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O atraso social no norte de Goiás e a criação e emancipação do território do estado do

Tocantins

Nesta seção, são analisados alguns indicadores sociais do norte de Goiás na década de1980; a seguir, são assinalados os elementos do processo que levou à criação e emancipação do território do estado

do Tocantins. Para tanto, esta seção está dividida em duas partes: a primeira aborda o atraso social do norte de Goiás; a segunda, a cria- ção e emancipação do território do Tocantins.

O norte de Goiás sempre foi marcado pela condição de isola- mento, por vias de transporte inadequadas para o escoamento da pro- dução, pelo abandono por parte da elite do sul de Goiás, pela pobreza e pela precariedade de condições de vida de seus moradores. Nesse contexto, é importante analisar como eram as condições de vida dos moradores antes da criação do estado do Tocantins. Como vimos anteriormente, o norte goiano se constitui em espaço de expansão de fronteira agrícola, contingenciado pela abertura da BR-153. Sua in- serção histórica no movimento de ocupação do interior do território nacional ocorreu tardiamente, de forma descontinua e marginal.

O avanço dessa fronteira agrícola alterou a estrutura socioeco- nômica vigente, a construção da rodovia Belém-Brasília incentivou a movimentação do excedente de mão de obra nordestina. O caráter indutor dessa rodovia possibilitou a implantação e o crescimento de vários núcleos urbanos, fundamentando a estruturação da rede urba- na no norte de Goiás.

Áreas de terras até então pouco ocupadas tiveram a estrutura produtiva alterada, afetando a composição da mão de obra empregada, como também absorvendo inovações extra-regionais. Os antigos sistemas de roças, o extrativismo vegetal, a pecuária em sistema comunal foram sendo desmantelados pela dinâmica capitalista no campo, que projetou a incorporação privada da terra pela expansão de grandes estabelecimentos rurais e a adoção do trabalho assalariado em substituição às relações tradicionais de trabalho (AJARRA et al., 1991).

Nesse contexto, o impacto social proveniente do processo de incorporação do norte de Goiás à economia de mercado se mostrou mais intenso na sua porção norte, naqueles municípios localizados junto às áreas de expansão das empresas agropecuá-

tivo crescimento da população rural nesse período. O trabalho de derrubada da mata para formação de pasto decrescia logo após o término dessa tarefa e os trabalhadores eram liberados para uma nova etapa migratória.

Durante as décadas de 1970 e 1980, os municípios de Ara- poema, Couto Magalhães e Presidente Kennedy, próximos à Ara- guaína, tiveram duplicada sua população rural em um contexto de amplo domínio da atividade rural, característico da fronteira. Nos censos populacionais de 1970/1980, o contingente urbano apresentou crescimento de 126%, bastante vigoroso, no norte de Goiás, sustentado em razão do próprio crescimento vegetativo de 14%. Essa transformação não significou melhores condições de vida na área urbana, mas, ao contrário, fatores expulsivos nas áreas rurais aumentaram os problemas e a fragilidade da infraestrutura em que se encontravam os centros urbanos nesse período. Nas cidades se cristaliza a pobreza em que vive grande parte da popu- lação. É o que mostram os indicadores de qualidade de vida aqui analisados, como o tipo de domicílio, abastecimento de água e instalações sanitárias.

Nos dados do PNUD (1980) e do Ipeadata (1980), havia no norte de Goiás, em 1980, aproximadamente 135 mil domicílios par- ticulares, dos quais 46% eram rústicos, isto é, tinham como caracte- rística a extrema precariedade da construção, na qual predominava o piso de terra e a cobertura de paredes de taipa. O padrão de constru- ção dos domicílios reflete a condição de vida da população, em sua maioria com pouca possibilidade de aquisição de material de cons- trução que atenda ao padrão mínimo de durabilidade.

Intensificado na década de 1980 como resultado da migração rural-urbana, o processo de urbanização foi agravador da questão so- cial. Em consequência disso, parte expressiva da população do campo teve suas terras usurpadas pela grilagem, seja para reserva de valor, seja para implantação de pasto, fazendo com que buscasse alternati- vas de sobrevivência em núcleos urbanos.

