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AUDITORIA AMBIENTAL COMPULSÓRIA: GÊNESE LEGISLATIVA E

4 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA AUDITORIA

4.1 AUDITORIA AMBIENTAL COMPULSÓRIA: GÊNESE LEGISLATIVA E

A auditoria ambiental compulsória encontra-se num estágio normativo em que

vai se firmando como instrumento de política púbica ambiental, sendo necessário

recorrer à base principiológica do instituto através do estudo do Direito

Constitucional Ambiental, por oferecer os fundamentos teóricos da questão jurídica

investigada.

A Constituição Federal é o comando normativo máximo da PNMA. Neste

sentido, são válidas as lições de Sirvinskas (2011, p. 113):

O direito ambiental está todo calcado na Constituição Federal de

1988, mas seu estudo precede a esse instrumento máximo do nosso

país. Como saber jurídico ambiental, essa ciência desenvolveu-se

rapidamente nas últimas décadas, com farta legislação elaborada

pela doutrina nas esferas da União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, e pela jurisprudência, produzida nas diversas Cortes

brasileiras. Não resta dúvida de que o estudo dessa ciência deve

partir da análise de nosso arcabouço constitucional, em que

encontraremos a estrutura organizacional e executiva da Política

Nacional do Meio Ambiente de todo país.

Os princípios do Direito Constitucional Ambiental oferecem os pressupostos

basilares no estudo da questão jurídica investigada, irradiando nas normas jurídicas

de forma expressa ou implícita:

Os princípios jurídicos podem ser implícitos ou explícitos. Explícitos

são aqueles que estão claramente escritos nos textos legais e,

fundamentalmente, na CRBF; implícitos são os princípios que

decorrem do sistema constitucional, ainda que não encontrem

escritos.

É importante frisar que tanto os princípios explícitos como os

princípios implícitos são dotados de positividade e, portanto, devem

ser levados em conta pelo aplicador da ordem jurídica, tanto no

âmbito do Poder Judiciário, como no âmbito Executivo ou do

Legislativo. Os princípios jurídicos ambientais devem ser buscados,

no caso do ordenamento jurídico brasileiro, em nossa Constituição e

nos fundamentos éticos que ilumina as relações entre os seres

humanos [...] (ANTUNES, 2011, p.24).

O art. 225 da Constituição Federal de 1988,

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de forma inovadora, elencou uma

série de princípios expressos ou implícitos destinados à proteção do meio ambiente,

dentre eles, o princípio do desenvolvimento sustentável e o princípio da tutela

estatal.

O princípio do desenvolvimento sustentável tem por objetivo garantir um meio

ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. A ética

da solidariedade entre as gerações apresenta-se como uma vertente do princípio do

desenvolvimento sustentável, conforme esclarece Machado (2008, p. 130):

A Constituição estabelece as presentes e futuras gerações como

destinatárias da defesa e da preservação do meio ambiente. O

relacionamento das gerações com o meio ambiente não poderá ser

levado a feito de forma separada, como se a presença humana no

planeta não fosse uma cadeia de elos sucessivos. O art.225

consagra a ética da solidariedade entre as gerações, pois as

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A Constituição Federal de 1988 estabelece:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.(BRASIL,PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988).

gerações presentes não podem usar o meio ambiente fabricando a

escassez e a debilidade para as gerações vindouras.

O modelo de desenvolvimento sustentável constitucionalmente estabelecido

fundamenta-se na coexistência harmônica entre a preservação dos recursos ambientais

para as presentes e futuras gerações e o desenvolvimento econômico-social.

A PNMA, através de dispositivos da Lei 6.938/81, também adota o princípio do

desenvolvimento sustentável. A Lei da PNMA atribui à preservação, à melhoria e à

recuperação da qualidade ambiental a condição de meio de obtenção do

desenvolvimento socioeconômico. Estabelece como objetivo da PNMA a

compatibilidade do desenvolvimento econômico-social e a preservação da qualidade

ambiental e do equilíbrio ecológico. Aponta como alvos da PNMA, entre outros, a

utilização racional e a disponibilidade permanente dos recursos ambientais (BRASIL,

TCU, 2001).

