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CONCLUSÃO – Alfabetização prisional MOVA-BRASIL: instrumento de aprendizagem ao serviço da ressocialização

No documento Romero José de Melo Ribeiro (páginas 190-198)

A exposição das considerações deste trabalho baseia-se nos aspectos imprescindíveis para a investigação realizada como forma de compreender em que dimensão o programa de alfabetização prisional Mova-Brasil se caracteriza como inovação pedagógica. Logo, para esta análise foram ponderadas as práticas pedagógicas enquanto potencializadoras da inovação pedagógica, o desenvolvimento do processo de alfabetização e integração dos encarcerados, o contínuo de relações desenvolvidas pelos sujeitos construtores do conhecimento (educador e reeducandos) como indutor e favorecedor da aprendizagem; bem como, também, ferramenta provedora de mudanças qualitativas nessa aprendizagem.

A viabilidade da concepção deste trabalho desenvolveu-se com a utilização de recursos etnográficos de pesquisa; sobretudo da observação participante em turma de alfabetizandos privados de liberdade. Decorrente, assim, de uma comunidade carcerária inserida numa realidade escolar desenvolvida e organizada nos preceitos da educação fabril, com imponderação e transmissão do conhecimento pela figura autoritária e inquestionável do professor, considerado doo da verdade absoluta. Neste contexto pedagógico, observava-se os reeducandos como meros receptores, memorizadores e reprodutores de conhecimentos impostos.

As percepções adquiridas, durante as observações participantes na turma, a respeito das práticas pedagógicas como processo de transformação da aprendizagem, desenvolveram-se numa dinâmica de reciprocidade, compartilhamento e respeito a autonomia, ao comportamento e as variações da capacidade de aprendizagem dos reeducandos da alfabetização carcerária. Porém, as descobertas em curso tiveram configuração absolutamente diferenciada, considerando as especificidades dos aspectos que caracterizam a aprendizagem: ambiente (escola dentro de uma unidade prisional), educandos (detentos), professores (com habilidades específicas para atender a este público) e metodologia (totalmente readaptada para proporcionar e favorecer o desenvolvimento da aprendizagem).

Indiferentes e resistentes em relação as mudanças iniciais da nova prática pedagógica, os reeducandos da educação carcerária do Presídio de Igarassu

relutantes e pouco participativos nas atividades que envolviam dinâmicas, debates, discursões, exposições de ideias e que efetivamente conduzissem a efetivação da aprendizagem. Pois, nunca haviam adquirido, no ambiente prisional, a disponibilidade de exercerem livremente seus pensamentos.

Haja vista, também, que novidades e quebras de paradigmas no sistema prisional são vistas sempre com receio pelos profissionais e com desconfiança pelos encarcerados. Assim, a quebra de paradigmas revela temor, resistência, divergência e enfrentamento; mas sem essa iniciativa tudo permanece estagnado sem acompanhar a evolução social e a globalização, no qual se faz indispensável um olhar para o futuro, um olhar de choque como afirma Toffler (1972).

Nesta ruptura dos paradigmas tradicionais nas práticas pedagógicas do cárcere, os reeducandos passaram progressivamente a sentir a evolução da aprendizagem qualitativa, crítica e autônoma na medida em que percebiam a valorização de seus saberes prévios e das características culturais da sua comunidade. Pois, esta valorização trata-se de princípio fundamental do programa de alfabetização prisional Mova-Brasil como forma de estímulo a aprendizagem e da construção coletiva do conhecimento a partir da socialização de ideias, experiências e perspectivas.

Logo, a prática pedagógica vivenciada pela educadora e pelos reeducandos da alfabetização prisional mostrou-se eficiente no âmbito qualitativo ao intervir em situações diferenciadas e pertinentes ao sistema prisional através das atividades de aprendizagem voltadas para leitura e escrita com base na leitura de mundo da comunidade carcerária. Embora cada reeducando evoluísse de maneira particular, as intervenções mostraram-se propícias à medida que provocava e facilitava a aprendizagem desses reeducandos.

Quanto à forma de interagir com a turma a educadora mostrou desempenho e eficiência no processo de aprendizagem dos reeducandos, mesmo diante de todas as limitações impostas pela disciplina do sistema prisional no que envolve a segurança e a limitação das atividades pedagógicas. Pois, as proposições de todas as atividades abordadas pela educadora foram compreendidas e assimiladas de forma precisa pelos reeducandos. Seguindo nesse contexto, os preceitos para o sucesso da prática pedagógica de alfabetização carcerária vivenciada pela turma: respeito aos saberes

prévios dos aprendizes, valorização das diferenças culturais, atenção a criticidade das opiniões, compartilhamento das experiências de vida dos reeducandos, reflexão crítica acerca dos valores éticos e morais, combate a qualquer forma de preconceito e aceitação de novos conceitos que possibilitem o resgate da sociabilidade.

