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Autonomia discente como caminho da inovação pedagógica da alfabetização prisional

No documento Romero José de Melo Ribeiro (páginas 113-118)

3 MOVA-BRASIL POSSIBILITANDO A INOVAÇÃO PEDAGÓGICA Acompanhando as transformações sociais e o ímpeto de evolução humana o

QUADRO DE SISITEMATIZAÇÃO DA LEITURA DE MUNDO 1 Situações

4 MOVA-BRASIL: UMA EDUCAÇÃO CAPAZ DE ATENDER ÀS NECESSIDADES DOS ENCARCERADOS

4.5 Autonomia discente como caminho da inovação pedagógica da alfabetização prisional

Tendo como foco a inovação pedagógica, o grau de autonomia desenvolvido pelos educandos do presídio de Igarassu na construção conjunta do conhecimento, o programa de alfabetização prisional MOVA-BRASIL as práticas de leitura e reconstrução da realidade realizada pelos próprios educandos como percurso para a libertação dos indivíduos.

Nesse trabalho, o educando emprega a totalidade como categoria fundamental para a leitura do mundo a partir de uma prática que prioriza as relações dialógicas. O diálogo torna-se entre os educandos condição para o conhecimento. Destaca-se, assim, na construção do saber pelos educandos a dimensão individual e o esforço pessoal para o ato de construção. O ato de conhecer se dá em um processo social e é o diálogo o mediador desse processo.

Transmitir ou receber informações não caracterizam o ato de conhecer. Conhecer é aprender o mundo em sua totalidade e essa não é uma tarefa solitária. Ninguém conhece sozinho. Logo, nesse processo educativo, o educando penetra em níveis cada vez mais profundos e abrangentes do saber. Nisso se constitui uma das funções mais do diálogo, que se inicia da temática significativa desenvolvida pelos educandos,

ao apresentarem seus níveis de percepção em relação ao mundo vivido. Daí, a educação numa perspectiva libertadora, exige a dialogicidade, portanto, a leitura do mundo coletiva.

Nessa prática, o educando contribui ativamente para organizar um conteúdo de aprendizagem libertador de natureza perceptiva de suas visões de mundo. Com isso, os educandos inserem em totalidades mais abrangentes sua realidade imediata e descobrem que a realidade local, existencial, possui relação com outras dimensões: regionais, nacionais, continentais, planetárias e em diversas perspectivas: social, política, econômica que se interpenetram.

Os educandos, nos vários momentos de seu processo educativo reconhecem-se como homens, na sua vocação ontológica e histórica de “ser mais”. Nesse sentido, a ação e a reflexão se impõem, quando não se pretende, erroneamente, dicotomizar o conteúdo de forma histórica de ser do homem.

Essa ruptura e superação da dominação social observadas nas práticas de aprendizagem processadas pelos educandos resultam da curiosidade, dialogicidade, criticidade e reflexão sobre temas inquietantes expostos por estes grupos em busca de afirmações, organização, ampliação e norteamento para seus saberes prévios. Todo esse comportamento apontado pelos educandos no processo de construção metodológica induz, em sua práxis, o direcionamento por eles mesmos da amplificação dos saberes vivenciados, expostos e compartilhados. A esse respeito, Paulo Freire atribui à curiosidade desenvolvida pelos educandos como ponto de partida.

Como manifestação presente à experiência vital, a curiosidade humana vem sendo histórica e socialmente construída e reconstruída. Precisamente porque a promoção da ingenuidade para a criticidade não se dá automaticamente, uma das tarefas precípuas da prática educativo- progressista é exatamente o desenvolvimento da curiosidade crítica, insatisfeita, indócil. Curiosidade com que podemos nos defender de “irracionalismo” decorrente ou produzido por certo excesso de “racionalismo”. (FREIRE, 1989, p.123).

Ainda sobre as práticas discentes que levam ao desenvolvimento da conscientização crítica do educando sobre o mundo e as relações que o envolvem no contexto social, nos conduzem a encarar o processo de alfabetização política dos encarcerados sob

duas possibilidades distintas. A primeira como uma prática para a domesticação e dominação dos homens através da imposição de ideias e conceitos; e a outra trata de uma prática de libertação de ideias e pensamentos.

É justamente o princípio da libertação do saber introduzido pelo programa de alfabetização prisional MOVA-BRASIL aos reeducandos de Igarassu, que emerge toda prática educativa construída, deliberada, desenvolvida e trabalhada pelos próprios educandos. Prática que consiste em um processo sistemático, sequencial, memorial e existencial dos apenados.

A alfabetização tem sido entendida tradicionalmente como um processo de ensinar e aprender a ler e escrever, por tanto, alfabetizado é aquele que lê e escreve. Porém, o conceito de alfabetização para o programa de alfabetização prisional MOVA-BRASIL tem um significado mais abrangente, na medida em que vai além do domínio do código escrito. Enquanto prática discursiva, a alfabetização possibilita uma leitura crítica da realidade, constitui-se como um importante instrumento de resgate da cidadania e reforça o engajamento do cidadão nos movimentos pela melhoria das qualidades de vida e pela transformação social. (FREIRE, 1991, p. 68).