Os conceitos básicos do princípio do desenvolvimento sustentável são

apresentados por Valle (2004, p.28-29):

Desenvolvimento sustentável significa atender às necessidades da

geração atual sem comprometer o direito de as futuras gerações

atenderem a suas próprias necessidades. Nessa definição estão

embutidos dois conceitos com os quais precisamos doravante

conviver. O primeiro é o conceito das necessidades, que podem

variar de sociedade para sociedade, mas que devem ser satisfeitas

para assegurar as condições essenciais de vida a todos,

indistintamente. O segundo conceito é o de limitação, que reconhece

a necessidade de a tecnologia desenvolver soluções que conservem

os recursos limitados atulamente disponíveis e que permitam

renová-los à medida que sejam necessários às futuras gerações. O

desenvolvimento sustentável deve, portanto, assegurar as

necessidades econômicas sociais e ambientais, sem comprometer

nenhuma delas.

Na expressão necessidades, o princípio do desenvolvimento sustentável

apresenta um viés social, cujo objetivo é assegurar qualidade ambiental com boas

condições de bem-estar do homem e de seu desenvolvimento.

A aplicabilidade do princípio na vertente do desenvolvimento social e os

problemas sociais do Brasil são abordados por Antunes (2011, p. 27):

Qualquer análise que se faça do estado do meio ambiente no Brasil-

e, nisto, nada temos de diferente dos demais países do mundo-

demonstrará que os principiais problemas ambientais se encontram

nas áreas mais pobres e que as grandes vitímas do descontrole

ambiental são os mais desafortunados. De fato, há uma relação

perversa entre condições ambientais e pobreza. Assim, parece óbvio

que a qualidade ambiental somente poderá ser melhorada com mais

adequada distribuição de renda entre membros de nossa sociedade

[...]

Conforme já abordado, a auditoria ambiental encontra-se consagrada

internacionalmente entre os novos instrumentos de controle ambiental para garantir

a efetividade do paradigma do desenvolvimento sustentável. As práticas obrigatórias

de auditoria ambiental utilizadas de forma adequada são especialmente importantes

para a avaliação sistemática, regular e objetiva dos resultados obtidos pelos agentes

poluidores em relação ao meio ambiente, permitindo não só o cumprimento da

legislação ambiental, como também pode constituir-se em eficaz instrumento para a

melhoria contínua do comportamento dos agentes poluidores com relação ao meio

ambiente, bem como uma base firme para corrigir ou minimizar os impactos

ambientais negativos.

A incorporação da auditoria ambiental compulsória como instrumento de

política publica ambiental, através de estratégias de prevenção, correção e melhoria

contínua de determinadas atividades com relação ao meio ambiente, propiciaria

resultados concretos no campo da tutela do meio ambiente, notadamente diante das

dificuldades operacionais e estruturais do Poder Público no controle ambiental. A

auditoria ambiental compulsória atende, portanto, ao comando constitucional de

preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental para assegurar o

direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

No artigo 225 da Constituição Federal irradia, também, o princípio da tutela

estatal, onde cabe ao Poder Público o papel de proteger o meio ambiente, elaborar

políticas públicas voltadas à preservação do meio ambiente, promover o

desenvolvimento sustentável através de ações ambientais que busquem interagir

com as políticas econômico-sociais, preservar a diversidade e a integridade do

patrimônio ambiental do país, promover a educação ambiental, proteger a fauna e a

flora, etc. Desta forma, o Poder Público tem o dever de implementar medidas de

preservação, controle, promoção e proteção ambiental (BRASIL, PRESIDÊNCIA DA

REPÚBLICA, 1988).

Barros (2008, p.64), ao trata da tutela estatal para preservação do meio

ambiente, menciona a possibilidade de intervenção coativa do Poder Público:

A tutela estatal é exercida através dos poderes de polícia e

disciplinar, que são poderes imanentes ao agir da Administração

Pública e que, por isso mesmo, têm como um de seus atributos

poder ser auto-executável. Isso significa que na proteção e

preservação do meio ambiente não necessita a Administração

Pública de autorização judicial prévia para implementá-las[...]

A obrigatoriedade da auditoria ambiental revela esse poder intervencionista do

Estado, diante da imposição do instrumento para os diversos segmentos produtivos,

com o objetivo de auxiliar no controle das atividades de grande e elevado potencial

poluidor ou causadoras de degradação ambiental.

