4 ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA AUDITORIA
4.2 CRITÉRIOS UTILIZADOS NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL
CONSTITUCIONAIS.
Numa abordagem crítica dos critérios utilizados nos diplomas legais
concernentes à auditoria ambiental compulsória, alguns aspectos constitucionais
devem ser analisados, diante dos requisitos essenciais que vão delineando o novo
instituto jurídico. Na análise comparativa dos critérios utilizados nas legislações
estaduais para incorporação da auditoria compulsória, foram considerados os
seguintes aspectos: legislação, definição, atividades sujeitas à auditoria,
periodicidade, execução da auditoria, custos da auditoria e publicidade
(APÊNDICES A e B).
A periodicidade para realização das auditorias ambientais compulsórias é um
critério seguro para reconhecer que o ente federado efetivamente tornou o
instrumento obrigatório. No exame do APÊNDICE A, observa-se uma variação nos
prazos para a realização de auditorias periódicas pelas empresas, diante da
inexistência das normas gerais sobre a matéria.
Entretanto, para garantir a efetividade da auditoria ambiental compulsória na
tutela ambiental, são válidas as lições de Rovere et al. (2001, p.16):
A auditoria ambiental é o retrato momentâneo do desempenho
ambiental da empresa, isto é, ela verifica se a empresa está,
momentaneamente, atendendo ao padrão ambiental estabelecido
nos critérios da auditoria, podendo concluir-se que:
[...] para que a auditoria ambiental seja um eficaz instrumento de
proteção ambiental empresarial ela deve ser aplicada com freqüência
regular (mínima anual) ou estar inserida em um programa de gestão
ambiental da empresa e ter garantida a implementação por parte da
empresa, das medidas corretivas de não conformidades
Embora o autor esteja se referindo à gestão empresarial, o fato é que a
auditoria ambiental representa um retrato momentâneo da situação ambiental da
empresa. Assim, para que a sua aplicabilidade pelo setor público seja eficiente e
para que seja possível o acompanhamento das medidas propostas, há que ser
fixado o prazo que atenda às peculiaridades da legislação do ente federado, num
prazo razoável que garanta a efetividade da auditoria ambiental compulsória na
tutela ambiental.
Além disso, alguns comandos normativos estaduais determinam
expressamente que nos procedimentos de elaboração das diretrizes das auditorias
ambientais periódicas deverão incluir consulta à comunidade afetada. Entretanto, os
diplomas legais apresentam vulnerabilidades, por não estabelecer claramente as
diretrizes de consulta à comunidade afetada.
A sustentabilidade envolve uma relação sistêmica e compartilhada entre Poder
Público, Setor Privado (2º Setor) e demais segmentos da sociedade. Os comandos
normativos do novo instrumento de execução de política pública deve pautar-se com
estratégias operacionais e participativas e a sociedade civil, que não pode ficar
dissociada desse processo.
Numa outra vertente, a realização das auditorias periódicas independe da
vontade da unidade auditada. A resistência da classe empresarial com relação à
compulsoriedade da ferramenta é abordada por Zumbach (2010):
A compulsoriedade das auditorias ambientais, apesar de seus
benefícios, ainda cria uma sensação de “prejuízo” para grande parte
da classe empresarial, pois ela deve assumir as despesas desses
processos, incluindo os considerados “custos” das ações corretivas
eventualmente apontadas como necessárias. Ou seja, existem
empresas que ainda não consideram as auditorias como
investimentos que retornam ao longo de todo o ciclo de vida
produtivo. Culturalmente ainda permanece o pragmatismo
econômico, contra tudo aquilo que não traz um imediato retorno
financeiro. Um horizonte arraigado nos velhos padrões industriais.
Mas esta visão tende a mudar, uma vez que a percepção dos
resultados positivos das auditorias passe a figurar como protagonista
no desenvolvimento socioeconômico.
Heidemann (2009, p.31) assevera que a perspectiva de política pública vai
além da perspectiva de políticas governamentais, na medida em que o governo, com
sua estrutura administrativa, não é a única instituição a servir à comunidade política,
isto é, a promover políticas públicas. E o autor acrescenta:
Quando está em jogo a própria sustentabilidade do meio ambiente
natural, a postura do empresário torna-se ainda mais crítica, pois não
faz sentido algum que os ganhos do processo econômico ponham a
perder a própria base de sustentação da empresa e da sociedade.
Afinal, as empresas não são tolas nem santas. Elas tem um papel
legítimo na sociedade e devem ser coerentes com ele.
(HEIDEMANN, 2009, p.32).
Ainda no exame do APÊNDICE B, verifica-se que as legislações estaduais
apresentam um tratamento uniforme com relação aos custos da auditoria ambiental
compulsória, consignado que os responsáveis pela poluição ou degradação
ambiental assumem as despesas do processo e as ações corretivas necessárias,
com clara incidência do princípio do poluidor-pagador, previsto no art.225, § 3º, da
Constituição Federal de 1988. Conforme já analisado, o novo instituto jurídico tem
seus custos assumidos pela classe empresarial, como conseqüência clara dos
efeitos externos negativos representados pela poluição e degradação ambiental na
exploração econômica.