Nessa perspectiva da construção conjunta e contínua do conhecimento, tendo consciência da incompletude do ser humano, vigora a responsabilidade pelo desenvolvimento da autoestima e autonomia dos reeducandos numa aprendizagem transformadora, progressiva e, sobretudo, emancipadora. Baseando-se, por tanto, nas declarações da educadora e dos reeducandos, o programa de alfabetização prisional MOVA-BRASIL com sua prática pedagógica instiga o interesse pela construção conjunta do conhecimento com base nas perspectivas, problemáticas, interesses e realidades dos encarcerados. Favorecendo e induzindo, desta forma, a aprendizagem, a qual progride com resultados relevantes no processo da escrita e leitura fundamentados no universo de reeducando.

Logo, os aspectos que permitem o desenvolvimento da criatividade, o entendimento da aprendizagem e a autonomia do educador e dos reeducandos resultam de uma nova abordagem de conceber educação, excencialmente caracterizada por práticas pedagógicas inovadoras que revelam-se na relação edificada entre os sujeitos construtores do conhecimento. As ferramentas utilizadas para aplicação da prática pedagógica desenvolvida pelo MOVA-BRASIL na educação prisional trabalham conteúdos advindos da exposição da leitura de mundo dos reeducandos. Neste contexto, são relevantes as ponderações que norteiam a realidade da turma, como: questionamentos, inquietações e revelações sempre em torno de situações aguçadas no cárcere. Porém, atendendo à perspectiva maior que é a aprendizagem.

Desse processo, o educador dispõe da ferramenta interativa e progressiva da dialogicidade, oportunizando aos reeducandos a expressividade através da liberdade do pensamento, das ideias e da criticidade. Conduzindo, desta forma e de acordo com o educador Paulo Freire, a turma à compreensão da escrita e da leitura como instrumento indissociável do resgate da liberdade, da cidadania e da sociabilidade. Revelando o MOVA-BRASIL como um programa educacional que pela sua prática pedagógica inovadora acolheu e despertou nos reeducandos o sentido da transformação humana pelo saber, mesmo num ambiente repleto de restrições, e

sobretudo favoreceu e encaminhou a efetivação da aprendizagem condizente com suas realidades.

Conceber educação para adultos privados de liberdade e em processo de ressocialização como uma modalidade diferenciada e ajustada ao ambiente carcerário revela um novo pensamento sobre educação, reconhecendo o direito indiscriminado de todos à educação e a aquisição de novos saberes independentemente da situação jurídica em que se encontrem e do ambiente onde estejam. Principalmente porque não lhes foi proporcionado ou não tiveram acesso a uma educação de qualidade em tempo adequado e também como forma de reparar uma dívida social com este público que sofre uma longa jornada de desigualdade e exclusão social.

Por tanto, na concepção da educação apresentada pelo MOVA-BRASIL a alfabetização se projeta, no meio prisional, como um processo de aprendizagem que corresponde às perspectivas do contexto social ao qual estão inseridos os reeducandos. Uma alfabetização que vai além da simples decodificação e que alcança o uso social e crítico para a linguagem escrita e verbal. Trata-se, então, da projeção de uma prática pedagógica nunca antes imaginada ou concebida numa escola carcerária, nem tão pouco a pessoas situadas a margem da sociedade por descumprirem as normas de convívio coletivo. Trazendo, assim, uma nova visão a educação e aprimoramento do trabalho de ressocialização.

Introduzir o programa de alfabetização MOVA-BRASIL na educação carcerária de Igarassu entende-se como um desafio de implantação de uma inovação pedagógica, não apenas pelas transformações na estrutura; mas sobretudo pelo encaminhamento e desenvolvimento da prática pedagógica daquela organização numa perspectiva amplamente diferenciada, tanto para a qualidade da atuação do educador quanto para a provocação e a facilitação na busca da aprendizagem pelos reeducandos, aliada a relações desenvolvidas por esses personagens. O entendimento da existência da inovação pedagógica na educação carcerária de Igarassu nota-se na percepção da quebra, ou seja, da ruptura com estruturas e métodos falidos e estagnantes no processo de aprendizagem da turma e que em nada contribuíam para a evolução social dos reeducandos.

Durante a pesquisa enquanto membro participante do grupo foram evidenciadas mudanças qualitativas e significativas na concepção da educação do presídio de Igarassu. Destacando-se, assim, a organização estrutural da turma, antes enfileiradas sem visualização da expressividade do reeducando, passando a organizar-se em semicírculo onde todos poderiam interpretar as mensagens que transpassavam além da fala; como o olhar e os gestos. Servindo, também, como uma forma de valorizar o discurso de todos. Quanto a funcionalidade da aprendizagem relevou-se o encaminhamento da prática pedagógica organizado em temas e situações expostas, sugeridas e relevantes para os reeducandos como uma forma de estímulo à construção conjunta do conhecimento a partir da valorização de suas culturas e saberes prévios.

Referente ao planejamento das atividades pedagógicas houve mudanças ponderantes na organização escolar, antes visto como uma ação burocrática, estritamente mecanicista de transcrição e transferência impositiva de conhecimentos de acordo com as determinações do plano político pedagógico da Secretaria de Educação de Estado de Pernambuco. Passando, desta forma, a uma reestruturação organizacional interativa e dialógica, levando em consideração o interesse por assuntos relevantes as realidades dos reeducandos e a efetivação do resgate da cidadania a través da aprendizagem autônima e emancipadora. Uma verdadeira e valorosa contribuição ao processo de ressocialização dos apenados do Presídio de Igarassu.

Logo, para a escolha dos conteúdos trabalhados são priorizados os assuntos de interesse dos reeducandos, em detrimento a maneira tradicional e ultrapassada de simples transmissão do conhecimento sem verificação prévia e planejada das reais necessidades e interesses da turma. Nesse processo, os conteúdos são problematizados, comparados com as situações dos reeducandos, discutidos, debatidos e analisados numa perspectiva de aprendizagem e transformação das percepções das relações sociais e éticas.

Nesse aspecto, ao sistematizar os valores culturais adquiridos ao longo de suas existências, o programa de alfabetização prisional MOVA-BRASIL apresenta uma função social na educação: colaborar para que os sujeitos, através da aprendizagem

crítica aprendam e construam com êxito saberes primordiais para sua transformação humana e da sociedade na qual interage como ser provido de direitos e deveres. Percebemos, então, que o universo escolar não constitui a única instituição responsável pela construção de conhecimentos, valores, crenças e ideias, muito menos numa escola inserida no contexto prisional, onde impera a privação da liberdade em suas dimensões, a opressão da expressividade e a inibição das ações. Na formação do ser humano dotado de saberes contribui e interage também outras instituições como; a família, a sociedade, os amigos, a igreja, a política entre tantos. E quando todas essas instituições falham, resta aos que desrespeitam as normas de convívio social apenas a última e mais penosa instituição: o aprisionamento, local inicialmente visto como o fim de todas as alternativas e recursos cabíveis ao ser humano.

Mas, é justamente onde parecia ser o último estágio da existência humana que encontra-se a possibilidade da transformação em ser sociável por meio de uma educação carcerária de resgate e aprimoramentos dos valores éticos e morais. Uma educação crítica de valorização dos conhecimentos prévios, da autoestima, autonomia do pensamento e sobretudo emancipadora na sua forma de induzir e favorecer a aprendizagem.

É esta prática pedagógica do MOVA-BRASIL que acredita e valoriza a capacidade de superação, a exposição de ideias, o debate de opiniões e a construção conjunta do conhecimento dos reeducandos. Mostrando, nessa conjectura, que a aprendizagem não se alcança pela imposição e transmissão do saber, mas pelo compartilhamento de conhecimentos sistematizados a partir das experiências dialogadas. São ações desenvolvidas na prática pedagógica que estimulam o reeducando a interação do seu pensamento, de suas relações e a facilitação da aprendizagem.

Prática pedagógica que se revela no cotidiano das atividades educacionais e na atuação do educador e dos educandos da alfabetização prisional, como: discussão, proposta, debate, sugestão, diálogo e atenção ao próximo. São situações que representam transgressão ou quebra de paradigma dentro de um sistema fechado e repressivo como a prisão, mas que induz e facilita a aprendizagem e como

consequência valoriza o desenvolvimento do censo crítico e o resgate da sociabilidade.

Tomando como referência os resultados desta investigação podemos compreender que o programa de alfabetização prisional MOVA-BRASIL aplicado aos reeducandos de Igarassu apresenta concepções socioconstrutivistas e interacionistas, na qual e a partir da prática pedagógica adotada os reeducandos apropriam-se continua e progressivamente de sua autonomia no encaminhamento de sua aprendizagem. Pois, podemos concluir que os resultados obtidos na pesquisa etnográfica foram satisfatórios para a qualidade da aprendizagem desses reeducandos. Com tudo, podemos assegurar que a prática pedagógica utilizada para a alfabetização prisional provoca e favorece de maneira significativa e inovadora a aprendizagem de pessoas relegados pela sociedade.

Pois, verificamos que a utilização das ferramentas pedagógicas do MOVA-BRASIL melhorou a qualidade da aprendizagem dos reeducandos que sofrem dupla exclusão: social e educacional. Aprendizagem que se reflete na emancipação do conhecimento e do pensamento, na contribuição significativa para a transformação de vida dos aprendizes. Aprendizagem que reafirma a inovação na prática alfabetizadora e que traz qualidade a educação prisional e uma nova perspectiva de vida aos seus reeducandos.

No documento Romero José de Melo Ribeiro (páginas 190-198)

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