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A aurora da acumulação flexível tupiniquim e a consolidação do poder pericial médico

CAPÍTULO 2. RESGASTE HISTÓRICO DO CAMPO PERICIAL NO BRASIL

2.6 A aurora da acumulação flexível tupiniquim e a consolidação do poder pericial médico

Gentil (2006, p. 135) nos relembra que também no período dos anos 1990, inúmeras foram as tentativas de reforma da previdência como uma das medidas fundamentais para o ajuste fiscal das economias latino-americanas e para a recuperação de suas combalidas economias. A partir das recomendações feitas pelo Banco Mundial, através do documento Averting the old age crisis: policies to protect the old and promote

growth (WORLD BANK,1994), as experiências de reforma dos vários países da América

Latina foram diferentes. Não houve um modelo único, ainda que a maioria das propostas tenha se direcionado para a redução da responsabilidade estatal e ampliação da participação privada. O que se verificou foi uma heterogênea combinação dos regimes públicos e privados.

De acordo com Andrade (2003), as chamadas reformas estruturais, monitoradas pelo Banco Mundial e pelo FMI, atingiram 11 dos 18 países da América do Sul e Central. No Brasil, entretanto, prevaleceu a avaliação de que uma estratégia de privatização direta resultaria em custos políticos, sociais e financeiros inafiançáveis e acabou optando-se pela eleição de uma estratégia que tem priorizado mecanismos de mudanças legislativas no arcabouço jurídico constitucional, de forma a redirecionar o conjunto do sistema previdenciário e a delinear com isso, o trabalho do médico perito intervindo em sua autonomia na concessão de benefícios.

A Emenda Constitucional nº 20 de 199866 por exemplo, aprovada pelo Congresso

Nacional em dezembro daquele ano, introduziu algumas mudanças nas regras de

66 Também em 1998 é outorgado ao INSS a responsabilidade pela realização de perícia médica para

concessão de benefícios e na alocação das receitas previdenciárias, sem substituir o modelo estabelecido pela Constituição. O modelo segue sendo de previdência social, público e administrado pelo Estado tão idealizado pelo movimento sanitarista brasileiro. Todavia, segundo Vianna (2003, p. 1) a implementação desse sistema vem ocorrendo, na prática, sem o devido respeito aos princípios constitucionais.

Embora a EC nº 20/98 e a Lei 9.876/99 que instituiu o fator previdenciários por exemplo sejam dois marcos importantes na reforma do sistema previdenciário brasileiro no entendimento de Pinheiro (2004, p. 266) que também nos traz outros dispositivos legais que foram aprovados entre 1998 e 2002, dentre eles, a Lei nº 9.876/99, que modificava a regra de cálculo dos benefícios do RGPS e cria incentivos à filiação de novos segurados a todos os que trabalham de forma autônoma ou possuam vínculos empregatícios estabelecidos através de registro na carteira de trabalho. Também podem estar cobertos por este regime as pessoas que não trabalham, mas que desejam usufruir dos benefícios da Previdência, podendo contribuir de forma “facultativa” a ela67. Tal fato

teria influencia direta na intensificação do trabalho do perito médico previdenciário pelo aumento da quantidade de perícias a serem realizadas num tempo médio de atendimento e espera previamente estabelecido.

Se em 200168, o INSS contava com cerca de 3.500 médicos peritos credenciados

e cerca de 2.500 médicos peritos próprios, tal fato fez com que a Diretoria Colegiada do INSS decidisse que os profissionais terceirizados passariam a emitir laudos conclusivos abolindo a necessidade de homologação por parte dos peritos do quadro funcional. Com vistas a se dar conta da demanda crescente, o posicionamento de Almeida (2008) é

deve-se passar por um duplo processo avaliativo: através da perícia médica e através da chamada “perícia social”, uma avaliação realizada por assistentes sociais que busca verificar as condições econômicas dos solicitantes e de suas famílias, e se estes se encaixam nos quesitos de renda estabelecidos na legislação para serem considerados pobres. E, para que uma pessoa receba avaliação favorável neste critério, não basta que ela comprove não possuir os “meios de prover a própria manutenção”. Ela precisa provar, igualmente, que sua família também não os dispõe. Segundo Diniz (et al. 2006, p. 10), esta sobreposição de critérios, entre a perícia social e a perícia biomédica, acaba deslocando o alvo da proteção para a família do deficiente pobre.

