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Em um período de intensa industrialização e urbanização, as músicas de procedência ou de alusão ao universo rural permeavam o imaginário de intelectuais e críticos, que as consideravam como dotadas de pureza, autenticidade e brasilidade. Nesse contexto, diversas ações foram promovidas visando estimular essa produção. No campo da radiofonia, por exemplo, surgiram programas voltados especificamente para o repertório ligado ao ambiente rural, como Recolhendo o Folclore, Alma do Sertão e Brasil Sertanejo (VICENTE, 2014, p. 83). Possivelmente o primeiro programa conectado a essa vertente, e talvez um de seus mais representativos, tenha sido o Curiosidades musicais, concebido pelo já mencionado radialista Almirante, cuja estreia aconteceu na Rádio Nacional, em 25 de abril de 1938. Esse programa costuma ser lembrado como o primeiro a ser produzido especificamente para o rádio (SAROLDI; MOREIRA, 2005, p. 38; AGUIAR, 2007, p. 29-30; PINHEIRO, 2005, p. 237; TINHORÃO, 1981, p. 65).

Em geral, os temas escolhidos por Almirante para o Curiosidades musicais se circunscreviam à música e à cultura brasileiras, especificamente em suas manifestações ligadas ao meio rural. Para isso, o radialista contava com o apoio de diversos colaboradores, dentre os quais figuravam grandes estudiosos do folclore brasileiro, como o musicólogo Renato de Almeida (CABRAL, 1990, p. 177). Além disso, Almirante solicitava o auxílio de seus ouvintes, pedindo para que enviassem, “tudo que houver de interessante por aí, desde cantigas de roda até cantigas de cego que pedem esmolas,

desde a música dos benditos até as toadas dos cantadores populares”, conforme se lê na transcrição de um de seus programas, feita por Sérgio Cabral (1990, p. 178). O ideário de brasilidade permeava o Curiosidades musicais, que era considerado pelo próprio Almirante como “programa essencialmente brasileiro (...), que tem por finalidade principal divulgar e estimular o culto à tradição” (CABRAL, 1990, p. 198).

Dos oito programas de Curiosidades musicais que constam no acervo da Collector’s, seis deles abordam temas ligados ao universo rural. Seus títulos foram: “Cantigas dos capoeiras da Bahia” (em 20 de junho de 1938); “Os famosos desafios do norte”, apresentado em duas partes (24 de fevereiro e 3 de março de 1941); “O bumba meu boi” (23 de dezembro de 1940); “Cantigas de reisados e pastoris” (6 de janeiro de 1941); “As congadas” (31 de março de 1941). Além desses, o acervo da empresa traz um programa ligado à música popular urbana, no qual se abordava a evolução da marcha carnavalesca, e outro intitulado “A música sugestionante”, que discutia as associações que a música pode trazer, apresentando exemplos de música triste, alegre, religiosa, guerreira, de exaltação, militar etc., no qual também foram veiculadas canções ligadas ao imaginário rural, tais como a valsa “Saudades de Matão”, de Jorge Gallati.

Nas pesquisas de vendas de disco da Revista do Rádio, esse segmento aparece, pela primeira vez, com a toada “Passarinho na lagoa”, de autoria de Evaldo Rui e Fernando Lobo, interpretada por Dircinha Batista. A canção permaneceu entre as mais vendidas durante sete meses consecutivos, de julho de 1949 a janeiro de 1950. Outra toada que figurou nas listagens foi “Porque cantam os passarinhos”, de Peterpan e Ari Monteiro, gravada por Carlos Galhardo, aparecendo entre novembro de 1949 e janeiro de 1950. Até mesmo canções de domínio público chegaram às paradas de sucesso da RR, como foi o caso de “Mulher rendeira”, que aparece nas listagens nos meses de junho e julho de 1953. Convém lembrar que essa canção havia figurado no filme O Cangaceiro, lançado naquele mesmo ano, produzido pela Vera Cruz, cuja trilha foi composta por Gabriel Migliori, e que foi premiado no prestigiado Festival de Cannes (GALVÃO; SOUZA, 1997, p. 489).

