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III. UNIVERSIDADE

III.12. Limitações dos novos modelos de gestão das universidades

(1998) faz entre ciência e pesquisa56, diferencia a relação entre a ciência e a sociedade em

dois momentos: “modo 1”, que ocorreu até aos anos setenta do século XX, em que o modo de produção de conhecimento era puramente académico, sucedido de uma contínua transformação em resultado dos interesse do mercado e crescente privatização que a conduziu ao que designou por “modo 2”, relacionado com uma “ciência pós-académica” que confronta o investigador com a investigação “feita por encomenda, patenteada, dominada por uma competição feroz” (Jorge, 2014a, p. 21) onde a garantia de um posto de trabalho se sobrepõe às normas que Merton evidenciou57 existirem na prática da ciência académica: universalismo,

comunalismo, desinteresse e ceticismo organizado (Merton, 1973).

III.12. Limitações dos novos modelos de gestão das universidades

Não obstante as vantagens enunciadas, há também problemas apontados à implementação das novas formas de gestão das universidades. No estudo desenvolvido por Pedrosa, Santos, Mano, e Gaspar (2012), que se debruça sobre o modo como o novo modelo de governo está a ser usado pelas instituições, foram identificados, de entre outros, os seguintes constrangimentos: dificuldade em delimitar as competências do conselho geral em face das competências do reitor; dificuldades resultantes da mobilização do conselho para resolução de questões do curto, médio prazo; necessidade de clarificar a legitimidade interna e externa do órgão e do seu presidente (p.124).

Segundo Araújo et al. (2009, p. 9), as ideias gestionárias são introduzidas sem a atenção suficiente às suas limitações, devido, nomeadamente, às seguintes razões: i) nem sempre

56 “No último século e meio, o desenvolvimento científico tem sido de tirar o fôlego, mas a compreensão desse

progresso mudou drasticamente. É caracterizada pela transição da cultura da “ciência” à cultura da “pesquisa”. A ciência é certeza; pesquisa é incerteza. A ciência deve ser fria, reta e independente; a pesquisa é calorosa, envolvente e arriscada. A ciência põe fim às obstinações das contendas humanas; a pesquisa cria controvérsias. A ciência produz objetividade desviando-se o máximo possível da sujeição à ideologia, paixões e emoções; a pesquisa alimenta-se de todos aqueles que tornam os objetos de investigação familiares.” Latour, B. (10 de April de 1998). Essays On Science and Society: From the World of Science to the World of Research? Science, 280,

Issue 5361 , pp. 208-209 (p. 208).

57 As Normas de Merton foram criadas em 1942 por Robert K. Merton correspondentes a quatro imperativos

institucionais que determinam o ethos da ciência moderna: 1.universalismo: as contribuições científicas devem

ser avaliadas de acordo com critérios impessoais preestabelecidos; implica que o reconhecimento e recompensas sejam proporcionais aos méritos e contribuições dos cientistas para a ciência. 2. Comunalismo: norma esta que prescreve que o conhecimento, enquanto produto do espaço coletivo da comunidade científica, deve ser divulgado e não mantido em segredo. 3. Desinteresse: prioridade atribuída ao progresso do conhecimento científico em detrimento de qualquer outro de natureza pessoal; pressupõe que o simples reconhecimento pelos pares constitui uma recompensa superior a qualquer outra de natureza material. 4. Ceticismo organizado: implica

respondem convenientemente à complexidade, mudança e racionalidade limitada que caracteriza as organizações públicas; ii) nem sempre se entende que, apesar da dimensão e complexidade da Administração Pública, esta tem especificidades próprias: funciona num contexto constitucional e é regulada por um corpo coerente de leis administrativas; iii) o seu desempenho depende da interação de elementos fundamentais, como o processo político, o processo orçamental, o processo de gestão da função pública e o processo de prestação de contas; iv) nem sempre se percebe que a gestão pública não se resume ao fornecimento de serviços públicos; v) tendencialmente, as áreas tecnológicas, dada a sua ligação ao tecido empresarial, apresentam maior potencial de acesso a financiamento para a investigação, o que não acontece com outras áreas de conhecimento como as ciências humanas ou sociais.

