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A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JUDICIÁRIO NAS VARAS DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES

PRECATÓRIA

3.1 A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JUDICIÁRIO NAS VARAS DE FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES

“Nas Varas da Família ouve-se o eco das apelações insatisfeitas, os desencontros amorosos causando a demanda de uma reparação, esperando que a Lei possa colocar-se na posição de regular o irregulável” (BARROS, 1997, p. 40).

O trabalho pericial realizado pelo psicólogo, assim como o de outros profissionais, segue os mesmos princípios, requisitos e etapas processuais definidos pelo CPC, já mencionados nos capítulos anteriores. Seu objetivo é o de destacar e analisar os aspectos psicológicos das pessoas envolvidas em que se discutam questões afetivo-comportamentais da dinâmica familiar, ocultas por trás das relações processuais, e que garantam os direitos e o bem-estar da criança e/ou adolescente, a fim de auxiliar o juiz na tomada de decisão que melhor atenda às necessidades dessas pessoas. Porém, como se verá adiante, as observações e conclusões dos psicólogos judiciários das Varas de Família não são conclusivas, isto é, não trazem uma figura estática daquele contexto familiar, porque é importante que os psicólogos considerem o caráter dinâmico das relações familiares e das fases de desenvolvimento da(s) criança(s) em questão. Além disso, a natureza jurídica das questões de Varas de Família envolvendo menores considera essa dinâmica, mas por outra razão: enquanto a criança não atingir a maioridade civil, não estará apta a assumir a responsabilidade por seus comportamentos e escolhas, e ainda dependerá da tutela dos pais (ou quem os substitua), o que cessa definitivamente quando completar a maioridade.

SHINE (1999), em entrevista ao Jornal do CRP-SP – set./out.-99, afirma que há muitas divergências quanto aos termos, conceitos e denominações dos elementos e procedimentos necessários à investigação psicológica, pois há uma forte influência do Direito na Psicologia. Para ele, como o Direito chama de perícia todo parecer técnico especializado, os psicólogos judiciários realizam, segundo a terminologia jurídica, umaperícia psicológica, o que está sendo alvo de discussões na Comissão de Justiça do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo que, juntamente com a Comissão de Avaliação Psicológica da mesma instituição, está realizando um trabalho destinado a definir os termos a serem utilizados pela Psicologia Judiciária, através de documentos legais que ilustram diferentes trabalhos e terminologias empregadas.

O trabalho do psicólogo judiciário varia de acordo com o Foro em que atua.1 Em alguns lugares,

pode atuar juntamente com o assistente social no trabalho de triagem e encaminhamento dos casos atendidos. Mas sua função primordial é a elaboração de laudo, que é um documento que reúne as conclusões de uma avaliação que se destina a estudar o significado psicológico que levou aquela pessoa a mover a ação, seus anseios e dificuldades.

Caberia, aqui, apenas uma observação: embora se trate da Psicologia no interior do sistema judiciário, os procedimentos para sua atuação são definidos por provimentos de órgãos da Justiça, sem

qualquer participação do Conselho Federal ou Conselhos Regionais de Psicologia. Por que isso aconteceu? Diante das dificuldades enfrentadas, ainda nos dias atuais, pelos psicólogos que atuam no Judiciário, deveria haver uma ação mais contundente dos órgãos fiscalizadores da Psicologia, para que ela pudesse delimitar o seu espaço na interface com o Direito.

Nas Varas da Infância e da Juventude se lida predominantemente com questões ligadas à adoção, maus-tratos, negligência dos pais ou responsáveis, abuso sexual e acolhimento da criança ou adolescente em instituições. Nesses casos, a presença e o acompanhamento direto do psicólogo são fundamentais para o adequado estudo de caso e para a redação de um laudo pericial devidamente fundamentado, que auxilie o juiz na tomada de decisão mais favorável aos interesses da criança e/ou adolescente.

É importante destacar que, um adequado atendimento clínico (psicoterapêutico) à população divorciada ou em processo físico e/ou judicial de separação/divórcio torna-se fundamental para o acompanhamento desses indivíduos, auxiliando-os a lidarem mais adequadamente com o divórcio, sem causar prejuízos psicológicos a si e aos familiares, principalmente se há filhos. Por isso, cabe aqui a sugestão às Universidades que, ao lado da formação dos psicólogos para as questões jurídicas (preparação para as funções de assistente técnico e mediador familiar), as clínicas-escolas universitárias podem também fazer um estudo acerca desse aspecto do estado civil da população atendida, e assim aprimorar a qualidade dos serviços prestados em conformidade com as necessidades da demanda, seu nível de eficácia, e a sistematização e comunicação científica das experiências profissionais, visando à troca de informações, novas pesquisas e formação continuada dos profissionais e acadêmicos. No caso da população atendida, a melhoria na qualidade do serviço, tornando-o mais específico à demanda, causaria nas pessoas a conscientização da importância de não agravarem os conflitos psicológicos nas demandas judiciais, para que os divórcios não sejam mais “campos de batalhas sangrentas e hediondas” – e diga-se, desnecessárias, dispendiosas e desgastantes – como se vê atualmente, com lamentável frequência...

O objetivo básico do serviço de Psicologia é o de elaborar um esboço, o mais fidedigno possível, acerca da situação das crianças e suas famílias. Esse perfil auxilia a decisão do juiz em casos de disputa pela guarda dos filhos, adoção e outros, de modo a que se respeitem as características psicológicas de cada caso, visando principalmente à saúde mental da criança ou do adolescente envolvido.

Mas, o que se observa na maior parte das situações, é que o trabalho pericial do psicólogo se torna limitado ao laudo que fornecerá subsídios à decisão do juiz. O que muitos profissionais lutam para conseguir é um espaço em que possam ampliar seu campo de atuação, transcendendo a mera função estrita de perito para buscar uma intervenção que, além do diagnóstico, traga algum retorno ou implicação terapêutica, seja por interpretações, seja por um conteúdo que envolva aspectos psicodinâmicos em benefício da estrutura familiar.

O trabalho não é preventivo, uma vez que as pessoas já chegam com uma problemática de intensa gravidade, e com uma dinâmica psíquica bastante comprometida. Através da orientação, busca-se amenizar as consequências nefastas das dificuldades e problemas, e intervir, de forma sutil, visando a um intercâmbio saudável, que possa preservar a família e especialmente os direitos da criança em seu núcleo familiar.

O grande problema é que, como já mencionado anteriormente, as pessoas que acorrem ao Judiciário desejam ser atendidas imediatamente, através de uma decisão legal. Não estão interessadas

ou preocupadas em realizar uma reflexão acerca de seu papel na dinâmica familiar ou sua conduta e repercussão na realidade interna ou externa, e por isso, consideram o trabalho do psicólogo judiciário como uma mera função burocrática que retarda o andamento do processo. Em determinadas situações limites, com alto nível de comprometimento emocional e com as relações afetivas muito deterioradas, as pessoas buscam soluções rápidas – mesmo que extremadas – para eliminar o sofrimento, e rejeitam qualquer tipo de intervenção, tendo a intenção de manter a situação como se encontra, não a reconhecendo como problemática (BERNO, 1999).

Esse contexto diferenciado da perícia psicológica em âmbito judicial, em relação à psicoterapia, causa mudanças de postura da pessoa. FREUD (1906/1980), no texto A Psicanálise e a determinação dos fatos nos processos jurídicos, alerta que, nos atendimentos judiciais, a pessoa pode censurar seus pensamentos e verbalizações, em razão das questões que estão sendo julgadas. SACRAMENTO (2012, p. 19) entende que os psicólogos precisam ter uma análise aprofundada do contexto (clínico ou jurídico) em que expressam (ou deixam de expressar) seus sentimentos ou verbalizações, em termos de aspectos conscientes e inconscientes, verbais e não verbais, autênticos e não autênticos, individuais ou grupais. “Por exemplo, no decorrer de um atendimento terapêutico, o psicólogo procurará entender, junto com o paciente, os motivos de tais censuras; no atendimento para fins jurídicos, a censura que se apresenta é algo que o cliente, geralmente, tem consciência e não fala por achar que pode prejudicá-lo” (p. 19).

Existem situações que necessitam do envolvimento com a Justiça para sua compreensão e solução, que não foi conseguida em nenhum outro segmento da sociedade. Nesse caso, o Judiciário carrega o estigma do julgamento, e a Vara da Infância e da Juventude, por integrar esta instituição maior, é vista como detentora do poder de levar a criança, o adolescente ou o adulto a se ver na condição de réu, dependendo de suas angústias. Além disso, a população tem da instituição judiciária uma visão paternalista, protetora, responsável pelas pessoas e com função de impor limites.