67 O acesso universal é facultado apenas à saúde e à assistência social, ao passo que o acesso à previdência,

apesar da garantia de universalidade, ocorre somente mediante contribuição (MATOS, 2016, p. 53). Neste sentido, a seguridade social brasileira, ao restringir a previdência aos trabalhadores contribuintes, acabaria excluindo do acesso aos direitos previdenciários aqueles que mantém relações informais de trabalho ou desempregados que passam a não contribuir mais à Previdência, se constituindo em uma proteção limitada, portanto (BOSCHETTI, 2003; 2009).

68 Também em 2001, na esfera judiciária tem-se a aprovação da Lei nº 10.358 que versa sobre a atuação do

perito na referido esfera quando trata da possibilidade dos magistrados nomear mais de um perito e as partes igualmente indicarem mais de um assistente técnico na mesma categoria profissional na lide trabalhista; traz também a obrigatoriedade ao perito de comunicar aos advogados (e não os assistentes técnicos) das partes as datas de realização das perícias e; faz referência ao prazo de entrega do parecer pelo assistente técnico. Na prática, adota-se uma data anterior ou a mesma da protocolização do laudo oficial.

contundente ao afirmar que a demanda pela intensificação do trabalho do perito médico no âmbito do INSS cresce nesse período de forma que mais de 70% delas eram perícias de manutenção, ou seja, aquelas em que os segurados retornavam frequentemente para novas perícias ocasionando, a seu ver, um insuflamento da demanda e empurrando a fila de agendamento dos primeiros atendimentos para até 180 dias do requerimento ao atendimento69.

"Diferentemente dos médicos do INSS, os credenciados eram mais susceptíveis a pressões, confundiam seu papel com o de assistentes dos ‘pacientes’ e não se sentiam representantes do Poder Público, razões que determinaram explosão no número de benefícios concedidos, fato denunciado pelos médicos do INSS e registrado por estudo do IPEA, amplamente divulgado na imprensa. Sobre o assunto em tela, observa-se que os médicos que realizavam perícias médicas nessa época, não tinham nenhum preparo pertinente a área para desempenhar tais funções, contavam simplesmente com sua experiência profissional. Os médicos credenciados atuavam como se fossem médicos assistentes, acompanhando seus pacientes e recebendo por consulta realizada, sem compromisso com a Previdência Pública, sem autoridade de representantes do Estado, sem segurança nenhuma para contrariar o examinado, pois atuavam em consultórios privados, sem conhecimentos previdenciários e trabalhistas. Este modelo absurdo fez com que mais e mais pessoas recorressem ao INSS, evitassem o mercado formal de trabalho e incorporassem o benefício à sua renda fixa, que era enriquecida por eventuais serviços (ALMEIDA, 2008)."

Contudo, esquecem-se os autores da literatura médico-pericial hegemônica que o contexto de alta demanda por perícias no INSS é de um Brasil com um aumento constante da precarização em seus espaços laborais reestruturados a partir dos anos 1980/90 e em crescimento exponencial nos anos 2000 evidenciado em estudos como os de Maeno (2001); Cardoso (2003); Araújo e Porto (2004); Papparelli (2009); Franco, Druck e Seligmann-Silva (2010), dentre outros, e que tem impacto direto na saúde dos trabalhadores. Segundo o próprio Ministério da Previdência Social, em 2005, foram registrados 492 mil casos de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, com 2.708 mortes de trabalhadores (INSS/DATAPREV, 2009), o que por si só já são dados que exemplificam o porque da ampliação do número de perícias médicas previdenciárias realizadas nesse período e o número de benefícios concedidos.

69 Matos (2016, p. 58) nos lembra que os discursos dos médicos peritos em suas reivindicações pelo

reconhecimento da perícia enquanto uma atividade essencial de Estado, destacavam, como estampa uma revista da ANMP em edição comemorativa de dez anos associação, que a perícia médica seria uma carreira contra filas, fraudes e desperdícios.

Devido à esta alta demanda por perícias médicas previdenciárias, a quantidade de auxílios-doença emitidos passou a crescer de forma muito rápida a partir de meados de 2002. Santos Junior e Cherem (2013, p. 252) apontam que somente entre 200170 e 2002

houve um crescimento de 62,3% na concessão dos auxílios-doença previdenciários e acidentários por parte dos médicos peritos que ultrapassaram a soma de 2 bilhões de reais para 9 bilhões entre 2001 e 2004. Evolui para 11 bi em 2005, 15 bi em 2006 e 16 bi em 2008.