A Constituição de 1988 estabelece, ainda, que a ordem econômica, fundada na

livre iniciativa e de valorização do trabalho humano, deverá regrar-se pelos ditames

da justiça social, respeitando o princípio da defesa do meio ambiente (art.170, VI e

VII da CF/88).

Na dinâmica das relações entre os recursos ambientais e atividade econômica,

há um reconhecimento de que, em regra, os mercados falham na alocação dos

recursos ambientais, já que a utilização dos bens que integram o meio ambiente é

livre, de modo que os efeitos externos negativos representados pela poluição e

degradação ambiental não são considerados no cálculo dos custos privados,

transferindo um ônus para a sociedade, sem qualquer tipo de compensação. Para

correção dessa falha de mercado, ou seja, para internalizar as externalidades

ambientais negativas, um dos caminhos propostos na formulação de políticas

públicas refere-se à regulação direta, onde o Estado, exercendo o seu papel

normatizador e regulador, disciplina o comportamento dos agentes econômicos.

Assim, através dos marcos regulatórios de comando e controle, cabe ao Estado

regular e fiscalizar o comportamento dos agentes econômicos privados.

(CARNEIRO, 2001).

Sob outra perspectiva, as atividades e empreendimentos privados deverão ser

exercidos em consonância com o sistema constitucional do meio ambiente. Neste

sentido, as premissas da ordem econômica são analisadas por Milaré (2007, p.149):

O meio ambiente, como fator diretamente implicado no bem-estar da

coletividade, deve ser protegido dos excessos quantitativos e

qualitativos da produção econômica que afetam a sustentabilidade e

dos abusos das liberdades que a Constituição confere aos

empreendedores [...]

Assim, a Constituição estabelece uma ordem econômica fundada na livre

iniciativa, mas impede práticas danosas que afetem a sustentabilidade e abusos da

liberdade empresarial, numa economia de mercado de natureza capitalista.

Na formulação de políticas públicas ambientais, a auditoria ambiental

compulsória se enquadra dos marcos regulatórios de comando e controle, conforme

já abordado, onde cabe ao Estado normatizar e fiscalizar o comportamento dos

agentes econômicos privados.

Por outro lado, Fiorillo (2008, p.36) reconhece que as atividades econômicas

devem contar com instrumentos adequados para minimizar a degradação ambiental:

Devemos lembrar que a idéia principal é assegurar existência digna,

através de uma vida com qualidade. Com isso, o principio não

objetiva impedir o desenvolvimento econômico. Sabemos que a

atividade econômica, na maioria das vezes, representa alguma

degradação ambiental. Todavia, o que se procura é minimizá-la, pois

pensar de forma contrária significaria dizer que nenhuma indústria

que venha a deteriorar o meio ambiente poderá ser instalada, e não

é essa a concepção apreendida do texto. O correto é que as

atividades sejam desenvolvidas lançando-se mão dos instrumentos

existentes adequados para a menor degradação ambiental.

O novo instituto trata de controlar a saúde ambiental dos diversos segmentos

produtivos, não só identificando as distorções periódicas da conformidade ambiental da

empresa, como também estabelecendo técnicas estratégicas de prevenção, melhoria,

correção e recomendações para a organização auditada (ROVERE et al. 2001).

Além das premissas constitucionais principiológicas para fundamentar a

existência do novo instituto jurídico ambiental, outro aspecto a ser investigado para

consolidação do instrumento de política pública ambiental consiste em analisar se

ocorre a incidência de princípios específicos do direito ambiental com o uso da

ferramenta.

A incidência de princípios específicos do direito ambiental se faz presente em

decisões jurisprudenciais embrionárias da matéria, a exemplo do que ocorreu no

julgamento de 11 de novembro de 2008, referente à Apelação Cível nº 470.503-5 na

5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Na fundamentação do julgamento, reconhece-se que as auditorias

compulsórias visam à verificação do correto manejo ambiental por parte de

realizadoras de atividades tidas de grande potencial poluidor, o que se mostra em

compasso com os princípios aplicáveis ao Direito Ambiental, da precaução, da

rigidez do meio ambiente e do poluidor-pagador. Verifica-se, portanto, que o Direito

Ambiental não se exaure na Constituição e nem mesmo é por ela limitado, sempre

na perspectiva de que o meio ambiente equilibrado é direito e também dever de

todos, sendo, destarte, cabíveis e oportunas normas infraconstitucionais que sejam

voltadas à sua proteção, desde que preservado o princípio da razoabilidade, as

quais tenham por escopo a manutenção do seu equilíbrio. No julgamento, portanto,

não se vislumbra qualquer plausibilidade na argüição de inconstitucionalidade tanto

da Lei Estadual do Paraná sob nº 13.448/2002, quanto do Decreto Estadual nº.

2.076/2003, haja vista estarem ambas as normas (assim como as suas portarias

conseqüentes) em estrita consonância com o sistema jurídico de proteção do meio

ambiente equilibrado, instituído pela Constituição Federal e repetido na Carta

Constitucional do Estado do Paraná (BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DO PARANÁ, 2008).

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Para Milaré (2007, p.766) aplica-se o princípio da prevenção “quando o perigo

é certo e quando se tem elementos seguros para afirmar que uma determinada

atividade é efetivamente perigosa”. Neste sentido, a auditoria ambiental compulsória,

através do seu vasto campo de aplicação, dispõe de medidas preventivas para as

atividades consideradas efetivas ou potencialmente poluidoras, como no exemplo da

gestão dos riscos de acidentes ambientais no setor petrolífero.

Milaré (2007, p.766) também apresenta os contornos teóricos do princípio da

precaução:

A invocação do princípio da precaução é uma decisão a ser tomada

quando a informação científica é insuficiente, inconclusiva ou incerta e

haja indicações de que os possíveis efeitos sobre o ambiente, a saúde

das pessoas ou dos animais ou a proteção vegetal possam ser

potencialmente perigosos e incompatíveis com o nível de proteção

escolhido.

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O teor do julgamento da Apelação Cível nº 470.503-5 na 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.encontra-se disponível no ANEXO I.

Pelo princípio da precaução, portanto, a falta de certeza cientifica absoluta não

poderá ser usada como razão para o adiamento de medidas eficazes e viáveis para

prevenir a degradação ambiental.

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As auditorias ambientais compulsórias são

instrumentos que se coadunam com o princípio da precaução, exatamente porque

avaliam, através de um levantamento amostral, a gestão ambiental de uma atividade

econômica, o seu desempenho ambiental, a política ambiental da instituição e o

cumprimento da legislação aplicável, com indicação das não conformidades,

buscando precaver o dano ambiental, num monitoramento constante da “saúde

ambiental” da empresa, oferecendo medidas de precaução e recomendações de

melhorias contínuas na organização auditada.

Nas práticas obrigatórias de auditoria ambiental, observa-se que os

responsáveis pela poluição ou degradação ambiental assumem as despesas do

processo e as ações corretivas necessárias, com uma clara incidência do princípio

do poluidor-pagador, previsto no art. 225, § 3º , da Constituição Federal de 1988:

Art. 225. [...]

§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio

ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a

sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação

de reparar os danos causados. ”(BRASIL, PRESIDÊNCIA DA

REPÚBLICA, 1988).

A aplicabilidade do principio do poluidor-pagador é abordada por Fiorillo

(2008, p.37):

Desse modo, num primeiro momento, impõe-se ao poluidor o dever

de arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio

ambiente que a sua atividade possa ocasionar. Cabe a ele o ônus de

utilizar instrumentos necessários à prevenção dos danos. Numa

segunda órbita de alcance, esclarece esse principio que, ocorrendo

danos ao meio ambiente em razão da atividade desenvolvida, o

poluidor será responsável pela sua reparação.

Assim, a auditoria ambiental compulsória tem seus custos assumidos pela

classe empresarial, como conseqüência clara dos efeitos externos negativos

representados pela poluição e degradação ambiental na exploração econômica.

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Conclui-se, portanto, que a auditoria ambiental compulsória tem a sua

existência jurídica validada no sistema jurídico constitucional de proteção do meio

ambiente equilibrado, como também se encontra em compasso com os princípios

específicos do Direito Ambiental.

4.2 CRITÉRIOS UTILIZADOS NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL CONCERNENTES AO