Muitas vezes, de acordo com o relato dos técnicos entrevistados, a melhor solução técnica não é igual à melhor solução jurídica, o que exige uma discussão e análise por parte do juiz, psicólogos e assistentes sociais para se encontrar a melhor solução possível, visando ao bem-estar das pessoas, especialmente as crianças envolvidas na questão. Nesse caso, o psicólogo inicia uma leitura psicológica do pedido e esclarece a real demanda para, posteriormente intervir, propor e acompanhar o desenvolvimento de uma situação apresentada (BERNO, 1999). Um exemplo eventual seria suspender os autos por um ano e indicar tratamento psicoterapêutico de um dos filhos de um determinado casal neste mesmo intervalo, com acompanhamento do psicólogo judiciário e posterior reavaliação, podendo-se ou não, a partir daí, continuar o processo ou encerrálo (VAINER, 1999).

É preciso também considerar que, em geral, as pessoas buscam o Judiciário para regularizar uma situação legal enquanto medida final, sem ter consciência de que essa medida legal, por si só, já traz consequências em suas vidas. Isso acontece porque as pessoas nem sempre (ou raramente) se dão conta do que realmente desejam, e o processo encaminhado à Vara não expressa adequadamente aquilo que as pessoas realmente querem para si (BERNO, 1999).

Deve-se também considerar que, na maioria das vezes, a parte que perde a ação pode recorrer e ingressar em juízo com novas ações, repetindo e perpetuando os conflitos familiares que não puderam ser resolvidos oportunamente. Com isso, intensificam-se as discórdias, angústias, ressentimentos, dúvidas e rivalidades, envolvendo todas as pessoas da situação familiar.

ruptura da representação desqualificadora da criança como alguém “incompleto”, pois a criança deve receber compreensão, respeito, afeto, e valorização dos seus potenciais e limites para que possa enfrentar os dilemas cotidianos, construir sua identidade e participar da história e da cultura de seu tempo.

3.1.1 Mito familiar, separação e divórcio

Nas Varas da Família e das Sucessões, os casos envolvem separação (consensual ou litigiosa) com ou sem disputa de guarda de filhos menores, divórcio (consensual ou litigioso) com ou sem disputa de guarda de filhos menores, regulamentação de visitas, modificação de guarda, pensão alimentícia, investigação de paternidade2e o trabalho do psicólogo se restringe à avaliação e elaboração do laudo,

para determinar qual é o genitor “mais adequado” para cuidar da criança e/ou adolescente, e qual a melhor maneira de se instituir visitas sem prejudicar ainda mais os já deteriorados laços familiares.

A mudança de guarda é o processo no qual ambos os genitores estão em litígio, ou mesmo os avós, brigando pelo direito de residir com a criança ou adolescente; enquanto que a regulamentação de visitas é o processo proposto por aquele que não detém a guarda da criança, para assegurar o direito (e o desejo) de visitar a criança. Ambos visam o bem-estar da criança, mas revelam conflitos familiares inconscientes, muitas vezes anteriores à própria ação pretendida. Assim, por exemplo, a disputa de guarda serve para que o(a) genitor(a) que detém a guarda da criança possa assegurar-se financeiramente, por meio da determinação legal e judicial de que o(a) outro(a) genitor(a) que não detém a guarda deva contribuir com recursos financeiros para as necessidades básicas da criança (SILVA, III Congresso Ibero-Americano de Psicologia Jurídica, 1999).

O que se observa, porém, é que nas Varas da Família e das Sucessões dos Foros Regionais e dos Tribunais de Justiça estaduais, priorizam-se os casos em que há filhos envolvidos (direta ou indiretamente) nas relações processuais. Isso porque, como membro da família afetivamente mais sensível, a criança percebe mais facilmente os efeitos nocivos de uma desestruturação familiar, e por esse motivo sofre os maiores prejuízos emocionais e comportamentais. Além disso, os ex-cônjuges tentam punir-se mutuamente através dos filhos, utilizando-os como instrumento de vazão às suas frustrações e dificuldades, ou como um “troféu” diante da “derrota” do outro no litígio (VAINER, 1999).