De modo então a estabelecer maior controle e gestão, a Diretoria de Benefícios do INSS lança em 2002 o Manual Técnico de Perícia Médica (BRASIL, 2002) documento este que dá diretrizes ao perito médico na realização de seu trabalho e em 2003 a resolução 133/03 implementa o SABI - Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade um software computacional que integra o laudo médico pericial, os dados administrativos e automaticamente já processa o benefício e emite o Comunicado de Decisão, chamada de CRER. Entre 2004 e 2007, o SABI é implantado nas mais de 1.100 Agências da Previdência Social (APSs) espalhadas pelo Brasil.

Como forma de resistência ao novos sistemas de controle do trabalho médico pericial implantados, os médicos peritos fundam o blog "Perito.Med" na internet, com cerca de 800 mil acessos por mês computados entre médicos peritos ou não, e que funciona como uma espécie de comunidade virtual em que se aglutinam os médicos peritos previdenciários de todo o país e onde estes compartilham notícias sobre a categoria, trocam experiências profissionais visando normatizar a doutrina técnica para servir de diretrizes norteadoras ao trabalho ou mesmo como um espaço de troca para se posicionarem criticamente quando dos mandos e desmandos da alta administração do INSS e do governo federal.

Almeida (2010, p. 3) enfatiza que devido ao fato da categoria profissional ser ainda jovem no mercado de trabalho no início dos anos 2000, não existia uma legislação específica sobre essa classe trabalhadora, porém, o que não implicava que não fossem realizadas perícias médicas neste período. Então, em 200371, a Associação Nacional de

Médicos Peritos empreende movimento nacional, apoiados pelo CFM - Conselho Federal

70 A insuficiência de profissionais no quadro da instituição para a realização de perícias médicas levou a

contratação de médicos terceirizados, cujos laudos deveriam ser homologados pelos médicos que atuavam no INSS. No entanto, neste ano de 2001, a necessidade desta homologação passou a não ser mais uma exigência, o que teria gerado um “descompromisso” maior dos médicos terceirizados no processo de avaliação e concessão de benefícios (MATOS, 2016, p. 59).

71 Também neste ano temos a implementação do novo Código Civil - Lei nª 10.406 de 10 de janeiro de

de Medicina, pela AMB - Associação Médica Brasileira, pela FNM - Federação Nacional dos Médicos, pelo MPF - Ministério Público Federal e pela Frente Parlamentar da Saúde da Câmara Federal (para citar apenas entidades nacionais), e recorrem à uma greve com duração de 89 dias que os faz conquistar a Lei nº. 10.876, de 2 de junho de 200472, que

cria a carreira de Perícia Médica da Previdência Social73. Lei esta que, segundo Santos

Junior e Cherem (2013, p. 253), definiu as funções privativas dos médicos do quadro de peritos do INSS, quais sejam:

(1) emissão de parecer conclusivo quanto à capacidade laboral (do segurado) para fins previdenciários; (2) inspeção de ambientes de trabalho para fins previdenciários; (3) caracterização da invalidez [do segurado] para [recebimento de] benefícios previdenciários e assistenciais e; (4) execução das demais atividades definidas em regulamento (Brasil, 2004)

Argolo e Lima (2007) concordam que a referida lei estabelece parâmetros legais da atividade médico-pericial e é fruto da luta da própria categoria que se encontrava até então em uma classificação geral de médicos do Serviço Público Federal, sem o reconhecimento de suas prerrogativas e incapaz de contribuir com os processos decisórios da autarquia em assuntos que tecnicamente diziam respeito a avaliações médicas. Fato este que Muñoz et al (2010) discordam pois entendem que as divergências ideológicas dentro da especialidade é ainda hoje o maior desafio a ser enfrentado dentro da área.

De lá para cá, é queixa constante por parte dos médicos peritos previdenciários de que a carreira não acompanhou a evolução das demais carreiras de relevância social e

72 No mesmo ano, tem-se a aprovação da Emenda Constitucional 45/2004 que determinou a competência

para se processar e julgar os dispostos no artigo 7o da CF/88 que estabelece a redução dos riscos no inciso

XXII, e o seguro contra acidentes do trabalho a cargo do empregador no inciso XXVIIIcomo sendo da Justiça do Trabalho, o que ampliou sua ação nas questões de reparações de danos causados aos trabalhadores, resultante das condições em que o trabalho é realizado. Pereira Júnior (2013, p. 246) nos lembra também que o Direito do Trabalho tem também garantido o retorno do empregado em função compatível, após a cessação dos benefícios previdenciários do acidente de trabalho, seguindo a mesma ritualística do Direito Civil, no qual se apoia, no que tange o estabelecimento do nexo causal, em processo por reparação de dando por acidentes ou por doenças do trabalho como dissemos.