Motivado por fazer parte integrante e ativa na condução dos trabalhos metodológicos os educandos da alfabetização prisional engajam-se no levantamento de questões e situações inerentes ao seu contexto social. Diferente das turmas de ensino tradicional onde o educando não participa, cria, recria e decide, deixando, dessa forma, de contribuir para a construção do seu saber e da sua história.

Inicialmente os educandos buscam uma interação de cooperação coletiva através do reconhecimento do próximo e da identificação de situações existenciais que os tornam semelhantes na busca de um proposito comum. Então, já envolvidos no espaço de aprendizagem e se sentindo membros indissociáveis e funcionais do grupo os educandos partem para as práticas de construção conjunta do conhecimento.

Levados ao pressuposto paradigmático e tradicionalista da alfabetização como simples prática repetitiva de leitura e escrita, os educandos se revestem de uma nova postura, não mais passiva e receptiva de conteúdos impostos, mas de ser ativo e envolvido construtivamente na condução de sua própria história.

Conscientizado de sua nova postura diante da aprendizagem o educando empreende um novo processo de decodificação do saber. Para essa finalidade o alfabetizando parte da verbalização, comunicação, dialogicidade e exposição de sua história de

vida, experiências e práticas sociais para uma interação com os outros membros do grupo.

Valorizando o saber alheio e sabendo fazer apreciarem o seu próprio saber prévio, o educando percebe-se envolvido dentro de um contexto que o tem como membro participante ativo e contributo no processo de ensino-aprendizagem. Ao propor, expor e caracterizar questões relevantes e comuns para o grupo, o educando possibilita o choque de opiniões, o confronto de ideias, a mediação de interesses e a superação de indiferenças; situações essenciais para a elaboração de conteúdos programáticos de alfabetização. Entretanto, Freire confirma a eficácia da alfabetização de jovens, adultos e idosos quando seus sujeitos participam ativamente da sua construção.

[...] a alfabetização é a aquisição da língua escrita, por um processo de construção do conhecimento que se dá num contexto discursivo de interlocução e interação, através do desvelamento crítico da realidade, como uma das condições necessárias ao exercício da plena cidadania: exercer seus direitos e deveres frente à sociedade global. (FREIRE, 1991, p. 59)

Diante do conhecimento do seu papel ativo no grupo e ciente dos benefícios que lhe possam trazer, o educando parte para a discursão, o debate e o confronto das ideias e situações apresentadas. Daí, estabelece-se a mediação onde os educandos mensuramos pontos relevantes para a pontuação das situações significativas e mais preponderantes em suas vivências sociais, pessoais e profissionais.

Logo depois dos momentos de explanações os educandos fazem uma longa incursão na reflexão das situações inquietantes, levantadas no momento anterior, a partir da análise de suas causas, consequências, possíveis resoluções e caminhos para alcançar os objetivos desejados. Nesse percurso, os educandos se apropriam do poder de criticidade ao questionar alternativas, ao indagar resoluções e ao avaliar seu próprio posicionamento diante do diálogo do outro.

[...] o homem não pode participar ativamente da história, na sociedade, na transformação da realidade se não for ajudado a tomar consciência da realidade e da própria capacidade para transformar [...]. Ninguém luta contra forças que não entende, cuja importância não meça, cujas formas e contornos não discirna. Isto também é assim nas forças sociais [...]. A realidade não pode ser modificada senão quando o homem descobre que é modificável e que ele o pode fazer. (FREIRE, 1977, p. 48).

Nesse contexto de aprendizagem, os educandos criam e recriam painéis socioculturais que refletem e caracterizam suas histórias pessoais e coletivas. Essa

construção e visualização crítica e coletiva possibilitam a aquisição de novos olhares, novos pontos de vista, novos enquadramentos sociais, novas posturas e novos caminhos a serem percorridos. E, dessa forma, a reconstrução constante de novos painéis socioculturais.

Por tudo isso, os educandos passam a se enxergarem com sujeitos do próprio processo de alfabetização e formação humana. Sendo essa uma das grandes diferenças do programa de alfabetização prisional MOVA-BRASIL, na qual a partir dos seus conhecimentos prévios, experiência de vida e do elevado potencial comunicativo – a oralidade, os educandos compreendem o processo de ensino-aprendizagem como e motivam na construção e ressignificação de suas narrativas. A subjetividade dos educandos assume uma importância cada vez maior no processo de formação, que implica recuperar a história das pessoas a da coletividade como elemento fundamental da identidade de cada um e do grupo como um todo.

A partir da compreensão crítica do mundo vivido, os educandos se reconhecem produtores e conhecimento e de cultura. Percebem-se capazes, criativos, propositivos e compreendem a dimensão coletiva da cidadania, que não pode ser construída sem a participação ativa de seus indivíduos.

No documento Romero José de Melo Ribeiro (páginas 113-118)

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