Os casais que chegam aos litígios nas Varas de Família e Sucessões são vistos como casais parentais, que devem resolver seus conflitos sem prejudicar o interesse das crianças. Mas, como isso é possível, se estão sob forte pressão emocional e, além disso, são relegados a um segundo plano enquanto casal ou ex-casal marital? Infelizmente, não parece haver uma preocupação maior ou específica com os adultos, já que a Vara da Família e a Vara da Infância não foram criadas para esse fim. As intervenções nesse sentido são secundárias; pode até ser sugerida uma ajuda profissional, porém fora do âmbito estatal.

Em todos os grupos humanos, a família constitui-se no primordial veículo de transmissão de cultura da sociedade, e responsável pelo desenvolvimento psíquico dos indivíduos. Mas ao longo da história da humanidade, o modelo de família vem se alterando, e a ambição de restaurar a família em seus moldes tradicionais depara-se com o relaxamento dos vínculos e o declínio social da figura paterna: aparecem, então novos vínculos familiares, formados por meio-irmãos de diversas uniões, modos artificiais de procriação, pais solteiros e, sobretudo, a nova posição da mulher como chefe

(única) de família – seja solteira, separada, divorciada ou viúva, ou ainda como opção de “produção independente” (ABREU, A., III Congresso Ibero-Americano de Psicologia Jurídica, 1999). O Judiciário, o Direito de Família, os operadores do Direito (juízes, advogados, promotores) e os psicólogos devem estar atentos e acompanhar essas transformações.

A própria família constrói uma história fantasiosa sobre si mesma, que tende a deformar a maneira como ela realmente é e como funciona. Com isso, certos sentimentos e padrões de interação ficam inconscientes aos membros da família, através de mecanismos de defesa, de modo que eles não percebem a dinâmica envolvida neste jogo. Assim, esses conteúdos inconscientes passam a compor o mito familiar. O mito significa que a maneira como a família entende a si mesma não é concreta (não corresponde a processos reais em jogo), e passa a organizar-se em torno de uma ideologia, de uma visão sobre o mundo e suas dificuldades, e principalmente quem é o membro da família que deve carregar o problema, que lhes parece mais aceitável como se fosse uma história verdadeira (DIAS, 1990).

Principalmente em se tratando de crianças envolvidas nos litígios, cabe perguntar: qual o lugar que essa criança ocupa nessa disputa? Será ela realmente o foco central desse processo? Em quem acreditar? Procura-se, então, uma solução que proteja a criança, observando-se também a maneira como ela interage com as figuras parentais e qual o significado, para ela, da separação dos pais. O contato com a criança deve ser, então, cauteloso, pois ela sente-se, na maioria das vezes, muito só, carente e insegura, culpando-se pela separação dos pais (ANAF, C., III Congresso Ibero-Americano de Psicologia Jurídica – 1999).

As principais dificuldades entre o casal, e que resultam nas ações de separação ou divórcio de maneira litigiosa, disputa de guarda, regulamentação de visitas, pedido de pensão alimentícia ou reconhecimento de paternidade derivam da estrutura de personalidade de cada um dos ex-cônjuges, e da maneira como ambos constroem a relação familiar.

A motivação para a escolha do(a) parceiro(a) é, em geral, inconsciente. Isso significa que dificilmente as pessoas conseguem apresentar razões consistentes acerca do por que aquela pessoa foi escolhida, no meio de milhões de outras. Raramente fogem de respostas banais, quando, no máximo, exaltam as boas qualidades do indivíduo amado. Mas esses conteúdos inconscientes, originários dos relacionamentos da infância, são os que realmente atuam como ímã para a eleição do parceiro e o estabelecimento e manutenção do contrato secreto do casamento, uma vez que apresentam padrões repetitivos de comportamento derivados das primeiras etapas do desenvolvimento com as figuras parentais, sejam elas os pais ou as pessoas significativas que cuidaram dessas pessoas quando eram crianças (DIAS, 1990).