73 A opção pelos convênios terceirizados teria convertido o INPS, de acordo com Matos (2016, p. 49), no

maior comprador de serviços médicos privados do país, em detrimento do investimento em serviços médicos próprios da Previdência, o que ocorre apenas em 1977, com a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). No entanto, Oliveira e Teixeira (1986) e Vianna (1998) destacam que mesmo contando com estabelecimentos próprios de saúde, a maior parte do atendimento prestado pelo INAMPS provinha de hospitais e médicos privados. Esta prática de contratar serviços terceirizados permaneceu inclusive no período pós-constituição na Previdência, isto porque a carreira de perito médico previdenciário foi criada, como dissemos acima, apenas em 2004, e até o ano de 2006 as perícias também eram realizadas em consultórios particulares e os médicos eram contratados (e credenciados) apenas para esta finalidade – atestar incapacidade sem possuir, no entanto, vínculos com o Estado.

econômica similares. Com a edição da Lei nº. 10.876/0474, a perícia médica passou a

vislumbrar um horizonte de profissionalismo viabilizado a partir de três passos fundamentais: um concurso realizado em 2005, outro concurso realizado em 2006, ambos para 1.500 vagas, e o fim da terceirização, em 19 de fevereiro de 2006.

A partir de 2005, são admitidos 3.373 médicos peritos, perfazendo 5.047 peritos ativos, segundo pesquisa realizada em 24 de agosto de 2015 no sistema interno do INSS. Em 2001, havia pouco mais de 2.000 médicos peritos no quadro e 3.500 terceirizados que atuavam em consultórios privados. A demanda chegou a estar 73% fora do INSS. As perícias iniciais, chegavam a ser 53% realizadas pelos terceirizados.

O movimento de profissionalização teve grande repercussão, visto ser o INSS órgão responsável pela maior demanda médico pericial do Brasil75. A reforma foi

paradigmática e pôs fim às terceirizações substituindo-a por quadro próprio de peritos concursados. Segundo Ansiliero e Dantas (2008) a substituição de médicos peritos credenciados por médicos do quadro do INSS pode ter reduzido as chances de concessões equivocadas, e até mesmo de fraudes contra o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), na medida em que os vínculos desses profissionais com a instituição são mais fortes, porém, igualmente fortes tendem a ser os mecanismos de controle sobre suas atividades.

Outro fator que Santos Júnior e Cherem (2013, p. 253) observam que teria concorrido para a efetivação da substituição de profissionais teria sido o propósito de construção de um quadro mais homogêneo de profissionais passíveis de responsabilização administrativa. Ansiliero e Dantas (2008) apontam que os médicos peritos credenciados tenderiam a ser menos rígidos na concessão de benefícios. Para além da pressão dos próprios segurados, segundo os autores isto ocorreria sobretudo também por receberem por perícias feitas, o que estimularia a utilização do menor tempo possível para cada exame, e assim, as perícias seriam realizadas sem a qualidade mínima

74 Com a criação da carreira, a figura do médico perito emerge como um agente do Estado, cujas atribuições

passam a ser a de avaliar e emitir pareceres quanto a existência ou não de incapacidade ou deficiência através da produção de laudos periciais, transformados em documentos oficiais [...] um dos argumentos apresentados para que a perícia médica se tornasse uma prática biomédica de caráter estatal, e não meramente contratual, estabelecida por meio de contratos temporários de trabalho, seria de que esta vinculação com o Estado geraria o compromisso com o parecer considerado justo. Ou seja, apenas o estabelecimento da perícia enquanto carreira de Estado poderia, efetivamente, selecionar aqueles que teriam direito ou não aos benefícios pleiteados e, com isto, impedir a concessão desenfreada destes. (MATOS, 2016, p. 59-60).

75 Conforme mostram os dados de 2016 apresentados a nós pelo ex-diretor geral da DIRSAT, o órgão

necessária, muitas vezes resultando na concessão ou manutenção indevida de benefícios76

na visão dos autores supracitados.