Entretanto, na análise dos princípios constitucionais administrativos, alguns
critérios utilizados na legislação brasileira concernentes ao novo instituto jurídico
apresentam vulnerabilidades. Por se tratar a auditoria ambiental compulsória de um
instrumento de intervenção estatal, não se pode perder de vista que a Administração
Pública está atrelada aos princípios constitucionais administrativos da legalidade,
moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.
66As legislações estaduais, na execução da auditoria, não tratam de forma
uniforme os critérios para escolha da equipe de auditoria. Admite-se que a auditoria
ambiental poderá ser realizada pela empresa, através de uma equipe própria ou por
equipe técnica contratada; outras legislações se referem à realização de auditorias
ambientais independentes e outras chegam a admitir que sejam realizadas por
equipe de livre escolha da pessoa jurídica auditada. Sob outra perspectiva, as
práticas de auditoria ambiental legal não são realizadas por servidores públicos
66
Conforme o art. 37 da Constituição Federal, a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
integrantes do quadro da entidade e sim conduzidas por uma equipe de auditores
externos que, em algumas legislações, se submetem a um processo de
credenciamento no órgão público da entidade política.
Também as legislações federais e municipais não estabelecem claramente os
requisitos necessários para garantir a independência dos membros da equipe, bem
como avaliação objetiva e imparcial dos relatórios. Neste sentido, Machado (1998,
p.308) reconhece que “a independência não é fácil de ser conquistada pelos
auditores, mesmo na auditoria ambiental pública, uma vez que são pagos pela
pessoa física ou jurídica que vai ser auditada”.
Assim, embora seja possível que as auditorias sejam determinadas
periodicamente pelo Poder Público, mas realizadas por equipe de auditores que não
integram à Administração Pública, a seleção de auditores e/ou empresas
especializadas para realização do trabalho de auditoria ambiental deverá ser
precedida de processo licitatório, em consonância com o previsto na Lei 8666/93. O
instituto da licitação também pode ser utilizado para o credenciamento dos auditores
e o Edital do processo licitatório pode estabelecer critérios objetivos para pagamento
das despesas do processo pelo empreendedor. A base conceitual do instituto da
licitação é apresentado por Justen Filho ( 2005, p.309):
A licitação é um procedimento administrativo disciplinado por lei e por
um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos de
seleção da proposta de contratação mais vantajosa, com
observância do princípio da isonomia, conduzido por um órgão
dotado de competência específica.
Toda contratação realizada pela Administração Pública deverá ser precedida
de processo licitatório, mesmo que o pagamento seja realizado pelo empreendedor.
O instituto garante tratamento isonômico entre os participantes e o estabelecimento
de critérios objetivos para a escolha da proposta mais vantajosa.
Por outro lado, os Órgãos Ambientais das entidades políticas precisam contar
com um quadro de técnicos especializados para análise adequada dos relatórios.
Em duas décadas, o instituto se encontra presente nos diplomas brasileiros e a
escassez de recursos humanos é um desafio que precisa ser enfrentado. Em
atenção ao princípio da eficiência, o Poder Público terá ainda o desafio de conhecer
o objeto dessa gestão, o meio ambiente. Para o exercício do controle da gestão
ambiental, é imperioso ter na sua estrutura administrativa profissionais qualificados
para atender aos comandos normativos do novo instituto.
As legislações estaduais, conforme APÊNDICE B, são praticamente unânimes
em admitir a publicidade dos resultados da auditoria, seja tornando acessível à
consulta pública, seja mediante publicação de aviso em jornal diário e de grande
circulação e/ou ainda no Diário Oficial do Estado. Em alguns comandos normativos,
a publicidade deve respeitar o sigilo industrial. O princípio da publicidade norteia os
atos do Poder Público
67e os relatórios da auditoria ambiental compulsória deverão
ser publicados, garantindo a transparência dos resultados e permitindo a
participação popular no controle ambiental. Entretanto, é preciso que se
estabeleçam critérios de proteção ao sigilo empresarial (inclusive as de natureza
comercial, industrial, tecnológica, econômica).
Na abordagem crítica dos aspectos constitucionais analisados nos diplomas
legais estaduais, observa-se que o instituto apresenta-se em consonância com
sistema jurídico constitucional de proteção do meio ambiente. Porém, quando se
verifica os critérios administrativos utilizados na execução da auditoria, o instituto
apresenta vulnerabilidades. Torna-se imprescindível, portanto, a correção e
preenchimento das lacunas existentes no caso de adoção do comando normativo no
Estado da Bahia.
67
O princípio da publicidade está presente no art. 5º, XXXIII da CF/88.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.