Outra canção que alcançou um destaque bastante expressivo nas listagens foi a guarânia “Índia”, de autoria dos paraguaios Manuel Ortiz Guerreiro e Jose Assunción Flores, com versão em português de Miguel Fortuna. Interpretada pela dupla Cascatinha

e Inhana, a canção apareceu nos meses de novembro e dezembro de 1952, retornou em março de 1953 e se manteve até julho daquele ano. Nesse período, figurou por duas vezes na primeira colocação, mais especificamente nos meses de março e maio. A guarânia, conforme sinaliza Evandro Higa (2010), é um repertório proveniente do Paraguai, que se popularizou na região de fronteira com o Brasil, especialmente no estado do Mato Grosso do Sul. Tal popularização estimulou compositores e intérpretes paulistas ligados à chamada música sertaneja, como Raul Torres, Nhô Pai, Mário Zan e Capitão Furtado, a viajarem para o Paraguai no intuito de assimilarem melhor essa música (HIGA, 2010, p. 345).

Dentre os críticos musicais, produziram-se discursos acentuando a autenticidade desse repertório. Na RMP, por exemplo, a cantora Inezita Barroso (1925- 2015), que se especializou no repertório sertanejo, aparece como uma espécie de símbolo desse universo. O rosto da intérprete foi estampado na capa da edição de número 6, de março e abril de 1955, e foi amplamente saudada no texto do editorial. De acordo com a revista, que utilizava uma estratégia argumentativa muito semelhante àquela empregada em torno de Elizete Cardoso, mesmo sem recorrer a estratégias de marketing, Inezita Barroso havia alcançado o reconhecimento do público por sua autenticidade.

[Inezita Barroso] não fez publicidade de sua figura de artista, não cultiva fãs, nem tem agentes de propaganda. O público, que sabe consagrar os valores autênticos, fez da grande cantora de São Paulo um dos seus artistas prediletos (...). Nós também prestamos nossa modesta homenagem à artista vitoriosa e legítima, nesta época de falsos valores e de carbonismo desenfreado. (COLEÇÃO, 2006, p. 285)

Dentre o repertório ligado ao imaginário rural, aquele que alcançou maior êxito mercadológico foi a música nordestina, representada particularmente pelo baião, cujo principal porta-voz foi o cantor e sanfoneiro Luiz Gonzaga (1912-1989). Uma de suas canções que se tornou bastante popular foi “Baião”, composta em parceria com Humberto Teixeira, que foi lançada pelo conjunto Quatro Ases e Um Coringa em outubro 1946. Porém, antes ainda desse fonograma chegar ao público, o jornalista Sylvino Gonçalves já escrevia sobre a popularidade de Gonzaga na revista Carioca. Segundo o crítico, “não há neste imenso e belo país, quem não conheça Luiz Gonzaga, ou, pelo menos, suas famosas músicas”, dentre as quais citou “Cortando o pano”, “17.700”, “Penerô Xerém” e

“Chamego” (GONÇALVES, 12 jan. 1946, p. 60). Em março do ano seguinte, Abelardo Chacrinha Barbosa em sua coluna para a Revista do Rádio comentava que a cidade do Rio de Janeiro havia sido invadida pelo baião: “Só Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga gravaram umas vinte, que deverão ser entregues ao público carioca, no decorrer deste ano. E TOME BAIÃO...” (BARBOSA, mar. 1950, p. 22, caixa-alta no original).

Conforme se poderá conferir nos Apêndices, o nome de Gonzaga já aparece em 1949, ano em que a Revista do Rádio deu início às suas pesquisas de vendas de discos. O sanfoneiro se mantém continuamente nas listagens, seja como compositor ou como intérprete, até o final do ano de 1951. Nesse período, as canções que apareceram entre as mais vendidas foram: “A moda da mula preta”; “Asa branca”, composta em parceria com Humberto Teixeira; “Mangaratiba”, “Quase maluco”, “Qui nem jiló”, “A dança da moda”, “Paraíba”, “17 léguas e meia”, “Chofer da praça”, “Xanduzinha”, “Boiadeiro” e “Sabiá”. Depois disso, volta a aparecer nas listagens em 1954, porém não mais como intérprete e sim como compositor, e não mais com um baião, mas com o “Xote das meninas”, composto em parceria com Zé Dantas. Interpretada na voz de Ivon Curi, a canção se manteve continuamente na listagem entre os meses de agosto de 1954 a janeiro de 1955.

