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O PERITO PSICÓLOGO DAS VARAS DE FAMÍLIA E VARAS DE INFÂNCIA

O psicólogo que atua como perito é um profissional da confiança do juiz, segundo critérios de capacitação técnica e idoneidade. No caso do Setor de Psicologia dos Foros Regionais e Tribunais de Justiça estaduais, os psicólogos são concursados, mediante provas eliminatórias, e fazem parte do quadro funcional do Judiciário.6

Veremos oportunamente que alguns aspectos elencados no novo CPC/2015 se aplicam ao perito psicólogo (por se tratar de uma perícia semelhante a qualquer outra) e há particularidades às quais o dispositivo legal não se aplica à perícia psicológica (por especificidades que a diferenciam de qualquer outra perícia).

A capacitação do perito psicólogo está mencionada no art. 1º, b, do Código de Ética Profissional dos Psicólogos (CEPP), de 2005, a saber:

“Art. 1º CEPP. São deveres fundamentais do Psicólogo: [...]

b) Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente;

[...]”.

Como em qualquer área da Psicologia, o psicólogo que atua nas Varas da Infância e da Juventude, nas Varas de Família e Sucessões e nos Tribunais de Justiça dos Estados deve se submeter à psicoterapia, a fim de lidar com suas emoções e dificuldades, por trabalhar com situações-limite. Ao lado disso, é um profissional em constante treinamento, realizando cursos de reciclagem, atualização e especialização, patrocinado pelos convênios dos Foros e Tribunais (BERNO, 1999). É fundamental que o psicólogo judiciário esteja atento à literatura específica como forma de expansão do conhecimento, estudando e revisando a bibliografia com o objetivo de respaldar o laudo pericial; além disso, deve haver constante troca de informações através de contatos com outros profissionais que atuam na área – mesmo entre peritos e assistentes técnicos – a fim de aperfeiçoarem o método e as técnicas de trabalho utilizadas. Mas, acima de tudo, é a prática diária que aprimora o conhecimento que requer a todo instante uma intervenção que possibilite olhar, reconhecer e amparar o outro enquanto sujeito de direito e sujeito social (SILVA, VASCONCELOS e MAGALHÃES, p. 115-122. In: FERNANDES, 2001).

O psiquiatra forense Guido Palomba, em entrevista à Viver Psicologia (set./99), afirma que um bom perito deve ser, antes de tudo, um bom profissional com no mínimo dois anos de prática clínica, a fim de conhecer o diagnóstico, mas a partir daí, precisa saber articular o discurso médico ou psicológico com o forense. Para isso, é preciso que ele se vincule, após a graduação, a algum serviço de perícia, para que adquira a habilidade de ler processos, examinar e discutir casos. É preciso atualizar-se constantemente.

Como será visto oportunamente, o psicólogo encontra-se em uma encruzilhada entre a ética do cuidado (ideal terapêutico) e a lógica da Justiça (produção da “verdade”). Sua função oscila entre limitar-se à tarefa de resolver o conflito do casal e o de transcender ao mero maniqueísmo certo/errado, ganhador/perdedor, inocente/culpado esperado pelo Judiciário. Com isso, ele pode (e deve) observar e ampliar a visão da situação, e precisa de maior espaço (físico, institucional e profissional) para desempenhar tais tarefas adequadamente (SHINE e RAMOS, 1999).

ZAMBON (CRPSP, 2010, p. 10 – Caderno Temático CRPSP nº 10) afirma que o conflito deveria ter sido trabalhado antes de ir para a Justiça, para evitar que crianças e adolescentes fiquem expostos a situações de risco diante dos litígios dos pais. No entanto, na prática, quando outros aparatos falham, o Poder Judiciário se vê como último recurso visando evitar o risco e exercer os mecanismos de proteção. GROENINGA (CRPSP, 2010, p. 22 – Caderno Temático CRPSP nº 10) complementa a seguinte reflexão acerca do conflito: há uma diferença de abordagem de conflitos pelo Direito e pela Psicologia: enquanto para o primeiro refere-se à pretensão resistida, resolvendo-se ao final do processo, para a segunda, o conflito não se resolve porque faz parte da vida, mas sim porque se transforma. Quando o conflito se transforma em um impasse, pode acabar sendo encaminhado ao Judiciário sob a forma de lide. Contudo, o tratamento que o Judiciário costuma dar às lides acaba cronificando o conflito, e, por isso, os profissionais de Psicologia precisam ter um olhar diferenciado para não reproduzirem a adversariedade das partes, enviesando a ética psicológica.

Importante: conforme se verá oportunamente na questão da Avaliação Psicológica,7 o perito

psicólogo deve ter autonomia e independência para selecionar os procedimentos mais adequados à análise do contexto familiar em questão, sem interferências externas (ex.: pressão de qualquer das partes, ou imposição do juiz), salvo, obviamente, as restrições éticas e técnicas pertinentes à regulamentação profissional, conforme se verifica:

“Resolução CFP nº 008/2010

Dispõe sobre a atuação do psicólogo como perito e assistente técnico no Poder Judiciário. [...]

Capítulo I

Realização da Perícia

Art. 1º O Psicólogo Perito e o psicólogo assistente técnico devem evitar qualquer tipo de interferência durante a avaliação que possa prejudicar o princípio da autonomia teórico-técnica e ético- profissional, e que possa constranger o periciando durante o atendimento”.

A expressão “devem evitar qualquer tipo de interferência” se refere, inclusive, ao magistrado, o qual não deve restringir o trabalho pericial, mas, ao revés, deve permitir ao perito total autonomia para realizar o trabalho para o qual foi nomeado. Com efeito, o perito deve avaliar quais as pessoas que devem ser incluídas ou excluídas da avaliação, ou quais os testes que pretende aplicar, conforme seus critérios, e não com base na conveniência de terceiros.

Neste sentido, preleciona PONTES DE MIRANDA (3. ed., 2011, p. 489-490):

“Os peritos, nos exames e conclusões, procedem com liberdade. Sem liberdade de pesquisa e de pensamento não se pode acertar, ou se acerta por acaso; [...]

Se de algum fato, ou estado pretérito, precisa o perito para chegar às respostas aos quesitos, o caminho é a informação testemunhal, testemunhas informadoras, que as partes podem ter sugerido,

ou podem ter sido sugeridas pelo juiz, ou encontradas pelo perito. [...]”.

Na mesma trilha é a lição de ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA (3. ed., 2011, p. 228), verbis:

“Para o desempenho de sua função, perito e assistentes técnicos, em muitos casos, precisam ter notícia de fatos que lhes permitam, conjugados com as constatações feitas no objeto material de seu exame ou vistoria, interpretá-las e apreciá-las, de modo a esclarecer adequadamente as questões que lhe são propostas no processo. Na primeira parte da disposição em exame, peritos e assistentes técnicos são autorizados a se utilizarem de todos os meios necessários para acesso ao conhecimento daqueles fatos. Mais do que isso, como assinala Moniz de Aragão, deve-se ver nessa regra uma verdadeira imposição no sentido de que se utilizem tais meios SEMPRE que, disponíveis, constituam condição para a consecução dos esclarecimentos que se esperam da perícia”.

2.4 FUNDAMENTAÇÃO LEGAL PARA A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO