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CAPÍTULO 2. RESGASTE HISTÓRICO DO CAMPO PERICIAL NO BRASIL

2.5 O campo da Saúde do Trabalhador influencia a prática pericial

Com a nova Constituição Federal aprovada em 1988, a justiça trabalhista passa a ter nova competência e importantes alterações em sua estrutura como por exemplo, possibilitou uma maior desenvoltura para a resolução de conflitos pela negociação coletiva, sendo a Justiça do Trabalho, dessa forma, vista como uma espécie de arbitragem pública para resolver os conflitos coletivos não conciliados diretamente pela relação Capital-Trabalho. Desse modo, a CF/1988 possibilitou o aumento da negociação coletiva (mesmo sendo mantida a unicidade sindical e o custeio obrigatório dos sindicatos) consagrando-a como um direito fundamental dos trabalhadores e trabalhadoras.

Também na nova CF/1988, a previdência passa a ser considerada, ao lado da saúde, da assistência social e do seguro-desemprego, um conjunto integrado, denominado de Seguridade Social (BATICH, 2010, p. 248). Nesse contexto, em 1989 tem-se a fundação da Sociedade Brasileira de Perícias Médicas - SBPM. Seu embrião foi a associação médica criada no DPMSP - Departamento de Perícias Médicas do Estado de

55 Em 1992, com a edição da Lei nº 8.455, segundo Motta (2014, p. 26) esses requisitos seriam retirados. 56 Na estrutura inicial do chamado Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), cada estado tinha uma

Superintendência, à qual estava subordinada a Perícia Médica. MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Histórico da previdência social. Disponível em: http: // www.previdenciasocial.gov.br/conteudoDinamico.php?htm. Acesso em: 27 jun. 2014.

57 Vianna (1998) nos diz que com a unificação dos IAPs no INPS, como marca do governo dos militares

em relação à Previdência, passariam ao caráter de segurados todos os trabalhadores que possuíssem Carteira de Trabalho, independente de sua categoria profissional. Tornam-se também cidadãos (referindo-se, neste caso, apenas ao acesso a direitos previdenciários) os trabalhadores rurais, empregados domésticos e autônomos, trabalhadores estes que não tiveram sua profissão reconhecida pelo sistema previdenciário vigente durante o governo de Getúlio Vergas. Ou seja, a Previdência transforma “trabalho” em “profissão”, “emprego” e “vínculos”.

São Paulo, que realiza as perícias administrativas dos funcionários públicos estaduais paulistas. Congregaram-se a ela, posteriormente, os médicos peritos da Previdência Social e também médicos que executavam outros tipos de perícias, tornando-a cada vez mais forte e representativa no campo pericial.

Contudo, devido à uma ainda incipiente qualificação profissional na área pericial, no então renomeado INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) encontravam-se profissionais médicos sem qualificação específica, talhados peritos pela própria prática cotidiana, virtualmente sem treinamento promovido pela autarquia previdenciária. Concorriam com estes os chamados "credenciados", médicos da iniciativa privada igualmente sem formação específica, que atuavam em consultórios particulares, onde emitiam laudos para o INSS.

Em paralelo, a influência do chamado Movimento Sanitário, que criou a proposta de reforma sanitária brasileira inspirado no modelo sanitário italiano e o Movimento Sindical, surgido nas greves de 1978 no ABC paulista, criaram, no mesmo ano, a Comissão Intersindical de Saúde e Trabalho, que se transformou depois no Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes do Trabalho (DIESAT), cujo papel era apoiar os sindicatos na discussão de assuntos ligados ao trabalho e à saúde58.

Este movimento sanitarista brasileiro em consonância com o movimento sindical, propunha uma reforma que contribuiria para formular o projeto do SUS - Sistema Único de Saúde conforme prescrito na VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986 e que viria a ser incorporado à nova Lei Orgânica de Saúde nº 8.080 estabelecendo, conceituando e definindo as competências do SUS no campo da Saúde do Trabalhador. Nesse contexto, eram denunciadas pelo movimento as políticas públicas e o sistema de saúde, incapazes de dar respostas às necessidades de saúde da população e dos trabalhadores em especial (ABRASCO, 1990). Também surgem novas práticas sindicais em saúde inspiradas nas experiências do MOI - Movimento Operário Italiano e assessorados tecnicamente pelo DIESAT (LACAZ, 2007, p. 761) traduzidas em reivindicações de melhores condições de trabalho, através da ampliação do debate, da circulação de informações, da inclusão de pautas específicas nas negociações coletivas, da reformulação do trabalho das CIPAs, no bojo da emergência do que seria considerado como "novo sindicalismo" (DIESAT, 1989; RIGOTTO, 1992).

58 Em 1990, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), desvincula-se do DIESAT e cria o INST (Instituto

Os Direitos Sociais conquistados a partir desde período passam a ser descritos nos artigos 6o59 a 11 da Constituição Federal de 1988 em seu título II que versa sobre os

Direitos e Garantias Fundamentais. Os direitos do trabalho, entrelaçando-se com os direitos previdenciários, são protegidos principalmente pelo art. 7o da CF/88 onde divide-

se entre direitos individuais (relação trabalhador-empregador) e coletivos (inerentes a uma categoria profissional, tais como os direitos de associação profissional ou sindical, o direito de greve, o direito de substituição processual, o direito à participação e o direito de representação classista).

Em 12 de Abril de 1990 com a Lei nº 8.028 que extingue o Ministério da Previdência e Assistência Social revinculando a Previdência ao Ministério do Trabalho, agora chamado Ministério do Trabalho e da Previdência Social (Brasil, 1990a) fez com que o direito previdenciário não mais abrangesse apenas o trabalhador com vínculo empregatício, mas todos os brasileiros com exceção dos servidores públicos com regime próprio de Previdência Social, dos militares e dos congressistas (SERRA; GURGEL, 2007). A Previdência Social integra hoje junto à área de Saúde e de Assistência Social, o que a Constituição de 1988 definiu como política de seguridade social e sua Lei Orgânica da Seguridade Social (BRASIL, 1991a) de nº 8.212/91 trata de seu sistema de funcionamento. Em 1992 foi criado o Ministério da Previdência Social e o Ministério do Bem-Estar Social, que abarcava as políticas de assistência. Em 1995, a Assistência Social volta novamente para alçada do Ministério da Previdência, sendo retomado o Ministério da Previdência e da Assistência Social60.

Mendes e Waissmann (2013, p. 37) relatam que durante a década de 1990 um movimento encabeçado pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Previdência Social visou a elaboração de uma lista brasileira de "doenças relacionadas ao trabalho" que pudesse atender aos dispositivos de ambas as áreas - Saúde e Previdência - e nortear por exemplo o trabalho médico-pericial em contraposição à falta de uma conceituação rigorosa existente no campo ou que eram escoradas superficialmente nos derivativos do

59 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o

lazer, a segurança, a Previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015).

60 A separação definitiva entre Previdência e Assistência, com competências ministeriais distintas, ocorreu

apenas em 2003, quando foi criado o Ministério da Assistência Social. Este Ministério, no entanto, permaneceu com esta denominação por um curto período de tempo, pois em 2004 cria-se o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que passou a tratar das questões relacionadas à Assistência Social (MATOS, 2016, p. 50).

conceito de "acidente do trabalho" imbricado no bojo da Lei nº 8.213/9161 e seus decretos

regulamentadores que trata dos Planos de Benefícios da Previdência Social.

O movimento sanitarista brasileiro que propunha a superação do modelo de Saúde Ocupacional derivado da Medicina do Trabalho, para o de Saúde do Trabalhador ancorado nos preceitos da Medicina Social Latinoamericana62 e da Epidemiologia

Social63 tornou-se objeto de resistência organizada por parte dos setores produtivos ao

propor práticas como a “Intervenção Ética de Impacto”64 segundo Vasconcellos e Ribeiro

(1997). A também (ainda) constante dificuldade de articulação de ações entre os Ministérios da Saúde, da Previdência Social e do Trabalho e Emprego, previstas na Constituição de 1988, impediram a efetivação de políticas públicas e sociais basilares para a efetiva implementação das ações de Saúde do Trabalhador.

Em 1997 têm-se a primeira reunião do CFM - Conselho Federal de Medicina e da AMB - Associação Médica Brasileira com a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) na tentativa de unificar as listas de especialidades médicas reconhecidas pelas três entidades. O motivo da reunião segundo Muñoz (2010, p. 73) é que a CNRM reconhecia 48 especialidades médicas e o CFM e AMB tinha em sua lista 63 especialidades. Ao final desse encontro algumas especialidades médicas deixaram de sê- lo, entre elas a Medicina Legal com o motivo alegado de que A Medicina Legal apenas faria autópsias, que, portanto, é um procedimento anatomopatológico; de modo que ela é, portanto, área de atuação da Patologia. De acordo com o autor foram necessários três anos para reverter a situação e voltar a Medicina Legal ser reconhecida como uma especialidade médica.

