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III. UNIVERSIDADE

III.5. Universidade Portuguesa – Da Primeira República ao século XXI

III.5.1. Processo de Bolonha

À emergência de novos modelos de governação das universidades em diversos países da Europa, na década de oitenta, não terá sido alheia a Reforma do Estado Providência, fazendo “sobressair conceções liberalizantes e um modelo institucional”, de tipo anglo-americano, distinto do enraizado “nos países nórdicos e do sul da europa” (Lima, Azevedo e Catani, 2008, p. 9). O processo de mimetismo através do qual foram adotados princípios da reforma do Estado e da Administração Pública e os efeitos da globalização, em termos económicos, sociais, mas também culturais e de políticas educacionais, levaram ao progressivo esbatimento da diversidade no campo universitário europeu. Para este fenómeno muito tem concorrido a criação de um espaço europeu de educação superior26, que encontra a sua génese

26 A criação de um espaço universitário europeu, que contou como instrumentos a Declaração da Sobornne, de

Bolonha e as reunião que se lhes seguiram, facilitador da mobilidade de estudantes e de docentes, tem subjacente uma estratégia da União Europeia no sentido dotar as universidades de boas condições (lucrativas) para se lançar em formas mais avançadas de transnacionalização da educação, preconizada em 2000, pela OCDE, no âmbito do Acordo Geral sobre o Comércio dos Serviços (GATS), sendo a educação um dos doze serviços envolvidos.

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na Magna Charta Universitatum, subscrita pelos Reitores [Rectores] das Universidades Europeias que se reuniram em Bolonha por ocasião do IX centenário da mais antiga de entre elas, em Setembro de 1988, onde é expressa a importância do papel a desempenhar pelas universidades numa sociedade competitiva, em contínua mudança, salientando o seu papel decisivo para o futuro da Humanidade, já que este depende, “em grande parte do desenvolvimento cultural, científico e técnico, produzido em centros de cultura, conhecimento e pesquisa, representado por verdadeiras universidades” (Rectores, 1988). Nos quatro pilares fundamentais enunciados no documento está expresso o carácter autonómico das universidades, a indissociabilidade do ensino e da investigação. A liberdade de investigação e formação é proclamada como o princípio fundamental da vida universitária que os órgãos de governo devem assegurar e respeitar. É rejeitada a intolerância e dada primazia a um diálogo permanente no seio da Universidade, considerada como o espaço ideal para os professores transmitirem os seus conhecimentos e desenvolverem pesquisa e inovação. A mobilidade de professores e estudantes é um dos meios apontados para o cumprimento da missão da Universidade europeia, enquanto depositária da tradição do humanismo europeu, expressa na preocupação constante em alcançar o saber universal, não considerando fronteiras geográficas ou políticas, e na afirmação da necessidade fundamental do conhecimento mútuo e interação entre as diferentes culturas (Rectores, 1988). À Magna Charta Universitatum sucede a Declaração da Sorbone, assinada em 1998, Déclaration conjointe sur l’harmonisation de

l’architecture du système européen de l’enseignement supérieur, percussora da Declaração de

Bolonha, atrás citada. Em 1999, os Ministros de vinte e nove Estados europeus27 entre os

quais Portugal, assinaram a Declaração de Bolonha.

A centralidade do Processo de Bolonha tem assentado sobre as reformas estruturais com o objetivo de promover coerência e eficácia nos sistemas de ensino superior europeus, estabelecendo um conjunto de características, de entre as quais se assinalam as relativas à estrutura do ensino superior em três ciclos de estudo – licenciatura, mestrado e doutoramento - e a conceção do sistema europeu de créditos – European Credit Transfer and Accumulation

System (ECTS). Este é um dos instrumentos fundamentais do modelo de formação adotado,

porquanto considera as horas de trabalho global atribuído a cada unidade curricular (UE, 2011b). As atividades desenvolvidas no âmbito da formação do indivíduo, para além do plano

(Santos, Boaventura de Sousa (2005). A Universidade do Século XXI: Para uma Reforma Democrática e Emancipatória da Universidade. Educação, Sociedade & Cultura, pp. 150-153).

curricular formal, poderão ser tomadas em consideração em sede de Suplemento ao Diploma que “facilita a mobilidade, após a formação, e a empregabilidade com base em informações sólidas e precisas sobre as qualificações” (Decreto-Lei n.º 42/2005, 2005, p. 1494), que tem por base o Quadro Nacional de Qualificações [QNQ], em Portugal consagrado no Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de dezembro de 2007. O QNQ visa “ integrar os subsistemas nacionais de qualificação e melhorar o acesso, a progressão e a qualidade das qualificações em relação ao mercado de trabalho e à sociedade civil” (Decreto-Lei N.º 396/2007, 2007, p. 9168). O incentivo à mobilidade de estudantes e de profissionais, associado à expansão da oferta formativa decorrente da rápida massificação do ensino superior, estão na base da criação de um mecanismo essencial que visa assegurar a comparabilidade de formações e o reconhecimento de competências, num quadro de garantia de qualidade. No seu conjunto, estes esforços de reforma vieram proporcionar novas oportunidades tanto às universidades como aos estudantes. Segundo a Comissão Europeia (2009), o lançamento do Registo Europeu de Garantia da Qualidade do Ensino Superior “está a dar maior visibilidade ao ensino superior europeu e a reforçar a credibilidade das instituições e dos programas na Europa e no mundo” (p. 2).