Para NERY (2003), de abordagem psicodramatista, em sua obra Vínculo e afetividade – caminhos das relações humanas, a matriz de identidade depende dos vínculos que ela estabelece com o(s) outro(s), no primeiro grupo social na vida do ser humano, de modo que não é somente a criança que se vincula, mas esse(s) outro(s) também complementará(ão) seus papéis ou imporá(ão) uma complementação de papéis a ela. E todos os vínculos são permeados pela afetividade. Para a autora, o “(...) aprendizado emocional resulta, pois, na nossa modalidade vincular afetiva com o mundo, que se constituirá no desempenho dos nossos papéis em cada vínculo que estabelecemos” (p. 21). E a afetividade determinará a qualidade dos vínculos, que podem levar ao desenvolvimento do ser humano, ou a estados patológicos (e até autodestrutivos).

diversas cargas afetivas (positivas ou negativas) influenciam na formação de papéis complementares internos (formados pelas crenças básicas do indivíduo, valores, autoconceito) que, se forem patológicas, causam angústias e sofrimentos e resultam no estabelecimento de vinculações patológicas com o(s) outro(s)3; por sua vez, o papel complementar interno positivo favorece o estabelecimento de

vinculações afetivas saudáveis com o(s) outro(s). “A conservação de conduta ainda está relacionada à construção da subjetividade e à assunção de ‘identidades’, advindas dos aspectos internalizados dos vínculos compostos de lógicas afetivas de conduta” (NERY, 2003,cit., p. 26).

MILJKOVITCH (2012) postula, em seu livro Os fundamentos da relação afetiva, que “a dinâmica amorosa do adulto, com os meios que ele aciona para estabelecer uma relação, é determinada, em parte, por aquilo que aprendeu nas suas experiências precoces” (p. XIX – Introdução). Assim, a autora entende que a pessoa é mais influenciada pelas representações que ficaram dos acontecimentos, e nem tanto pelos acontecimentos em si. E que um mesmo acontecimento pode ter um significado e um impacto muito diferentes, conforme o momento que a pessoa esteja vivenciando.

A referida autora (2012, cit., p. 10-11) entende que o que o indivíduo vive em sua relação a dois pode atualizar sentimentos ligados a situações passadas, conforme a qualidade dos laços afetivos com seus pais. Se estes, nas situações de estresse, novos desafios da criança, ofereceram oportunidades de tranquilidade e confiança no filho, na idade adulta este indivíduo construirá um modelo de trocas afetivas saudáveis e positivas com o(s) outro(s); mas, se esses pais passaram a sensação de insegurança, de hostilidade ou de desconfiança na capacidade do filho, este reagirá de forma patológica a qualquer atitude do(s) outro(s) em suas relações amorosas (o indivíduo interpretará a atitude do(s) outro(s) conforme o modelo de desprezo ou de hostilidade que os pais lhe demonstraram), mesmo que essa interpretação não tenha nenhuma fundamentação fática.

A escolha inconsciente do parceiro pressupõe um ajuste de duas personalidades, como se cada um dos parceiros procurasse no outro aspectos que não conseguiu desenvolver em si mesmo ou, por outro lado, justamente aquela dificuldade que também possui, para ambos se protegerem do objeto temido. Com isso, ocorre um encaixe desses aspectos doentios de ambas as personalidades, também denominado “conluio” (pactos inconscientes ou “lealdades invisíveis”). Assim, no ato da escolha, um captou que poderia ajudar o outro a encontrar juntos uma saída mais adequada (ou conveniente) para as dificuldades em lidar com sentimentos hostis, o que sozinho não conseguiria. Mas, essa carga dupla, na qual apenas um elemento do casal possua um aspecto vivido e o outro não, acaba por pesar na experiência de ambos. Existe uma ansiedade que faz com que seja importante conservar esses aspectos, mas no outro, o que pode gerar um processo de mútua digladiação (DIAS, 1990).

O processo que se arrasta (muitas vezes por anos!) nas Varas dos Foros e Tribunais pode ter-se iniciado na eleição inconsciente do parceiro, na realização do casamento, no desenrolar da vida conjugal, no significado dos filhos, profissão e demais familiares para o casal, e finalmente, a maneira como esse casal se separa e resolve suas questões em litígio.4

Ao iniciar a relação, cada um dos cônjuges busca no outro a satisfação de suas próprias fantasias inconscientes, como uma forma de libertar-se dos conflitos e feridas libidinais originárias de suas relações parentais. Cada um cria a expectativa de ser curado pelo outro, e assim evitar o contato com