Esta situação de desigualdade de acesso ao financiamento pode originar divisões e tensões internas, para além de que o subfinanciamento pode debilitar certas áreas científicas. Os autores referem, igualmente, em termos reflexão, a existência de uma preocupação exclusiva com as técnicas de controlo de gestão que, não obstante as suas virtudes, desviam a atenção das questões essenciais que estiveram na criação dos serviços públicos. Por exemplo, a ênfase excessiva em indicadores de desempenho e a concentração na quantificação de objetivos, não considera adequadamente quem está a obter o benefício, nem o empenho com que os funcionários estão a participar nas atividades. Os investigadores salientam o facto determinados fatores característicos da teoria agência, como a fixação de objetivos, a avaliação do desempenho e a responsabilidade vertical levarem ao esvaziamento de uma vertente relativa ao capital social e à solidariedade passando o enfoque a incidir sobre a competição ou concorrência (Araújo et al., 2009, p. 10).

Massy (2004) refere que se houver uma competição excessiva entre as instituições, acompanhada de uma diminuição de financiamento, e não houver controlo, elas comportar-se- ão como instituições lucrativas “ignorando o bem público inerente às suas missões”, o que levará o Estado a intervir para garantir que os objetivos políticos definidos sejam alcançados, o que contradiz o princípio de desintervenção do Estado em favor dos mecanismos reguladores do mercado (p. 28).

Em termos de financiamento, e tendo como referência os últimos anos, Portugal tem assinalado um decréscimo significativo no que se refere à despesa pública assumida com o ensino superior – em percentagem do Produto Interno Bruto – encontrando-se em divergência

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com os restantes países da União Europeia, como demonstram os dados que constam da Tabela 19.

Os potenciais efeitos disfuncionais da competição justificam a necessidade de regulação da atividade de ensino universitário.

A necessidade de informação é uma das questões apontadas por Amaral (2010) como relevantes neste domínio. Refere a sua importância para o bom funcionamento dos mercados, considerando que a sua eficiência é fundamental para que “quer os fornecedores, quer os compradores, tenham informação perfeita sobre algumas características dos bens ou serviços a comprar, tais como o preço e a qualidade, e sobre as condições do mercado” (p.54).

Tabela 19 - Despesa Pública com o Ensino Superior em Percentagem do PIB

Países / UE Anos 2001 2008 Espanha 0,97 1,07 França 1,21 1,21 Grécia 1,07 Irlanda 1,22 1,31 Itália 0,80 0,84 Portugal 1,03 0,95 EU - 27 1,08 1,14 Fonte. CRUP (2012).

Menciona, a este propósito, que “o problema da informação é particularmente agudo no caso do ensino superior devido à convergência simultânea de três características: é um ‘bem de experiência’, é uma compra rara e os custos de mudança de produto são muito altos” (p.54). Estas três razões, segundo o autor, são a justificação para a intervenção do Estado para criação de mecanismos de avaliação da qualidade e de acreditação, para defesa dos “clientes”, permitindo-lhes uma escolha informada no mercado do ensino superior. Não obstante, Dill (1997) considera que, em geral, os alunos não têm informação suficiente sobre a qualidade das instituições e dos seus cursos para fazerem escolhas sustentadas. O autor menciona que “para fazerem uma escolha económica racional, os alunos deveriam saber quais os ganhos futuros associados aos diversos cursos e não os resultados da ‘avaliação por pares dos processos de ensino, ou juízos subjetivos sobre a qualidade de um currículo’” (p. 180).

Também a transposição para as instituições de ensino superior público de princípios da gestão privada, com a ênfase na eficácia e eficiência, levou os governos a aprovar legislação que visa a concentração do poder na administração central, “reduzindo, por exemplo, a dimensão dos órgãos colegiais de gestão com capacidade de tomar decisões ou mesmo substituindo-os por conselhos de pequena dimensão e forte participação externa”, tendo em vista a aceleração da tomada de decisões, necessária num sistema complexo e imerso num meio em mudança constante (Amaral, 2010, p. 58). Outro dos efeitos apontados são os que se referem às metodologias de monitorização interna e externa, à prestação de contas do desempenho dos académicos e dos recursos que consomem, que vieram a traduzir-se numa diminuição de autonomia académica individual em favor de um aumento da autonomia institucional (Amaral, 2010, p. 59). No entanto, este reforço de autonomia institucional é um dos princípios enunciados no Relatório da European University Association recentemente apresentado sob o título Portuguese Higher Education: A View From The Outside, com a recomendação de que deverá ser “mantida e reforçada” (2013, p. 8).

