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AUTOARBITRAMENTO: OPÇÃO OU DEVER?

No documento IMPOSTO SOBRE A RENDA: LUCRO ARBITRADO P (páginas 136-142)

10 CASOS POLÊMICOS

10.1. AUTOARBITRAMENTO: OPÇÃO OU DEVER?

adotam aquele método de tributação mesmo possuindo escrituração comercial e fiscal regular. Desconsideram a escrituração no cálculo do lucro tributável, mas utilizam-na para embasar a distribuição de lucros aos sócios. Com essa medida, ocasionam a distribuição de lucro em valor maior do que o oferecido à tributação;

em suma: distribuem lucro não tributado. Ora, se a escrita comercial e fiscal existe para a distribuição de lucros aos sócios, então a pessoa jurídica não pode alegar sua inexistência para justificar o arbitramento.

Sobre uma suposta “opção” do sujeito passivo pelo lucro arbitrado, consideramos que uma norma jurídica deve ser construída levando-se em conta o sistema do direito positivo como um todo, não podendo o intérprete considerá-la isoladamente. Sendo assim, ao interpretar o parágrafo primeiro do artigo 47 da Lei n.º 8.981, de 1995 não se pode ignorar as demais normas que regem o imposto sobre a renda, principalmente o que dispõe o caput do artigo.

A Lei Complementar n.º 95, ao dispor sobre a articulação e a redação das leis, estabelece, em seu artigo 11, III, c, que as disposições normativas devem ser redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observando, para esse último propósito, que os parágrafos devem expressar os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida.

Eliminando-se de plano a possibilidade de o parágrafo primeiro do artigo 47 da Lei n.º 8.981, de 1995, ser uma exceção à regra do caput, só se pode interpretá-la como um aspecto a ele complementar. Diante disso, o contribuinte só pode adotar a tributação pelo arbitramento do lucro nas hipóteses em que, conhecida a receita bruta, incorrer em um dos pressupostos relacionados no caput do artigo.

Nesse sentido também propugna EURICO DE SANTI223, ao defender não ser possível dissociar do seu caput o parágrafo primeiro do artigo 47 da Lei n.º 8.981, de 1995, de modo a condicionar o autoarbitramento unicamente ao conhecimento da receita bruta. DE SANTI admite a existência de um direito subjetivo do contribuinte ao autoarbitramento, mas desde que ele se encontre enquadrado em um dos incisos do caput do artigo.

223 Imposto de renda: análise da possibilidade da opção pelo lucro arbitrado por iniciativa do contribuinte e aspectos penais. Revista Dialética de Direito Tributário. n.º 137, p. 36.

Também assim entende RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA224, para quem o parágrafo primeiro do artigo 47 da Lei n.º 8.981, de 1995, está íntima e indissociavelmente ligado ao seu caput, e deve ser entendido da seguinte forma:

“- se ocorrer uma das hipóteses do ‘caput’, cabe o arbitramento do lucro tributável;

- se, além disso, a receita bruta for conhecida, o contribuinte pode efetuar o pagamento pelo critério de arbitramento, sem necessidade de aguardar lançamento de ofício pela autoridade fiscal.

O que não se pode ler no parágrafo 1.º do art. 47 da Lei n. 8981 é a autorização para o contribuinte, mesmo não estando enquadrado em qualquer das situações descritas no ‘caput’, poder optar por recolher o imposto por arbitramento”.

O artigo 47 da Lei n.º 8.981, de 1995, com suas alterações posteriores, estabelece as situações nas quais o lucro da pessoa jurídica deve ser arbitrado. E seu parágrafo primeiro estipula que, quando conhecida a receita bruta, o contribuinte poderá efetuar o pagamento do imposto sobre a renda correspondente com base no lucro arbitrado.

O caput do artigo 47 (e alterações posteriores), a nosso ver, relaciona, em seus incisos, todas as situações nas quais o lucro da pessoa jurídica deve ser arbitrado, ou pelo agente da fiscalização ou pelo próprio sujeito passivo. Não existe autorização legal para o arbitramento do lucro em circunstâncias outras que não aquelas relacionadas nos incisos I a VIII do dispositivo em referência. Defender que o particular pode fazer o autoarbitramento em hipótese não prevista na lei seria sustentar que o agente da Administração pode fazer o mesmo, o que é um absurdo.

Sendo assim, propugnamos que única e exclusivamente nas situações listadas é possível haver arbitramento do lucro da pessoa jurídica, isto é, somente na impossibilidade de apuração do lucro real ou presumido, e pelos demais motivos relacionados na lei, é cabível o arbitramento. Em qualquer outra circunstância, o lucro será real ou presumido (caso a pessoa jurídica atenda aos requisitos legais e tenha exercido a opção). E, nas hipóteses previstas para o arbitramento, não há escolha: o lucro deve ser obrigatoriamente arbitrado, na forma prevista em lei, ante a impossibilidade de ser apurado segundo qualquer um dos outros dois métodos.

Não fosse por esses motivos, temos ainda que o Código Civil e a legislação tributária determinam a obrigatoriedade de a pessoa jurídica manter em

224 Fundamentos do imposto de renda, p. 426.

boa ordem seus livros comerciais e fiscais e demais documentos e papéis que tenham servido de base para a escrituração.

Admitir que o sujeito passivo tem o direito de “optar” pela apuração do imposto sobre a renda pelo método do lucro arbitrado em qualquer circunstância seria ignorar a obrigatoriedade que toda pessoa jurídica tem de manter em ordem e apresentar à fiscalização sua documentação contábil e fiscal sempre que para tal tenha sido regularmente intimada. Caso o autoarbitramento do lucro fosse uma escolha, também o seria a manutenção da documentação contábil e fiscal, transformando em opção o cumprimento do Código Civil e das leis tributárias que obrigam o sujeito passivo a manter referida documentação em ordem e à disposição do fisco.

Ademais desses argumentos, EURICO DE SANTI225 aponta ainda o aspecto penal da omissão da escrita comercial e fiscal com o intuito de obter o benefício da redução do tributo:

“Além disso, convém advertir que a lei 8.137/90, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, estipula no seu art. 2.º que a conduta de ‘omitir declaração sobre rendas’ (elemento objetivo do tipo) com o fim de ‘eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento do tributo’ (elemento subjetivo do tipo) subsume-se, perfeitamente, à conduta recomendada pela tese de autoarbitramento, ensejando a qualificação de ‘crime contra a ordem tributária’ e a respectiva pena de seis meses a dois anos de reclusão”.

Concordando com esse posicionamento, concluímos, com estas ponderações, que o sujeito passivo não é livre para fazer o autolançamento do imposto sobre a renda com base no autoarbitramento. Não pode utilizar-se do autoarbitramento como planejamento tributário, porque, com isso, viola a lei. Não pode omitir informações com o objetivo de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos.

Diante da interpretação sistemática das normas do direito posto, a pessoa jurídica só pode fazer o autolançamento com base no autoarbitramento nas circunstâncias em que a lei autoriza, ou seja, somente nos casos em que não possua escrituração contábil e fiscal ou esta seja imprestável para identificar a efetiva movimentação financeira, inclusive bancária, ou determinar o lucro real ou nas demais hipóteses previstas em lei. Procedendo indevidamente, sujeita-se ao

225 Imposto de renda: análise da possibilidade da opção pelo lucro arbitrado por iniciativa do contribuinte e aspectos penais. Revista Dialética de Direito Tributário. n.º 137, p. 36.

lançamento com base em outro método de apuração, caso a autoridade fiscal verifique que o autolançamento foi feito ao arrepio da lei, além de submeter-se às sanções previstas na legislação tributária e penal.

Por outro lado, incorrendo em uma das hipóteses previstas para o arbitramento do lucro, sendo conhecida a receita bruta, o sujeito passivo pode fazer o autolançamento por meio do autoarbitramento. Não precisa aguardar até que haja uma ação fiscal para que, ao seu término, um agente da fiscalização faça o lançamento.

Sobre o assunto já se manifestaram a Secretaria da Receita Federal do Brasil e o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda (atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF), conforme ementas a seguir transcritas:

AUTOARBITRAMENTO. Quando conhecida a receita bruta da empresa e ela não mantiver a escrituração de livro fiscal obrigatório será possível efetuar o pagamento do Imposto de Renda da pessoa jurídica com base no lucro arbitrado pelo próprio contribuinte (Solução de Consulta n.º 53, de 2005, emitida pela 10.ª Região Fiscal).

LUCRO PRESUMIDO. O autoarbitramento é uma forma excepcional de apuração dos tributos devidos, se presente uma das circunstâncias legalmente previstas, a impedir a apuração regular da base tributável.

Inadmissível a manipulação deste direito, após o início da ação fiscal, para transformá-lo em um meio de ocultar as irregularidades existentes na escrituração que suportou a apuração do lucro antes declarado como tributável (DRJ/Campinas, 1ª Turma, Acórdão nº 6.249, 23.3.2004).

PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL - RECURSO DE OFÍCIO - IRPJ - ARBITRAMENTO DOS LUCROS POR INICIATIVA DO SUJEITO PASSIVO.

HIPÓTESES - Conhecida a receita bruta e configurada a ocorrência de quaisquer das hipóteses previstas nos incisos de I a VII do artigo 47, da Lei nº 8.981, de 1995, o sujeito passivo se acha autorizado a adotar o autoarbitramento para a apuração do imposto de renda devido no correspondente período. (Primeiro Conselho de Contribuintes, Quinta Câmara. Acórdão n.º 105-14867, de 02/12/2004)

Ante todo o exposto, entendemos que andou bem o legislador regulamentar, ao dispor, no caput do artigo 531 do Decreto n.º 3.000, de 1999, que o contribuinte pode efetuar o pagamento do imposto correspondente com base no lucro arbitrado quando conhecida a receita bruta e desde que ocorrida uma das hipóteses do artigo 530 do mesmo diploma, o que significa dizer que, desde que conhecida a receita bruta, o próprio contribuinte pode proceder ao arbitramento do lucro e ao pagamento do tributo correspondente, se e somente se:

a) obrigado à tributação com base no lucro real, não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e fiscais, ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela legislação fiscal;

b) a escrituração a que estiver obrigado revelar evidentes indícios de fraudes ou contiver vícios, erros ou deficiências que a tornem imprestável para:

• identificar a efetiva movimentação financeira, inclusive bancária;

ou

• determinar o lucro real;

c) deixar de apresentar à autoridade tributária os livros e documentos da escrituração comercial e fiscal, ou o livro Caixa (caso tenha exercido opção pelo lucro presumido);

d) optar indevidamente pela tributação com base no lucro presumido;

e) o comissário ou representante da pessoa jurídica estrangeira deixar de escriturar e apurar o lucro da sua atividade separadamente do lucro do comitente residente ou domiciliado no exterior;

f) não mantiver, em boa ordem e segundo as normas contábeis recomendadas, livro-razão ou fichas utilizados para resumir e totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no diário;

g) não escriturar ou deixar de apresentar à autoridade tributária os livros ou registros auxiliares de que trata o § 2.º do artigo 177 da Lei n.º 6.404, de 1976, e § 2.º do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 1.598, de 1977.

Nesses casos, como vimos, o sujeito passivo submete-se ainda às sanções previstas para o descumprimento dos deveres instrumentais ou formais.

10.2. DOCUMENTAÇÃO IMPRESTÁVEL, CASOS OBSCUROS. O VALOR

No documento IMPOSTO SOBRE A RENDA: LUCRO ARBITRADO P (páginas 136-142)