A Instrução Normativa nº 31 INSS/PRES, de 10 de setembro de 2008 (BRASIL, 2008) vem detalhar os procedimentos para a concessão de benefícios acidentários ao incorporar a Lei 11.430 de 26 de dezembro de 2006 que introduz no âmbito previdenciário a figura do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciários (NTEP)77. Tal figura estrutura-

se na correlação entre o CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica) da empresa e o CID (Código Internacional de Doença) apresentado pelo trabalhador78 e que

pode lhe conceder na qualidade de segurado o benefício acidentário decorrente de acidente de trabalho ou doença profissional, garantindo de imediato ao empregado a estabilidade provisória no art. 118 da Lei 8.213/9179. Deste modo, por exemplo, a

atividade de bancário e as Lesões por Esforços Repetitivos (LER), passaram a estar correlacionadas dispensando-se a necessidade de comprovação do nexo causal, restando à instituição empregadora comprovar a inexistência de tal patologia80. Da mesma forma,

Minardi (2010, p. 153) diz que as patologias mentais derivadas do meio ambiente laboral, podem ser reconhecidas como acidente de trabalho pelo NTEP mediante análise médico- pericial na esfera jurídica, vez que há previsão legal no anexo II do Decreto 3.048/99 no quadro de transtornos mentais e do comportamento relacionados ao trabalho.

76 De acordo com o Relatório do Tribunal de Contas da União sobre Concessão e Manutenção do auxílio-

doença (BRASIL, 2010, p. 35), “a evolução observada no número de concessões de auxílio-doença [...] não pode ser explicada por nenhum processo natural, visto que a população brasileira não foi submetida a guerras, epidemias ou catástrofes naturais no período. De 2000 a 2006, ano em que o número de concessões foi mais elevado, a quantidade de benefícios concedidos evoluiu 156%, passando de 909.476 para 2.329.669. Esquecem-se os executores do referido relatório que, no mesmo período (2000-2006), segundo AEPS/2014 foram registrados 2.973.879 acidentes do trabalho (BRASIL, 2014, p. 142) e foram concedidos somente 1.134.399 benefícios acidentários do tipo B91 e B94 em que o nexo causal entre acidente/adoecimento e trabalho é reconhecido (BRASIL, 2014, p. 63-64). Ou seja, 1.839.480 trabalhadores brasileiros ou não tiveram seus benefícios concedidos ou então estes foram configurados como benefícios previdenciários do tipo B31 ou B36 em que as causas do acidente/adoecimento não são relativas ao trabalho.

77Ribeiro (2007, p. 171-172) é oportuna ao observar que a visão da perícia médica ao determinar o

reconhecimento do NTEP passa a não ser mais individualista e sim, coletivista, salientando que a empresa deverá elaborar o que Minardi (2010, p. 153) denomina "Balanço Hominal", ou seja, declarar formalmente em determinado lapso temporal os sistemas de prevenção de acidente e doenças ocupacionais que implementou, a quantidade de trabalhadores lesionados, e que medidas está tomando para reverter este quadro negativo.

78 À exceção da indústria automobilística nacional, excluída de referente cruzamento de dados desde a

gênese do NTEP.

79"Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses,

a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente”.

80Tal medida inverte o ônus da prova em alguns casos ao determinar o registro automático como doença

relacionada ao trabalho de determinadas patologias em função de altas incidências em determinados ambientes de trabalho. (JACQUES, 2007, p.112)

No ano de 2007 foi criada a Diretoria de Saúde do Trabalhador (DIRSAT) do Instituto Nacional do Seguro Social, cujo Regimento Interno, aprovado em 2009, prevê como atribuição da nova Diretoria, “desenvolver estudos voltados para o aperfeiçoamento das atividades médico periciais(...)” e propor “intercâmbio com órgãos governamentais visando o acompanhamento e o controle epidemiológico das doenças de maior prevalência nos benefícios por incapacidade”, além de “planejar a especialização de ações para a melhoria da qualidade, correção e aprimoramento do reconhecimento de direitos aos benefícios por incapacidade previdenciários” (BRASIL, 2009).

Em 2008 os peritos médicos previdenciários vivem um momento de mudança sobretudo pela adaptação à nova estrutura do INSS que até então não dispunha de uma diretoria específica para a área médica, o que fez com que não houvesse conhecimento nem monitoramento do trabalho, nem sequer diretrizes detalhadas para as diversas