Nascido na cidade pernambucana de Exu, Luiz Gonzaga se deslocou até o Rio de Janeiro em virtude do serviço militar. Seu ingresso no cenário radiofônico se deu através do programa Calouros em desfile, comandado por Ary Barroso e transmitido pela Rádio Cruzeiro do Sul. Depois de ter feito duas tentativas frustradas, nas quais executou uma valsa e um foxtrote, Gonzaga voltou ao programa e executou “um negocinho diferente lá do norte” (MARCELO; RODRIGUES, 2012, p. 30), uma peça de sua autoria chamada “Vira e mexe”. Com ela, o sanfoneiro conquistou a estima não só de Ary Barroso como da plateia ali presente. Depois disso, firmou um contrato para participar do programa semanal de Almirante na Rádio Tupi, emissora onde ainda se apresentar no quadro A hora sertaneja. Por fim, em 1941, fez sua estreia na indústria do disco, gravando quatro fonogramas como sanfoneiro para a RCA Victor22.

22 Os dados biográficos de Luiz Gonzaga foram extraídos de Ferretti (p. 85-94), Marcelo e Rodrigues (2012, p.17-33) e Ramalho (2012, p. 72-111), nos quais podem ser encontradas mais informações. Para uma análise das narrativas construídas sobre a vida de Luiz Gonzaga, ver o trabalho de Alves (2012, p. 215- 71).

Interessante notar que o ingresso de Luiz Gonzaga no meio musical passou pelas mãos de dois defensores da autêntica música brasileira, como eram os casos de Ary Barroso23 e Almirante. Nota-se, portanto, que tanto Luiz Gonzaga como a música

nordestina de maneira geral foram lidos, ainda que parcialmente, pelo viés da autenticidade, sendo considerados como representantes de algo genuinamente brasileiro, uma vez que seriam ligados a um mundo em tese não dirigido pelo mercado musical, que demonstrava tendências à internacionalização.

Tais ideias se encontram expressas no programa Cancioneiro Royal: no mundo do baião. Levado ao ar pela Rádio Nacional às terças-feiras, por volta de 21h, o programa era estrelado pelo próprio Luiz Gonzaga, produzido por Humberto Teixeira e Zé Dantas, e apresentado por Paulo Roberto. Logo após o anúncio do patrocinador, ouve- se:

Boa noite, amigos! No mundo do baião é mais uma realização do departamento de música brasileira da Rádio Nacional, e se propõe, com rigorosa necessidade folclórica, a explicar e difundir os ritmos do nordeste, formadores de uma música genuinamente brasileira, que merece e deve ser precedente de difusão [...]. (AGUIAR, 2007, CD, faixa 17)

A fala do apresentador evidencia, portanto, a aproximação do baião com o folclore e com a noção de brasilidade. O final desse trecho indica uma expectativa pela divulgação desse repertório, como se o êxito dessa música significasse o êxito daquilo que era autenticamente nacional. Um episódio narrado pela Revista do Rádio parece partir dessa mesma perspectiva. A reportagem informava que o bandleader estadunidense Tommy Dorsey e sua orquestra detinham o recorde de público no auditório da Rádio Tupi, que era considerado o maior da América Latina. De acordo com a matéria, essa situação foi mantida até o dia em que

o brasileiríssimo Luiz Gonzaga foi à PRG-3, realizar uma série de programas. “Lua”, em poucas audições, bateu o record da orquestra norte-americana. Ele tem levado para o auditório-maracanã o dobro da multidão que foi bater palmas para Tommy Dorsey. Nunca a Tupi acolheu tantos expectadores. (TOMMY, 26 ago. 1952, p. 18).

23 Ary Barroso também esteve entre os colaboradores da RMP, tendo produzido para o periódico algumas matérias sempre em defesa da música brasileira. No item 3.2 será discutido um desses textos de sua autoria. Além disso, cabe lembrar que o compositor e radialista já vinha mostrando certa afinidade com as “coisas do norte”, uma vez que, à essa época, já havia composto canções como “No tabuleiro da baiana” e “Na baixa do sapateiro”.

A narrativa desse episódio representava, em certa medida, a divulgação de uma “vitória” da música brasileira sobre a estadunidense. O adjetivo “brasileiríssimo”, nesse contexto, é bastante significativo, pois estende o êxito individual do sanfoneiro pernambucano a toda uma nação.

Contudo, ao mesmo tempo em que encontravam alusões à autenticidade desse repertório, havia também críticas a seu aspecto comercial. O próprio baião se apresenta como ilustrativo desse debate, na medida em que foi um segmento musical de grande popularidade. Sintomático disso é o fato de que Luiz Gonzaga tenha sido uma presença constante nas páginas da Revista do Rádio, mas tenha figurado apenas em breves notas na Revista da Música Popular. Sua aparição de maior destaque na revista de Lúcio Rangel se deu numa foto de capa inteira, ao lado de Evaldo Ruy e Fernando Lobo (COLEÇÃO, 2006, p. 109). Contudo, o assunto da matéria não era o próprio Gonzaga, mas era Evaldo Ruy, que havia falecido alguns meses antes da publicação da revista. A presença do cantor e sanfoneiro só se deu pelo fato de que ele estava ensaiando a canção “Chofer da praça”, de autoria e Evaldo Ruy e Fernando Lobo. Nas demais vezes em que Gonzaga apareceu na revista (COLEÇÃO, 2006, p. 214, 308, 344, 522), tratavam-se apenas de breves informações sobre sua vida profissional.