De acordo com Estanque e Nunes (2003), as universidades têm desempenhado, nas sociedades modernas, “um papel central enquanto instituições de produção de conhecimentos, de intervenção sobre o mundo na base desses conhecimentos, e de formação dos seus produtores e utilizadores” (p. 9) que veio gerar uma multiplicidade de interações entre a sociedade e a universidade, exigindo-se-lhes que sejam organizações de tal forma flexíveis que permitam rearranjos contínuos da estrutura orgânica, ou consintam soluções mistas, na procura da acomodação, em cada momento, do cruzamento dos saberes e da transdisciplinaridade que cada vez mais é exigida, nomeadamente no que se refere à formação graduada. Caracterizando as missões da Universidade, em três eixos fundamentais: “ensino e reprodução dos saberes (disciplinares, técnicos); investigação e produção de conhecimento e de inovação; extensão e prestação de serviços” (pp. 9, 10), os autores indicam os vetores associados a cada um dos pilares, considerando que a redefinição da missão da Universidade, cuja abrangência destacaram, é um “compromisso improvável (se não mesmo impossível) que implicaria a redistribuição equilibrada dos recursos da instituição …/… e o reconhecimento explícito de projetos políticos e culturais conflituais que passam pelo interior da própria Universidade, que mereceriam apoio idêntico” (p, 10). Os autores sublinham que o modelo neoliberal de sociedade não é compatível com a missão redefinida conferida às universidades, tendo destacado quatro obstáculos (p.11):

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a) O primeiro tem a ver com o contraste entre a organização disciplinar e circunscrita das

unidades orgânicas tradicionais (como as faculdades e os seus departamentos) e nas formações de licenciatura, por um lado, e as experiências de transversalidade em unidades de investigação e nas formações de pós-graduação, por outro.

b) O segundo decorre das dificuldades que as universidades encontram na participação da

construção do próprio mercado de emprego, pela sua relutância em redefinir a oferta em termos transversais, mais adequados às novas condições. A subordinação a uma noção de mercado tende a reproduzir as mesmas formações, supostamente por exigência dos ‘clientes’ (as empresas, o setor público).

c) O terceiro liga-se à dificuldade de pensar as formações e as relações com a sociedade, para

além das relações com o mercado, num envolvimento em iniciativas do chamado Terceiro Setor, não lucrativo e solidário.

d) A associação preferencial das universidades aos Estados nacionais tem vindo a levantar

problemas ao projeto de repensar as universidades, as formações que oferecem e a composição dos seus corpos docentes e discentes, no âmbito de espaços supranacionais ou transnacionais. Na União Europeia, a tentativa de lidar com estes problemas tem encontrado expressão nos programas de mobilidade na procura de uma convergência de moldes de formação.

Em Portugal, as universidades contam com especificidades obstaculizantes na resposta a um novo enquadramento: a par com a necessidade de darem resposta ao processo de democratização no acesso ao ensino superior que resultou numa subordinação das políticas a esse imperativo - canalizando a atenção para este desiderato, orientação reforçada pela circunstância de um dos critérios de financiamento ser traduzido pelo número de estudantes - as universidades confrontaram-se com a constituição tardia do sistema de investigação, em grande parte fora das universidades, em unidades de Investigação e Desenvolvimento (I&D), situação que tem levado a que uma grande parte dos investigadores não pertença às organizações universitárias, implicando que uma parcela significativa da produção de conhecimento e de atividades inovadoras atravessem as fronteiras disciplinares tradicionais (Estanque e Nunes, 2003).

Numa reflexão sobre a situação do ensino superior, a nível internacional, Barber et al. (2013) salientam a pressão da concorrência sofrida pelas universidades, não apenas devido à concorrência mundial que se verifica entre elas, mas também devido a fatores como o ensino à distância e a existência de consultoras que desenvolvem investigação, competindo com as funções específicas de universidades tradicionais58. Reportando-se às alterações que se

verificam na economia global, fruto da combinação da tecnologia com a globalização, os autores identificam as implicações que tais mudanças têm para as universidades. Fazem alusão ao público-alvo e à volatilidade das suas características. Enunciam as alterações decorrentes da mercantilização do ensino superior e da procura das melhores ofertas por um número crescente de potenciais estudantes deste nível de ensino, situação que tem por consequência a concorrência global pelos melhores estudantes. Assiste-se, concomitantemente, a um aumento do custo do ensino superior “mais rápido do que o custo da inflação” (p. 11) e a uma desvalorização dos graus.

58 Analisando as implicações que a facilidade no acesso à informação tem para o sistema de ensino-

aprendizagem, referem que, não obstante a permanência do controlo, da transparência e da síntese nas universidades, existem organizações que desenvolvem atividades concorrenciais, como a própria OCDE, a

McKinsey ou a Economist Intelligence Unit. Barber, M., Donnelly, K., & Rizvi, S. (March 2003). An Avalanche is Caming- Higher Education and the Revolution Ahead. London: IPPR