De acordo com o Memorando 09/171, de 22 de abril, da Comissão Europeia, num inquérito efetuado aos alunos de trinta e um países europeus – todos os Estados-Membros da UE e Croácia, Islândia, Noruega e Turquia – oitenta e três por cento dos inquiridos opinaram que “os relatórios independentes sobre a qualidade de universidades e programas ajudam os alunos a decidir onde estudar, na base da qualidade/reputação da instituição e seus programas de estudo” (CE, 2009, p. 3).

Os princípios reguladores de instrumentos para a criação do espaço europeu de ensino superior foram transpostos para o ordenamento jurídico português através da publicação do Decreto-Lei N.º 42/2005, de 22 de fevereiro, aplicável a todos os estabelecimentos de ensino superior e a todas as formações ministradas. No preâmbulo do diploma consagra-se o Processo de Bolonha como “um vetor determinante para o cumprimento da Estratégia de Lisboa para 2010” (Decreto-Lei N.º 42/2005, 2005, p. 1494), conferindo centralidade ao ensino superior no papel decisivo que detém para tornar a europa no “espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo, baseado no conhecimento e capaz de garantir um crescimento económico sustentável, com mais e melhores empregos e com maior coesão

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social” (Decreto-Lei N.º 42/2005, 2005, p. 1494). A missão do ensino superior está assim focada num processo de globalização.

A Declaração de Bolonha viu aditadas linhas de ação, através do Comunicado de Praga, em 2001: maior envolvimento dos estudantes na gestão das instituições e promoção da formação ao longo da vida que potencia a abertura a novos públicos.

O Estado passou a ter funções de regulação, essencialmente através da avaliação, “apresentada como um contraponto indispensável à autonomia” (Lima, n.d., p. 240), pelas regras de financiamento e pela imposição de adesão e adequação ao Processo de Bolonha. É dada particular importância à avaliação externa, segundo orientações padronizadas. Há uma pretensão de “reformar o sistema de governo das instituições, de modo a consolidar a autonomia, desenvolver a cultura de prestação de contas e flexibilizar as formas de organização e gestão e de estruturar um sistema de garantia de qualidade” (Lima, n.d., p. 240). Neave e Amaral (2012) assumem que a doutrina básica impulsionadora do ensino superior na Europa é o neoliberalismo, que consideram o responsável por uma acentuada rutura com o paradigma político e histórico com que se conformavam as universidades da Europa até ao final dos anos setenta do século XX. Em resultado, são evidenciadas alterações significativas ao longo das duas últimas décadas do século passado, como a privatização do ensino superior, a partilha de custos, através da alteração do valor das propinas, a supervisão pública sobre a qualidade académica bem como sobre o desempenho e a produtividade, e a introdução de práticas de gestão regidas por princípios advindos do setor privado. As mudanças no ensino superior europeu estão a levar um afastamento deste sistema das fronteiras históricas do Estado-Nação, privilegiando o direcionamento no sentido de outras regiões e redes transfronteiriças, numa lógica de aprofundamento do sistema multinacional perspetivado na Declaração de Bolonha, operacionalizado através de um processo de convergência28 (pp. 1-

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28 De acordo com os autores, “convergência” é vista como “o progresso alcançado na implantação de medidas

destinadas a assegurar os objetivos compartilhados e acordados” e “está intimamente ligada com uma dinâmica específica para mudar a relação entre os três níveis da tomada de decisão: europeu, nacional e institucional. Neave, G., & Amaral, A. (2012). Introduction. On Exceptionalism: The Nation, a Generation and Higher

A criação de um sistema europeu de ensino superior tem como consequência, segundo Amaral (2008) uma perda de protagonismo dos Estados que se traduz numa redução da autonomia relativa dos Estados nacionais, neste domínio, a uma deslocalização do espaço de debate, à falta de participação ou a uma participação difusa dos atores educativos, em favor da intervenção de stakeholders.

Já no ano de 2004, Gago (2004), no discurso produzido aquando das Jornadas de Bolonha na Universidade de Aveiro, frisou as ameaças que se colocavam, então, às universidades, tendo destacado “o ataque à autonomia universitária e a tentativa de implantação na opinião pública da ideia (reacionaríssima a parecer moderna e avançada) que a autonomia universitária seria um entrave ao progresso da universidade” (p. 9). Referiu, a propósito que a autonomia universitária “nada tem a ver com critérios de eficiência, mas com o papel autónomo da universidade na garantia da liberdade de pensar e de difundir o pensamento livre” (p. 9). Salientou ser esta a razão essencial da autonomia universitária “como pilar da democracia” (p. 9).