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III. UNIVERSIDADE

III.3. Caracterização da universidade – Evolução

A universidade encontra as suas origens na Europa Ocidental, na Idade Média, se assumida a definição clássica de “universidade”19, e constitui-se “no contexto do renascimento comercial

e urbano do início do segundo milénio”, em resultado do “aumento do número de escolas secundárias cardinalícias […] e do surgimento de estruturas de ensino de tipo corporativo, incorporando a representação de interesses comuns de estudantes e professores” (Santos e Filho, 2012, p. 30). Bolonha, Paris e Oxford foram os centros urbanos onde se constituíram as primeiras universidades, emprestando-lhes a sua designação. Em Portugal, a primeira Universidade foi criada em 1290, por D. Dinis, em Lisboa, tendo sido transferida para Coimbra em 1308. A sua localização foi alternada por aquelas duas cidades, entre os séculos XIV e XVI, tendo sido fixada definitivamente em Coimbra, em 1537. (Santos et al., 2012) Não obstante a pluralidade das origens e da “tutela exterior por instituições políticas estaduais ou por Igrejas institucionais”, “a evolução dos modelos e funções foi globalmente repetitiva, no essencial” (Moreira, 2012, p. 9). Apesar da relação direta do conceito destes “centros do saber e do fazer” aos objetivos dos fundadores, o empreendimento da procura do saber e do saber fazer foi alicerçado no “princípio da liberdade de observação, das conclusões e das valorações, trave mestra da identidade universitária” (Moreira, 2012, p. 9). Em Portugal, a Universidade viu ser-lhe conferida, no início da sua criação, um conjunto de princípios inerentes a um quadro de autonomia inscrito na Charta Magna Priviligiorum, atribuída por D. Dinis à Universidade de Coimbra, em 1309, onde se determinava, designadamente, o direito à elaboração dos seus estatutos20, a possibilidade de escolher as autoridades responsáveis pelo

seu governo, a isenção do pagamento de selo e de taxas. Não fora o estreito relacionamento mantido pela Universidade com o poder económico e eclesiástico, poder-se-ia dizer que

19 A universidade foi precedida em muitas centenas de anos por centros de conhecimento e de formação

avançada com influência destacada no desenvolvimento da Humanidade, como é o caso das madrasah islâmicas, da Escola de Nalanda, na Índia, a Biblioteca de Alexandria e, recuando ainda no tempo, a escola fundada por Platão, considerada a primeira escola de filosofia, e o Liceu fundado por Aristóteles (Santos & Filho, 2012). A primeira conceção moderna de universidade é enunciada por Newman, segundo o qual as universidades são centros de transmissão de conhecimentos, tendo em vista o desenvolvimento da inteligência dos indivíduos através do ensino (Allen, M. (1988). The goals of universities. Milton Keynes: Society for Research into Higher Education/Open University Press)

20 Direito só exercido no reinado de D. João I, em 1431 (Sá, 1970, p.15; Gomes, 1986, p. 10, como citado por

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gozava, nesta altura, de ampla capacidade autonómica21 (Cardoso, 1989). De acordo com

Cardoso (1989), este relacionamento ente a “Universidade e o poder central” (p. 127) em Portugal, tal como no resto da Europa, perdurou até finais do século XIV, sendo, a partir deste período, abalada por episódios demonstrativos do fortalecimento do poder real que foram enfraquecendo as prerrogativas universitárias (Cardoso, 1989). Alguns soberanos assumem o controlo político das instituições de conhecimento, usando-as para a prossecução dos seus interesses, designadamente coloniais, com a formação de gestores, sacerdotes e outros quadros profissionais (Santos et al., 2012). Verifica-se, essencialmente na Europa central e do norte, que as liberdades institucionais, garantes do respeito pelo espaço territorial e político das universidades, são restringidas. Também em Portugal se vem a consagrar o princípio de que é ao protetor da universidade, que a partir de então passa a ser o rei, a quem compete o direito da elaboração dos estatutos, através da outorga dos Estatutos manuelinos, promotores de uma diminuição da autonomia universitária (Cardoso, 1989). Na Europa mediterrânica, “o domínio da Igreja Católica Romana reforça o conservadorismo e a tradição” (Santos et al., 2012, p. 34). É neste contexto que se assiste à revolução científica do século XVII e à “resistência e até hostilidade” (Santos et al., 2012) das instituições universitárias, cujo ensino era baseado na escolástica e nos livros, relativamente ao novo saber que desabrochava sob a égide de sociedades científicas, academias, laboratórios, que tiveram um papel determinante no desenvolvimento do conhecimento científico.

As Descobertas e consequente colonização propiciaram a exploração de novos e extensos territórios, da sua fauna e flora, pelo que terão sido decisivas para a criação do primeiro estabelecimento de ensino português a considerar no seu currículo o ensino experimental das ciências: o Real Colégio dos Nobres, em meados do século XVIII, por Marquês de Pombal (Santos et al., 2012), pela mão de quem a autonomia universitária sofreu um novo revés, com a publicação dos Estatutos pombalinos, em 1772, promovendo o reforço da submissão da universidade ao poder real, designadamente através da definição do tempo de duração dos cursos, seus planos de estudo, método de ensino e de avaliação (Cardoso, 1989).