Quanto ao abastecimento de água, 70% dos domicílios utilizavam poço ou nascente e 60% não possuíam qualquer tipo de escoadouro. Para eliminação dos dejetos, o recurso utilizado em 27% dos domicí- lios era a fossa rudimentar, que constitui verdadeira vala negra de escoamento direto para os rios. A provisão dos serviços públicos à população é inexpressiva, com o atendimento da rede de água atingindo apenas 9% e o de energia elétrica 15% (IPEADATA; PNUD, 1980).

Nesse contexto, segundo Ajarra et al. (1991), os centros mais antigos, já deficientes do sistema de abastecimento de água, tiveram agravado o problema de instalação sanitária, enquanto nos novos centros urbanos a omissão pública foi constante nesse setor.

Dos 13 mil domicílios servidos por rede de água, apenas 6% dispunham de água encanada e a fossa séptica era adotada por ape- nas 2,8%. Reflexo da ausência do poder público no provisionamento de bens de consumo coletivo nas áreas de ocupação mais recentes do norte goiano, as condições gerais de habitação e saneamento são apenas uma das manifestações mais evidentes de pobreza e de aban- dono. A precariedade de saneamento agrava a situação da saúde, que tem na subnutrição a causa primeira das doenças que afligem seus habitantes. Uma das doenças mais emblemáticas no norte do Goiás era a hanseníase (IPEADATA; PNUD, 1980).

A deficitária rede de assistência médico-hospitalar, que se tor- nou aguda na zona rural, concorre para que, ainda em 1985, a taxa de mortalidade infantil para cada mil nascimentos atingisse 31,5% em Porto Nacional, 27,5% em Xambioá, 19% em Gurupi e 16% em Monte do Carmo. A própria dinâmica populacional das áreas sub- metidas a um processo intenso de migração, como os garimpos, que mantém a população em constante movimento, constitui focos de transmissão de doenças infectocontagiosas, como a malária, trazida, em grande parte, de garimpos paraenses e que se encontrava em es-

Não menos importante do que a situação da saúde, outro indi- cativo do atraso social em que vivia a maioria da população se relacio- na à educação: elevado índice de analfabetismo, concentração maciça da população estudantil na 1ª série, evasão escolar e elevada taxa de reprovação nas séries iniciais. O fato de as escolas de apenas uma sala de aula ainda representarem, em 1987, cerca de 70% do total de es- tabelecimentos de ensino, mostra bem a dimensão da grave situação em que se encontrava a infraestrutura educacional.

O Ipeadata (1980) constatou que o norte de Goiás apresentava 51% de um total de 609 mil habitantes com cinco anos ou mais que não sabiam ler e escrever. Em 1980, enquanto no campo registravam- -se apenas 40% de alfabetizados acima de cinco anos; nas cidades, esse percentual aumentava para 62%, denotando melhores condições de acesso à escola.

Ajarra et al. (1991) acreditam que essa situação era reflexo de interações socioeconômicas forjadas no curso do processo de incor- poração do território do norte de Goiás à fronteira do Brasil. Os in- dicadores representativos da pobreza em que vivia essa população en- caminham a análise para a compreensão de um processo conduzido fundamentalmente pela atividade rural, que reconsidera até mesmo o sentido da pobreza vista não mais como legado de forças tradicio- nais, mas, ao contrário, como resultado de dinâmica associada a novo padrão agrário projetado em escala nacional.

Enfim, essa era a conjuntura social em que se encontrava a po- pulação do norte goiano antes da divisão territorial. Essa discussão será retomada no próximo capítulo, quando serão analisados os indi- cadores sociais e econômicos do território do estado do Tocantins e as desigualdades municipais entre 1990 e 2010, com o propósito de verificar o que avançou no desenvolvimento social e econômico para a população no mais novo ente federativo.

A seguir, serão apresentados os elementos políticos que leva- ram à redivisão territorial de Goiás.

Criação e emancipação do território do