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Rodovia Belém-Brasília: a reterritorialização do norte de Goiás

Durante a década de 1960 a região norte de Goiás passou por significativa transformação nas suas bases produtivas (agropecuária) e no relacionamento com as demais regiões do país, principalmen- te com o estado de São Paulo, que comandava desde a década de 1930 o novo processo de acumulação de capital baseado na indústria. Essa transformação se deu, sobretudo, por meio das rodovias federais, como a BR 153.

Implementado durante o governo Juscelino Kubitschek, o Pla- no de Metas (1956-1960) ligou as regiões mais longínquas, de es- parsa ocupação, à dinâmica produtiva nacional. Foi o caso do norte de Goiás, influenciado pela construção de Brasília e pelos vultosos investimentos federais em eletrificação, comunicação e rodagem, dentre outros (ABREU, 1994). Essas mudanças ligaram Goiás às di- versas regiões brasileiras, ampliaram a fronteira agrícola nacional e facilitaram sua integração intra e inter-regional.

Segundo Valverde e Dias (1967) e Aquino (1996),a implanta-

ção de um sistema de transportes integrado, com especial destaque à

construção da BR-1532, cortando o estado de Goiás no sentido lon-

gitudinal em direção ao Pará, modificaria a configuração econômica do norte de Goiás a ponto de tirá-lo de vez do isolamento.

2 A ligação rodoviária do norte ao centro-sul do país remonta o primeiro governo Vargas, em 1934, por meio da construção da rodovia Transbasiliana (BR-14). Porém, por falta de recursos financeiros o projeto não foi executado na íntegra. Apenas alguns trechos de estrada foram construídos em Goiás, posteriormente incorporados ao projeto da rodovia Belém-Brasília (BR-153) no governo JK.

Na análise feita por Feitosa (2011), durante as décadas de 1950 a 1980 a população do norte de Goiás quase quadruplicou, passando de 204.041 habitantes em 1950, para 738.688 em 1980. O sul do es- tado, que possuía pouco mais de um milhão de habitantes em 1950, passou para 3,2 milhões em 1980, crescendo na mesma velocidade que o norte goiano e acima do ritmo de crescimento da população brasileira. Em termos relativos, no período de 1950 a 1980, o norte de Goiás registrou uma taxa média de crescimento de 4,4% ao ano; superior à média verificada no sul do estado, de 3,9%; e no Brasil, de 2,9%. Esse crescimento populacional está relacionado à transferência da capital federal para o Planalto Central e ao grande fluxo migra- tório para essa região, advindo do processo de expansão da fronteira agrícola que, desde as primeiras décadas do século XX, havia atingido o sul do estado e agora avançava pelo norte de Goiás em direção à região Norte do Brasil.

Devido aos grandes vazios territoriais, a abertura da rodovia BR 153 atraiu migrantes dos estados limítrofes e contribuiu para o surgimento de novos municípios. Com as obras da rodovia, vários municípios tiveram seus territórios divididos e alteradas a dimensão e a importância que exerciam no conjunto das cidades do norte de Goiás (AQUINO, 1996).

Situação semelhante ocorreu com outras cidades que passaram por uma reformulação espacial, ou seja, um processo de reterrito- rialização na parte norte de Goiás. Para se ter uma dimensão desse processo, em 1950, o norte de Goiás tinha 14 municípios; em 1980, chegou a 52. Araguaína se constituía como o principal polo de base econômica regional nesse período e era o único município com po- pulação acima de 50 mil habitantes em 1980 (FEITOSA, 2011).

Araguaína abastecia um grande número de pequenos povoados que surgiram com a abertura da rodovia. Com uma produção baseada no babaçu, no arroz e na pecuária, adquiria de Belém os combustíveis

mais núcleos urbanos. Do sul de Goiás, especificamente de Anápolis, chegavam produtos como cimento, queijo, álcool, biscoitos e ferro. Muitos desses produtos provinham de São Paulo, o grande centro abastecedor da região; Anápolis apenas exercia a função de centro distribuidor para o norte de Goiás (VALVERDE; DIAS, 1967).

Evidentemente, nem todas as cidades surgiram em função da rodovia. No entanto, a construção da Belém-Brasília e de mais estra- das vicinais deu unidade ao estado de Goiás e fortaleceu a economia agrária da sua região norte inserindo-a na dinâmica capitalista. An- tes da rodovia, as cidades mais prósperas situavam-se ao longo do rio Tocantins, como Porto Nacional e Pedro Afonso. Com a Belém- -Brasília o rio foi perdendo importância como fator de integração econômica, o que fez com que as cidades que estivessem localizadas à margem direita do rio Tocantins encontrassem obstáculo para atingir o novo eixo econômico da região. Várias cidades ribeirinhas ficaram isoladas por falta de pontes sobre o rio (AQUINO, 1996).