Além da pouca presença de Gonzaga nas páginas de RMP, o periódico publicou algumas críticas ao aspecto comercial do baião. Isso apareceu, por exemplo, em uma entrevista com o compositor Dorival Caymmi. Ao ser perguntado sobre a situação da música popular brasileira, Caymmi respondeu: “A nossa música popular recebe em cada fase muitas influências exóticas e de caráter estritamente comercial. Há muitas falsidades, como o baião e a música do morro” (COLEÇÃO, 2006, p. 184). Para o sambista baiano, as “qualificações” que acompanham o baião eram, portanto, o exótico, o comercial e o falso.

Numa linha próxima à de Caymmi, embora menos agressiva e com uma argumentação mais minuciosa, encontram-se as reflexões apresentadas pelo compositor, pesquisador e crítico musical César Guerra Peixe em um texto publicado na quinta edição da Revista da música popular. Nele, Guerra Peixe assinala a diversidade de expressões daquilo que se costuma chamar de baião: “Quer seja como dança ou

música – cantada ou instrumental – o baião apresenta aspectos diversos, constituindo difícil tarefa traçar as suas características mais acentuadas” (COLEÇÃO, 2006, p. 234). Ao longo de seu artigo, o autor foi elencando diferentes manifestações da cultura popular nordestina – o Bumba-meu-boi, as orquestras populares no Maranhão, as bandas-de- pife, as orquestras de caboclinhos no Recife – nas quais o baião se fazia presente, acentuando as peculiaridades de cada uma, defendendo a ideia de que o traço comum que as conectava era a alegria, a variação e a vivacidade (COLEÇÃO, 2006, p. 235). Porém, o compositor criticava um nítido contraste existente entre toda aquela diversidade e aquilo que era veiculado pelos meios de comunicação de massa. Já no quarto parágrafo do texto, diz o autor:

Uma das mais salientes características do baião é a sua desconcertante variedade rítmica, contrastando fundamentalmente com esquemas estandardizados da discografia comercial popularesca e consequente estereotipia de seus valores mais destacados. (COLEÇÃO, 2006, p. 234)

Nessa formulação, nota-se que o autor associa a comercialização do baião por meio do disco com a estandardização e estereotipia desse repertório. Para reforçar ainda mais esse aspecto, Guerra Peixe assim encerra seu artigo:

A meu ver, “baião” – na sua multiplicidade de formas – é tão generalizado do Nordeste, que se poderia equiparar – em diversidade – às manifestações populares qualificadas de “samba” e “batuque”, correntes em todo o Brasil. E é lamentável que a radiofonia atual não permita a sua divulgação, num tão oportuno movimento de renovação da música urbana. (PEIXE, 2006, p. 264)

De fato, não é difícil identificar, em torno de Luiz Gonzaga e de outros músicos ligados ao baião, mecanismos de promoção muito semelhantes àqueles empregados em torno de outros “cartazes” do circuito radiofônico da época. Isso já se nota em seu epíteto monárquico de “o Rei do baião”. Há ainda uma matéria na edição de 3 de março de 1956 da Revista do Rádio que ilustra bem esse aspecto. Nela, entrava em questão a sucessão do trono ocupado por Luiz Gonzaga. Sob o título “Luiz Gonzaga vai escolher um novo rei do baião”, destacado em letras grandes sobre um fundo escuro, a matéria trazia uma longa entrevista com o músico. O assunto central eram os planos profissionais de Luiz Gonzaga, uma vez que ele tinha manifestado seu desejo de deixar o rádio. Antes de iniciar a entrevista, o jornalista apresentava as seguintes informações:

Luiz Gonzaga já foi considerado o artista mais bem pago do rádio. Seu trabalho constante, seu gênio afável, sua tendência para o comércio, fizeram com que ele cooperasse rapidamente e fosse considerado, ainda muito moço, como homem rico!

Hoje Luiz Gonzaga possui casas, terrenos, automóvel e está a ponto de se tornar dono de um bar e restaurante, o bar e restaurante da Rádio Nacional onde fez uma proposta e, ao que tudo indica, acabará como proprietário. (LUÍS, 3 mar. 1956, p. 21)

Na sequência, já na parte da entrevista, Gonzaga comentou sobre o grupo que o estava acompanhando, destacando a integrante Maria Inez, que “[toca] triângulo, veste- se a caráter como Maria Bonita e é verdadeiramente a ‘Rainha do Xaxado’” (LUÍS, 3 mar. 1956, p. 22). Após ter entregue a coroa para sua rainha, Luiz Gonzaga comentava sobre sua sucessão: “Depois então, quando tencionar me aposentar, organizarei um concurso e escolherei o meu substituto, eu mesmo o escolherei e o coroarei como o ‘Rei do Baião’” (LUÍS, 3 mar. 1956, p. 23). Desse modo, ao se envolver em tais mecanismos, o baião passou a ser encarado por alguns críticos sob uma ótica comercial, que supostamente deturparia sua pureza.

Convém ainda mencionar que não foi só enquanto canção que o baião alcançou êxito comercial, mas também na música instrumental. Um dos destaques desse segmento foi o baião “Delicado”, que se sagrou como um dos maiores sucessos do já mencionado cavaquinhista Waldir Azevedo. Essa gravação aparece nas paradas de sucesso de forma contínua entre os meses de janeiro a maio de 1951. Por sua vez, o violonista e guitarrista José Menezes também aparece nas listagens das gravações mais vendidas como intérprete do baião “De papo pro ar”, de autoria de Joubert de Carvalho, que permaneceu entre as mais vendidas durante os meses de maio a setembro de 1951. Em relação ao repertório instrumental, convém trazer um caso que ilustra alguns mecanismos de promoção em torno desse segmento. Ele se deu com o “Baião caçula”, composição do acordeonista Mário Genari Filho (1929-1989). Essa música aparece pela primeira vez dentre as mais vendidas no mês de julho de 1952, interpretada pelo violonista Garoto. Em setembro do mesmo ano, ela também aparece nas listagens, mas, dessa vez, interpretada pelo próprio compositor. Porém, já se ouvia nela um breve refrão, cantado por um coro, que dizia “Baião caçula, meu baião / Ai, ai, baião do coração”. Contudo, no mês anterior, essa música já havia aparecido como canção, com letra de Felipe Tedesco, interpretada na voz de Hebe Camargo. Todas essas versões

foram lançadas pela mesma gravadora, a Odeon. Vê-se, desse modo, que a empresa buscou explorar de diferentes maneiras o potencial comercial daquela composição.

Contudo, há ainda outro aspecto instigante no caso de “Baião caçula”. Isso porque, logo em outubro de 1952, ou seja, um mês após sua última aparição dentre os mais vendidos, surge na listagem da Revista do Rádio a peça “Mambo caçula”, de Getúlio Macedo e Bené Alexandre, interpretada pela orquestra do maestro Chiquinho, lançado pela Continental. Parece bastante provável que seu título tenha sido definido em função do sucesso da música de Genari Filho.

Tal prática faz lembrar os comentários de Carlos Sandroni (2012) ao analisar os títulos das polcas do século XIX. O autor comenta que era comum que os compositores intitulassem suas composições de modo a “responder” ou de aludir ao título de outras peças. Sandroni exemplifica com o conjunto de peças formado por “Que é da chave?”, “Que é da tranca?”, “Não sei da chave” e “Achou-se a chave”. Para o autor, isso era um indício do humor que atravessava o repertório das polcas (SANDRONI, 2012, p. 72-3). Porém, pode-se pensar que se trata também de uma estratégia mercadológica, na medida em que esses títulos inter-relacionados estimulam o consumidor a adquirir não só uma peça, mas todo o conjunto. Pode-se entender o caso do “Mambo caçula” dessa mesma maneira, uma vez que seu título aludia ao “Baião caçula” e, com isso, aproveitava-se da popularidade que o baião de Genari Filho havia alcançado.

Ao final dessas observações, pode-se notar que, em meio aos embates da crítica, foram se estabelecendo alguns juízos de valor e algumas hierarquias no cenário da música popular do período. A antítese entre comercial e autêntico se consolidava, fazendo com que o repertório de maior trânsito no circuito radiofônico passasse a ser visto com desconfiança por certos setores da crítica. Em outras palavras, surgia uma discussão entre o que seria mais ou menos autêntico, que corresponderia diretamente ao que seria mais ou menos legítimo.