Em 1998, o INSS cria o cargo de supervisor médico-pericial. Entre suas atribuições estavam a supervisão, o controle, fiscalização e auditoria das atividades de

61 A lei 8.213, de 1991, define que: Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo

cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Parágrafo único: Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.

62 Ou seja, diferente da visão da Saúde Ocupacional, não compreendiam as patologias do trabalho como

meros riscos químicos, físicos, biológicos e etc., mas sim que o adoecer e morrer de cada sociedade está determinado como o trabalho se organiza e como as pessoas se inserem no mundo do trabalho. Logo, os benefícios e os malefícios do trabalho impregnam o perfil de saúde dos indivíduos e das populações.

63 Campo epistêmico que relaciona os perfis de adoecimento/morte não somente em função de classe social,

mas também o trabalho/profissão como importante indicador. Ou seja, entende a posição social expressa por meio da profissão exercida pelo trabalhador, tal como fizera Ramazzini.

perícia, estando voltada, portanto, à própria prática de avaliação pericial em si, e não à perícia para reconhecimento ou não de direitos.

Nos anos de 1997/1998, em função da percepção de expressões técnicas, políticas e mesmo legais, o Ministério da Previdência Social desencadeia a iniciativa de atualização de "sua lista" de doenças profissionais e do trabalho para nortear o trabalho dos médicos peritos, visto que a lista anterior mencionada na Lei nº 8.231/91, anexada ao Decreto nº 2.197/1997, nada mais era segundo Mendes e Weissmann (2013, p. 37) que uma lista de agentes patogênicos agrupados em químicos, físicos, biológicos e etc., sem a identificação das doenças decorrentes dos efeitos da exposição ocupacional aos referidos agentes.

Tal fato, segundo os autores, contribuía para a geração de inúmeras controvérsias a cerca do trabalho médico-pericial posto que a ausência de listas ou relações de doenças aumentava a subjetividade das decisões técnicas e administrativas, além de favorecer e estimular a transferência destes conflitos para a esfera judicial. Os conflitos entre Médico Perito contra Trabalhador e Médico Perito x SUS davam-se não somente pela nomenclatura de tais enfermidades para fins do Seguro Social brasileiro, como também dos critérios diagnósticos utilizados pelos médicos peritos destas entidades e seus critérios para avaliação da incapacidade laborativa.

Por fim, a lista é elaborada por uma comissão de especialistas encabeçada pelo Ministério da Saúde e em maio de 1999, através do Anexo II do Decreto nº 3.048/99 o então Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) passa a adotá-la para nortear o trabalho médico pericial no interior do INSS. Através da Portaria nº 1.339/GM de 18 de novembro do mesmo ano, a mesma lista, intitulada "Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho"65 é publicada pelo Ministério da Saúde com a finalidade de

guiar os serviços de saúde em questões relativas à adoecimentos no trabalho.

Assim, o mesmo Decreto nº 3.048/99 de 06 de Maio de 1999 sobre o Regulamento da Previdência Social (Brasil, 1999) determinou que a prática médico-pericial no âmbito do referido instituto permaneceria sendo o trabalho de considerar caracterizada a natureza acidentária das incapacidades quando se constatasse ocorrência de “nexo técnico profissional ou do trabalho” entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID em conformidade com a lista supracitada.

65 Há uma iniciativa semelhante na França chamada Tableaux des Maladies Professionelles, melhor

Contudo, a história da Previdência Social não revela protagonismo de ações de prevenção de doenças e/ou promoção à Saúde do Trabalhador. Conforme Pinto Júnior et al (2012, p. 2846) as lutas contra o jateamento de areia, benzenismo, asbestose, intoxicações por agrotóxicos e tantas outras, foram travadas no campo da Saúde, e se hoje existe alguma ação previdenciária de apoio a portadores dessas nosologias, não nasceu exatamente da iniciativa do INSS.

2.6 A aurora da acumulação flexível tupiniquim e a consolidação do poder pericial