A Figura 7 representa os principais modais de transporte no estado do Tocantins, a BR-153 e a ferrovia Norte-Sul, bem como a localização das cidades dinâmicas ao longo da BR-153 e as cidades tradicionais à margem direita do rio Tocantins.

Por outro lado, com a consolidação da BR-153, transplantou- -se o dinamismo que havia nas proximidades do rio para o entor- no da estrada. Com isso, as zonas situadas à margem esquerda do rio Tocantins apresentaram grande dinamismo, seja porque estavam diretamente servidas pela Belém-Brasília, seja porque consegui- ram facilmente ligação com a rodovia por meio de pequenos ramais (AQUINO, 1996).

Outra indicação de que a Belém-Brasília funcionou como fa- tor de urbanização regional foi a comparação entre as taxas de cresci- mento urbano e as taxas de urbanização. A população urbana das ci- dades situadas às margens do rio Tocantins, chamada de tradicionais por Aquino (1996) e Feitosa (2011), cresceu a média anual de 7,8%

e apenas 38,6% da sua população vivia em zonas urbanas em 1980. Por outro lado, desde a década de 1970, praticamente todas as cidades situadas às margens da BR-153, chamadas de dinâmicas por Aquino (1996) e Feitosa (2011), já apresentavam população urbana superior à rural. Em 1980, 70,1% das pessoas que residiam nos muni- cípios considerados dinâmicos estavam localizadas em zonas urbanas, percentual superior à média verificada para o conjunto da população brasileira (67,7%) e de praticamente todas as macrorregiões do país.

Assim, essas cidades dinâmicas estavam associadas às diversas formas de intervenção do governo federal na região norte de Goiás. De um lado, a implantação de infraestrutura econômica impulsiona- va as bases materiais para o desenvolvimento de forças capitalistas, possibilitando o estabelecimento de capitais financeiro, comercial e industrial, que se vinculavam diretamente ao centro dinâmico do país (São Paulo) como pontos de irradiação para o avanço e a incorpora- ção de novas áreas.

Figura 7 - Principais modais de transporte do território do estado do Tocantins – a

BR–153, rio Tocantins e ferrovia Norte-Sul

De outro lado, de acordo com Feitosa (2011), os investimentos produtivos e/ou especulativos decorrentes das facilidades promovidas pelo setor público, via incentivos fiscais do governo federal para as grandes propriedades, ampliaram a concentração fundiária, provoca- ram a expropriação dos pequenos produtores e fizeram com que essas cidades abrigassem um número cada vez maior de habitantes em seus centros urbanos. Devem-se considerar, ainda, as secas nordestinas de 1966, 1970 e 1979, que forçaram a migração de muitas pessoas que buscaram abrigo nas regiões limítrofes aos seus estados, provocando um grande afluxo de migrantes do Maranhão e do Piauí para as ci- dades às margens da BR-153 no norte de Goiás.

A expansão urbana das cidades que iam surgindo ao longo da rodovia Belém-Brasília não era a mesma encontrada nos municí- pios do lado direito. Analisando o Censo Demográfico do IBGE em 1980, 40% da população do norte goiano vivia em áreas urba- nas e 60% em zonas rurais. O norte de Goiás era a única área do Centro-Oeste cuja população rural era superior à urbana. Embora a população rural tenha apresentado taxas superiores à urbana, já se observava uma mudança na distribuição da população. Na década de 1980, a concentração nos centros urbanos foi uma tendência nacional devido à expansão da urbanização e da saída de grandes contingentes de pessoas do campo.

Aquino (1996) e Souza (2002) destacam que, no norte de Goiás, a construção da rodovia Belém-Brasília e a dinamização de algumas cidades exerceram fator de atração para uma parcela da população que vivia no campo. Entretanto, devem-se considerar as transformações ocorridas no meio rural (mecanização agrícola) e a não absorção da mão de obra disponível no campo. Assim, a estrutura fundiária da região, apoiada em um sistema de grandes propriedades ligadas às atividades poupadoras de mão de obra, certamente funcio- nou como fator de expulsão.

É nessa conjuntura que se podem compreender as implicações que a construção da rodovia Belém-Brasília exerceu sobre as cidades criadas ao longo do seu trajeto, dando nova dinâmica ao processo de urbanização, crescimento econômico e atração de novos investimentos nos setores primários, de transformação e de serviços.

Incentivos fiscais do governo federal e a