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DOCUMENTAÇÃO IMPRESTÁVEL, CASOS OBSCUROS. O

No documento IMPOSTO SOBRE A RENDA: LUCRO ARBITRADO P (páginas 142-147)

10 CASOS POLÊMICOS

10.2. DOCUMENTAÇÃO IMPRESTÁVEL, CASOS OBSCUROS. O

10.2. DOCUMENTAÇÃO IMPRESTÁVEL, CASOS OBSCUROS. O VALOR

Também BULHÕES PEDREIRA229 manifesta-se sobre esse tema, advertindo que a falta de comprovação de despesas autoriza o arbitramento do lucro, mas somente se os lançamentos não comprovados são em vulto ou importância capaz de comprometer toda a escrituração. A desclassificação da escrituração somente se justifica se as irregularidades forem sérias: se não for este o caso, as deduções não comprovadas devem ser glosadas e acrescidas ao lucro líquido demonstrado pela escrituração.

No mesmo sentido, MARIA RITA FERRAGUT230 defende que a documentação do sujeito passivo pode encontrar-se viciada sem que isso impeça que o conteúdo que deveria suportar possa ser identificado por meio de outros suportes físicos. Complementa que o “que importa para o Fisco quando a função administrativa estiver voltada para a investigação da ocorrência fática do evento descrito no fato jurídico tributário, é saber se o evento descrito no fato ocorreu, não sendo qualquer dificuldade que o exonerará do dever de lançar baseando-se em provas diretas”.

O Poder Judiciário vem entendendo de forma análoga: somente nos casos em que não é, de todo, possível a apuração do lucro tributável, admite-se o arbitramento, a exemplo dos julgados cujas ementas a seguir transcrevemos:

TRIBUTÁRIO - AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL - OMISSÃO DE RECEITA - IMPRESTABILIDADE DA ESCRITURAÇÃO - ARBITRAMENTO - ART. 148, CTN E REGULAMENTO DO IMPOSTO DE RENDA - RIR/80, APROVADO PELO DECRETO nº 85.450/80, ART. 399, II E IV. (...) 2 - Não há falar em irregularidade do procedimento de arbitramento do lucro da empresa. Em primeiro lugar, as autoridades fiscais da SRF tomaram a decisão pelo arbitramento por haverem detectado omissão de escrituração de mais de 200.000 documentos alusivos a operações da empresa, o que, irrefutavelmente, coloca em dúvida a credibilidade da documentação fiscal da empresa e, consequentemente, autoriza a desconsideração da escrita contábil oficial, nos termos do disposto no art. 148, CTN, e art. 399, IV, do Regulamento do Imposto de Renda - RIR/80, aprovado pelo Decreto nº 85.450/80. (...) (TRF 1, 7.ª Turma. AC 199738000371190 – Rel. Juiz Federal Francisco Renato Codevila Pinheiro Filho (conv.). e-DJF1 - Data:12/06/2009, pág.217)

EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL - IRPJ - MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA À MARGEM DOS CONTÁBEIS REGISTROS - PROVA PERICIAL ROBUSTA - ÔNUS CONTRIBUINTE INATENDIDO - IMPROCEDÊNCIA AOS EMBARGOS. 1. Em sede de apurada omissão de movimentação

229 Cf. Imposto sobre a renda; pessoas jurídicas, v. I, p. 266.

230 Cf. Crédito tributário, lançamento e espécies de lançamento tributário. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de especialização em Direito Tributário. Estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho, p. 328.

bancária, assim mantida à margem dos contábeis registros, analisando a r.

prova pericial livros e declarações, em mérito com precisão pontua o r. laudo não foi localizado o Livro Caixa da atividade empresarial, sendo que no Livro Diário a inexistir qualquer lançamento de movimentação bancária, por fim e também essencialmente registrando o r. laudo deu-se a desclassificação da escrita em função da falta de escrituração da movimentação bancária. 2.

Consistentes, sólidos, os informes periciais em pauta, enquanto o contribuinte não logrou coligir ao feito elementos de convicção hábeis a desfazer / abalar a presunção de certeza e decorrente liquidez do crédito em pauta. 3. Instaurada a ação fiscal, com objetividade demonstra a constatação, deu-se movimento bancário em nome dos sócios da parte apelante, sem o elementar registro contábil no movimento diário, a defletir deficiente escrita e sua imprestabilidade ao apuratório do lucro, assim ocasionando o realizado arbitramento, com detalhamento produzido o levantamento construído. 4. No arbitramento deu-se a apuração de cálculo estampada, emblematicamente concluindo a União, instaura insegurança na fidelidade da escrita a falta de contabilização do bancário movimento, a justificar desclassificação e arbitramento do lucro da atividade empresarial.

(...) (TRF 3, Turma Suplementar da 2.ª Seção. AC 98030286510. Rel. Juiz Silva Neto – Data: 26/06/2008. DJF3 de16/07/2008).

Por outro lado, havendo possibilidade de apurar o lucro real, não há que se falar em arbitramento do lucro. O agente da Administração não está, neste caso, autorizado a arbitrar o lucro, devendo a tributação ser feita pelo lucro real, com base na presunção de omissão de receita:

TRIBUTÁRIO. EMPRESA SUBMETIDA À TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO REAL. OMISSÃO DE RECEITA. IMPOSTO DEVIDO CALCULADO PELO TOTAL DA RECEITA OMITIDA. INAPLICABILIDADE DO ART. 400, PARÁGRAFO 6º, DO RIR/80 - DECRETO 85.450/80, QUE PREVÊ O LANÇAMENTO POR ARBITRAMENTO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. A questão diz respeito à aplicação do disposto no parágrafo 6º do artigo 400 do RIR/80, tendo sido o contribuinte autuado pelo fisco federal em virtude de irregularidades constatadas na respectiva escrituração. 2. Hipótese na qual a fiscalização realizada na escrituração da empresa conseguiu detectar a existência de omissão de receita, cujo valor integral foi considerado no cálculo do lucro real, na forma do art. 387 do Regulamento. 3. O regime de arbitramento, a que pretende ser submetida a agravante, está vinculado à imprestabilidade da escrituração contábil e financeira da empresa, quando da apuração, pelo fisco, da existência de receita omitida, situação diversa a dos autos, em que o valor omitido fora apurado pela fiscalização nos livros contábeis da própria contribuinte. Precedentes. 4. Apelação não provida (TRF 5, Terceira Turma. AMS 9405064231. Rel. Des. Federal Frederico Pinto de Azevedo. Data: 22/10/2009. Publ. DJE 03/11/2009, pág.374)231. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (antigo Conselho de Contribuintes) já manifestou o mesmo entendimento:

LUCRO ARBITRADO. CABIMENTO - O resultado da pessoa jurídica deve ser apurado mediante arbitramento do lucro quando não são apresentados

231 No mesmo sentido, TRF 5, Terceira Turma. AG 200905000079734. Rel. Des. Fed. Vladimir Carvalho. Data:

28/05/2009. Publ. DJ de17/07/2009 - Página:306

elementos que permitam o levantamento sob outra forma nem a efetiva movimentação financeira realizada pela pessoa jurídica (Primeiro Conselho de Contribuintes, 3.ª Câmara, Acórdão n.º 103-23640, de 17/12/2008).

Concluímos, deste estudo, que não cabe ao sujeito passivo e muito menos ao agente da fiscalização qualquer escolha quanto à utilização ou não da escrita comercial e fiscal do contribuinte. Se sua escrita puder ser aproveitada, deve ser. É que, como vimos, o lucro real é o que melhor espelha a materialidade da regra-matriz de incidência do imposto sobre a renda, e deve prevalecer frente ao arbitramento, uma presunção legal relativa. Sendo assim, a escrita contábil e fiscal do contribuinte só deve ser desclassificada como último recurso, quando for de todo impossível o seu aproveitamento, confirmando o caráter de excepcionalidade do arbitramento do lucro. No entanto, temos que, na desclassificação da escrita, existe uma atividade humana, que nunca é totalmente destituída de discricionariedade. A decisão de desclassificar a escrita fica sujeita ao contraditório e à ampla defesa.

10.2.2. As situações limítrofes

Não pretendemos aqui estipular limites matemáticos a partir dos quais a desclassificação da escrita é mandatória. A certeza que temos é que, existindo escrituração regular, mesmo com algumas e até mesmo várias irregularidades, desde que não a inutilizem, não tendo havido opção do sujeito passivo pela tributação pelo lucro presumido, ele deve ser tributado pelo lucro real. Se a escrita é fiel à realidade ou não, cabe ao agente da administração verificar e fazer o lançamento correspondente, se for o caso.

Mas a rigor, é o agente da fiscalização que, com base nas provas e nos seus conhecimentos técnicos de contabilidade e de legislação tributária irá decidir se aquela escrita pode ou não ser utilizada. Naturalmente, essa decisão pode ser contestada pelo sujeito passivo. Cada caso deve ser analisado individualmente. Se, no curso do processo administrativo, o sujeito passivo demonstrar, com base em provas, que era possível apurar o lucro real (ou presumido) e, como consequência, o método de apuração da base tributável utilizado foi indevido, o lançamento por arbitramento deve ser anulado para dar

lugar a um novo (ou não), feito pelo método adequado (lucro real ou presumido), se não tiver ocorrido a decadência.

O agente público só está autorizado a fazer o lançamento pelo lucro arbitrado quando, com base em provas, demonstrar não ser, de todo, possível o lançamento por um dos outros dois métodos. No entanto, existem casos nebulosos, nos quais a aplicação do arbitramento do lucro é discutível.

O resultado da apuração do lucro tributável pelo método do lucro arbitrado e pelo método do lucro real em geral não é o mesmo. Na maioria dos casos, o que se observa, na prática, é que, dependendo das circunstâncias, um método resulta mais ou menos gravoso que outro. Se o valor da receita omitida for muito significativo, o valor do imposto apurado pelo lucro arbitrado pode ser mais vantajoso para o sujeito passivo. Pergunta-se se, nesta situação, é possível fazer uma “opção” pelo arbitramento, já que este se mostra mais benéfico do que a tributação pelo lucro real. Nos casos em que a tributação pelo lucro real é mais gravosa do que a tributação pelo lucro arbitrado, questiona-se ainda se o valor apurado por arbitramento configura um “limite” à tributação pelo lucro real.

Sobre este assunto, destacamos, primeiramente, que, se é possível apurar o lucro tributável do contribuinte tanto pelo lucro real quanto pelo lucro arbitrado, a primazia é do lucro real, mesmo que o lucro arbitrado seja mais benéfico. É que, como vimos, o lucro real é o que melhor retrata a materialidade contemplada na regra-matriz de incidência do imposto sobre a renda. Além disso, o arbitramento do lucro é medida excepcional, a ser aplicada nas hipóteses previstas em lei, não sendo autorizada nos casos em que o lucro real pode ser determinado.

Nessas circunstâncias, o arbitramento deve ser de todo descartado, e o valor apurado segundo esse método não serve como parâmetro ou limite à tributação pelo lucro real. Os dois métodos – lucro real e arbitrado – não convivem em um mesmo período de apuração.

Não existe método “híbrido”, parte lucro real e parte lucro arbitrado, nem para agravar nem para diminuir o valor do tributo apurado. É o que se verifica da decisão do CARF cuja ementa encontra-se a seguir transcrita:

IRPJ LUCRO REAL E LUCRO ARBITRADO - Uma vez constatada a presunção legal de omissão de receitas, caracterizada por depósitos bancários em contas-correntes da contribuinte, tidos como de origem não comprovada, revela-se inadequado o lançamento que tributa, isoladamente,

as receitas omitidas com base no lucro arbitrado sem considerar a tributação das receitas declaradas nas DIPJ’s apuradas com base no lucro real, caracterizando, assim, a utilização de dois regimes de apuração dos lucros tributáveis em relação a um mesmo ano calendário. Preliminares Rejeitadas.

Recurso Voluntário Provido. Ano-calendário: 2001 a 2003 (CARF - 2ª Turma da 2ª Câmara Processo n.º 19740.000507/2006-21 – Acórdão n.º 108-09831, de 05/02/2009)

O CARF não admite sejam utilizados dois métodos diferentes a fim de apurar o lucro tributável, em um mesmo período de apuração (no caso específico, o anual). Ou se utiliza um método, ou se utiliza outro; ou tributa-se pelo lucro real ou pelo lucro arbitrado. A lei não prevê a possibilidade de, em um mesmo período de apuração, utilizarem-se concomitantemente dois métodos de apuração do lucro tributável.

Nesse sentido, também não é possível comparar um e outro método – lucro real e lucro arbitrado – e aplicar o mais benéfico ou o mais gravoso.

Entendemos ainda não ser possível aplicar um dos métodos com a condição de que o tributo assim apurado não pode ultrapassar o tributo apurado pelo outro método.

Diante desse raciocínio, temos para nós não ser possível apurar o lucro tributável pelo lucro real tendo como limite o valor que seria tributável pelo lucro arbitrado.

No entanto, a decisão quanto ao aproveitamento da escrita comercial e fiscal do contribuinte ou a sua desclassificação cabe ao agente fiscal, com base em provas. Em que pese o fato de a lei não permitir que haja escolha do agente, não podemos desconsiderar o fato que todo ato humano envolve um certo grau de discricionariedade. Diante disso, há que se observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além do contraditório e a ampla defesa.

No documento IMPOSTO SOBRE A RENDA: LUCRO ARBITRADO P (páginas 142-147)