A ingerência do Estado na autonomia da universidade não era exclusivo da Universidade portuguesa. Esta situação foi denunciada por Immanuel Kant, percursor da primeira reforma

21 Esta ideia de emancipação é contestada por Gomes (1986) quando refere “[…]pois não me parece que possa

universitária na Europa ao denunciar a ingerência do Estado na autonomia da Universidade, tendo feito a apologia da defesa de liberdade de pensamento. No entanto, o autor da primeira grande reforma universitária deve-se a Guilherme von Humboldt que, através do Relatório divulgado em 1810, defendeu a pesquisa científica como base da verdade e a repartição dos campos de conhecimento a partir do conceito de cátedra, tendo em vista a organização do saber e a atribuição da responsabilidade pela gestão de cada disciplina científica a um “líder intelectual autónomo” (Santos et al., 2012, p. 39). A reforma humboldtiana foi marcada por princípios de liberdade individual de professores e de alunos e a investigação afirma-se como a base acreditada do que deve ser ensinado (Rocha, 2000b; Santos et al., 2012). O compromisso da produção do conhecimento é a segunda missão da Universidade. A Universidade de Berlim foi a primeira Universidade criada à luz dos princípios enunciados que, na segunda metade do século XIX, estão disseminados no Império Austro-Húngaro, Países Baixos, Suíça e países escandinavos (Santos et al., 2012, pp. 40,41)

Em França, no final do século XVIII, foi consolidado um outro modelo, preconizado por Pierre-Georges Cabanis, assente sobre “bases científicas e diretrizes tecnológicas” (Santos et al., 2012, p. 40), originárias do racionalismo cartesiano, derivado do pensamento do filósofo René Descartes. Este modelo de ensino superior, organizado durante o período napoleónico, que lhe emprestou a designação, pressupõe faculdades providas de autonomia, com capacidade para decidirem sobre as disciplinas e cursos que ministram, e implica a existência de um corpo docente disciplinado e hierarquizado (Rocha, 2000b; Santos et al., 2012). Paralelamente, fora do sistema universitário, são criadas as Grandes Écoles vocacionadas para dar resposta às necessidades emergentes, provindas da revolução industrial, de quadros superiores para integrarem os serviços do Estado. Na Universidade é dada primazia ao ensino, complementado com unidades de pesquisa associadas. É sob a égide de Cabanis que é introduzido o conceito oficial de License (Licenciatura). Este modelo foi adotado e sobreviveu durante dois séculos nos países submetidos à influência ideológica e cultural da França, designadamente os da Europa do sul, a que Portugal não foi alheio, e os países recém- autonomizados, como Brasil, no século XIX (Santos et al., 2012, p. 41).

Na Inglaterra, grande potência económica no século XIX, foi criada uma “rede de instituições superiores científica e técnica”, cujos expoentes são as Universidades de Oxford e Cambridge, com a finalidade de formar profissionais para atender às necessidades económicas da “maior

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potência industrial, militar e colonial do mundo e centro de uma economia capitalista em rápida expansão” (Santos et al., 2012, p. 42).

Na Europa conviveram, assim, durante o século XIX e a primeira metade do século XX, uma multiplicidade de modelos de formação superior. O modelo humboldtiano, caracterizado por um regime de gestão unipessoal, firmou-se na Alemanha e no Reino Unido. Em França, coexistiam as universidades com os collèges as écoles supérieures e as écoles polythecnics. Na Itália imperava o ensino direcionado para a formação profissional (Santos et al., 2012). Nos Estados Unidos os primeiros colleges surgiram no século XVII, no período correspondente ao início da colonização, com o objetivo de responder às necessidades educativas das comunidades locais e preservar os seus valores religiosos. No século XIX, verifica-se a cisão do sistema de ensino superior em dois planos diferenciados: um representado pela Universidade de Harvard e pela Universidade John Hopkins, cujos professores eram, na sua maioria, formados em universidades alemãs, que “se distanciavam do pragmatismo para se dedicarem à investigação científica e conhecimento humanístico” (Santos et al., 2012, p. 43). O outro plano incluía os junior colleges, centrados na preparação para o trabalho e na ascensão da cultura geral, e os land-grant colleges, centrados na ciência e nas artes. No início do século XX, os Estados Unidos eram palco de elevadas taxas de crescimento e eram a referência do capitalismo industrial. De acordo com os autores, por esta época foi instituída uma comissão avaliadora do estado do ensino superior, cujo presidente, Flexner, preconizou uma estrutura curricular assente na existência de ciclos de estudos, com grande flexibilidade de percursos. Em termos organizacionais, foi concebido o sistema departamental e criados centros de pesquisa autónomos (Santos et al., 2012).

A Segunda Guerra Mundial foi impulsionadora da importância concedida pelos norte- americanos à ciência e tecnologia, conferindo-lhes a primazia da liderança do desenvolvimento universitário, de que resultou o reforço da componente da investigação científica na universidade e o nascimento da preocupação da prestação de serviços à comunidade, hoje conhecidas como atividades de extensão, de transferência e de inovação. Estas vertentes acompanhadas de outras, integrantes do chamado compromisso social da

Universidade, ou de responsabilidade social, que incluem, nomeadamente, a sustentabilidade,

o ambiente e a cultura configuram o que é hoje aceite como terceira missão da Universidade (Santos et al., 2012)

Na Europa persistiram modelos curriculares diferenciados, mantendo as respetivas tradições académicas, tendo a reforma Flexner influenciado alguns modelos adotados em universidades britânicas (Santos et al., 2012).

III.4. A Universidade Pública Portuguesa no contexto do Sistema do Ensino