CEDI, 2002. p. 186.

56

Repartições consulares de Governos estrangeiros no Brasil, para trabalho a ser prestado em território nacional57.

O tema nos remete a compreensão que um Estado só esta imune se os fundamentos que o fizeram perante as ações judiciais foram determinantes de violações oriundas das relações entre os Estados soberanos e os Organismos Internacionais, pois norma internacional determinante da imunidade deve remeter ao foro judicial alternativo do Estado demandado.

O Direito Internacional não pode promover conflitos que não podem ser solucionados ou sem a guarida do Poder Judiciário, vez que o próprio Direito Internacional ao Trabalho condena esta prática do mesmo modo que a Organização Internacional do Trabalho – OIT.

Outro tema abordado é soberania brasileira frente aos processos trabalhistas, já que não se busca estabelecer um conceito absoluto do tema que inviabilize a discussão e prejudique a relação do Brasil com os Organismos Internacionais.

O problema é sutil. Tome-se como parâmetro o conceito clássico de soberania, tal como proposto por Rezek: “um Estado é soberano quando seu Governo não se subordina a qualquer autoridade que lhe seja superior...”. A submissão à autoridade jurisdicional de Estado estrangeiro parece ser um exemplo que desafia tal definição clássica de soberania. Com efeito, vários autores vêem na relativização da imunidade de jurisdição um dado para a conclusão de que o conceito de soberania deve ser revisto58.

Este escopo foi muito bem enfatizado pelo Professor Verdross, o grande condutor da Convenção de 61, ao esclarecer que a elaboração de um código buscava tornar precisas regras costumeiras muitas vezes incertas, sem embargo da possibilidade de se incorporarem inovações. Neste sentido, o esforço de codificação tem em vista não só transformar o direito não escrito em direito escrito, mas também transformar o direito escrito em direito bem escrito59.

A irresponsabilidade do monarca ou dos governantes, que demoraria ser superada pelo Direito Internacional deve se tornar passado, principalmente na classificação dos atos de gestão e atos de império, pois não se trata de dificultar a atividade da cooperação técnica internacional ou mesmo tornar relativa a imunidade para demandar todas as relações de trabalho perante a Justiça Brasileira, que tem mantido posição na manutenção da Convenção de Viena, após várias decisões contrárias aos Organismos Internacionais.

57

SOARES, F. S. G. Origens e justificativas da imunidade de jurisdição. Brasília: CEDI, 2002. p. 61

58 BASTOS, C. E. C.; MADRUGA FILHO, A. P. A prática da imunidade dos Estados: perspectiva brasileira.

Brasília: CEDI, 2002. p. 254.

59

TORRES, E. B. Questões procedimentais das ações contra o Estados e organizações internacionais. Brasília: CEDI, 2002. p. 276.

2.3 IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO E EXECUÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES