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III. UNIVERSIDADE

III.6. Autonomia das universidades no quadro do RJIES

A autonomia das universidades é um princípio consagrado na Constituição da República Portuguesa (CRP) através da alteração introduzida à Lei Fundamental em 1982, artigo 76.º, n.º 2 e “equivale a um verdadeiro direito fundamental das Universidades” (Miranda, 2012, p. 12). De acordo com o autor esta consagração equivale à institucionalização do princípio da liberdade de aprender e ensinar, consagrado no artigo 43.º da CRP e da liberdade de criação e investigação científica a que respeita o n.º 4 do artigo 73.º da CPR.

Não será displicente a observação do texto inicial do artigo assinalado com o título “Acesso à Universidade” e das alterações que foram sendo introduzidas no âmbito das revisões que o alteraram (Tabela 7).

A consagração da autonomia universitária em sede da Constituição da República inspirou desenvolvimentos concretizados na LAU e mais tarde no RJIES. Não desconsiderando a discussão que o assunto da autonomia tem despertado em vários estudiosos da matéria (Nabais, 1991; Moreira, 2003; Pedrosa, 2015), mormente no que se refere à estreita relação entre autonomia universitária e modelos de governo das universidades, adotamos, neste domínio, a posição que nos é proposta por Pedrosa (2015, p. 821):

III.6. Autonomia das universidades no quadro do RJIES

a ideia de universidade tem mudado algo, ao longo do tempo, assistindo-se na generalidade dos países europeus à consolidação de sistemas diversificados e diferenciados de educação superior. Acontece, em todo o caso que mesmo as marcadas mudanças observadas não alteraram a convicção generalizada entre os grupos de interessados de que a educação superior mantém missões que não dispensam a autonomia.

Tabela 7 - Evolução das alterações ao artigo 73.º da CPR

Diploma Texto do Artigo

Decreto de Aprovação da Constituição, da Presidência da República. Diário da República n.º 86/1976, Série I de 1976-04-10

Artigo 76.º

(Acesso à Universidade)

O acesso à Universidade deve ter em conta as necessidades do país em quadros qualificados e estimular e favorecer a entrada dos trabalhadores e dos filhos das classes trabalhadoras.

Lei Constitucional n.º 1/82 - Diário da República n.º 227/1982, Série I de 1982-09-30, em vigor a partir de

1982-10-30 (Artigo n.º 63.º)

Artigo 76.º

(Universidade)

1. O regime de acesso à Universidade deve ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país, estimulando e favorecendo a entrada de trabalhadores e de filhos de trabalhadores. 2. As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira.

Lei Constitucional n.º 1/89 - Diário da República n.º 155/1989, Suplemento n.º 1, Série I de 1989-07-08, em vigor a partir de 1989-08-07 (Artigo n.º 45.º)

Artigo 76.º

(Universidade e acesso ao ensino superior) 1. O regime de acesso à Universidade e às demais instituições de ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.

2. As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica, administrativa e financeira.

Lei Constitucional n.º 1/97 - Diário da República n.º 218/1997, Série I-A de 1997-09-20, em vigor a partir de 1997-10-05 (Artigo n.º 48.º)

Artigo 76.º

(Universidade e acesso ao ensino superior) 1. O regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de

quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.

2. As universidades gozam, nos termos da lei, de autonomia estatutária, científica, pedagógica,

administrativa e financeira, sem prejuízo de adequada avaliação da qualidade do ensino.

Fonte: Lei Constitucional n.º 1/97.

E partimos desta posição para uma abordagem sucinta das diferentes dimensões, tendo em vista a compreensão da análise sequente que integra o nosso estudo.

A consagração da autonomia universitária em sede da Constituição da República inspirou desenvolvimentos concretizados na LAU e mais tarde no RJIES.

Não desconsiderando a discussão que o assunto da autonomia tem despertado em vários estudiosos da matéria (Nabais, 1991; Moreira, 2003; Pedrosa, 2015), mormente no que se refere à estreita relação entre autonomia universitária e modelos de governo das universidades, adotamos, neste domínio, a posição que nos é proposta por Pedrosa (2015, p. 821):

a ideia de universidade tem mudado algo, ao longo do tempo, assistindo-se na generalidade dos países europeus à consolidação de sistemas diversificados e diferenciados de educação superior. Acontece, em todo o caso que mesmo as marcadas mudanças observadas não alteraram a convicção generalizada entre os grupos de interessados de que a educação superior mantém missões que não dispensam a autonomia,

e partimos dela para uma abordagem sucinta das diferentes dimensões, tendo em vista a compreensão da análise sequente que integra o nosso estudo.

A autonomia estatutária das universidades, consagrada no artigo 76.º da CRP, como atrás referido, deverá, na sua aplicação, ser conjugada com outros princípios, também eles elementares por integrarem a Lei Fundamental, designadamente no que se refere à aplicação dos princípios de gestão democrática, previstos nos artigos 2.º e 77.º da CPR e da separação e interdependência de poderes, artigo 2.º da CPR, a par da garantia dos direitos de todos os

III.6. Autonomia das universidades no quadro do RJIES

membros de cada instituição – o regime do pessoal docente e investigador, bem como do não docente e não investigador - (Miranda, 2012, p. 13).

De acordo com Miranda (2012), autonomia estatutária “significa auto-organização interna das universidades” (p. 13), cabendo às instituições a forma de elaboração e aprovação dos seus estatutos, a definição da sua missão e funções específicas, as unidades de ensino e de investigação que integram, a maior ou menor descentralização o governo e a gestão das unidades orgânicas e duração dos respetivos mandatos, a forma de relacionamento e coordenação com os seus pares e outras entidades públicas ou privadas, e outros (Miranda, 2012; Lei N.º 62, 2007).

A autonomia científica atribui às universidades públicas a capacidade de definir, programar e executar a investigação e outras atividades de caráter científico, sem prejuízo dos critérios e procedimentos de financiamento público da investigação (Lei N º 62, 2007, artigo 76.º). De acordo com Canotilho et al. (p. 373), a autonomia científica “traduz-se no direito de autodeterminação e auto-organização das universidades em matérias de índole científica, como seja a seleção de áreas de investigação, organização da investigação” (p. 373). A autonomia pedagógica está também conexionada com a liberdade de ensino e consiste na capacidade de autodefinição, através de órgãos universitários competentes, das formas de ensino e de avaliação, da organização das disciplinas e da distribuição do serviço docente, etc. A autonomia administrativa consiste na autoadministração ou autogoverno, através de órgãos próprios emergentes da própria comunidade universitária (gestão dos seus próprios assuntos, prática de atos administrativos próprios, celebração de contratos, recrutamento de pessoal, inclusive de docentes, etc.). Finalmente, a autonomia financeira abrange designadamente o orçamento próprio, a capacidade para arrecadar receitas próprias, etc.

Miranda acrescenta, no domínio da autonomia administrativa, o poder regulamentar e o poder disciplinar, que encontram expressão no artigo 110.º do RJIES (Miranda, 2012, p. 14). Numa reflexão sobre a possibilidade de extensão desta autonomia universitária a “cada uma das partes integrantes da instituição global, (faculdades, departamentos, institutos, etc.)”, os autores consideram que “as razões que justificam a autonomia da universidade face ao exterior (especialmente face ao Estado) podem compreender também uma certa medida de autonomia intrauniversitária”. (Canotilho et al., 1993, pp. 373, 374).

Na anotação ao artigo 76.º da CRP, Canotilho et al. (1993) referem caber à lei a definição dos limites da autonomia universitária, estando, no entanto, ela própria obrigada a garantir um espaço mínimo constitucionalmente relevante, de forma a salvaguardar-se o «núcleo essencial» da autonomia universitária. Os autores afirmam que, à luz da Constituição, as universidades não podem pertencer à administração direta do Estado, integrando antes a administração pública autónoma ou a administração indireta do Estado, com sujeição à tutela governamental ou à sua superintendência, mas não à sua direção (p. 374).

Contudo, não obstante a consagração dos princípios da autonomia universitária quer na Lei Fundamental quer na legislação reguladora, a instabilidade autonómica é uma realidade em resultado da perda de prioridade das universidades29 nas políticas públicas, identificada

através do financiamento estatal, obrigando à procura de “novas dependências” (Santos e Filho, 2008, p. 17). E porque, segundo o autor, “a autonomia científica e pedagógica assenta na dependência financeira do Estado” (p. 16) a concessão de autonomia afirmada partir da década de oitenta do século XX, “ficou sujeita a controlos remotos estritamente calibrados pelos Ministérios das Finanças e da Educação” (p. 17).

Por outro lado, as universidades estão sujeitas a pressões constantes, desde a exigência para que seja assegurada a qualidade da oferta formativa que promovem e a sua conformação à procura no domínio do emprego, da promoção da investigação científica, até às respostas requeridas pelas políticas nacionais, europeias e internacionais, com a sujeição do quadro da autonomia à função de corresponder ao “cada vez mais competitivo ‘mercado’ do ensino superior global” (Amaral, et al., 2015, p. 82).