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Enfoque teórico-metodológico

No documento Romero José de Melo Ribeiro (páginas 119-125)

5 PERCURSO METODOLÓGICO: ABORDAGEM DA PESQUISA

5.1 Enfoque teórico-metodológico

Definida inicialmente para caracterizar o trabalho presencial e experimental para coleta de informações, subsídios e esclarecimentos, o termo “etnografia” consiste, neste trabalho, como um aspecto importante para a compreensão da realidade pesquisada. Logo de acordo com Lapassade sobre a definição esclarece que:

[...] a expressão etnográfica começou a ser utilizada pelos antropólogos para designarem o trabalho de campo, no decorrer do qual são recolhidos informações e materiais que servirão de objeto de uma elaboração teórica posterior. (LAPASSADE, 1991, p.29).

Logo, a etnografia é a especialidade da antropologia, que tem por fim o estudo e a descrição dos povos, sua língua, sua raça, sua região e manifestações materiais de suas atividades, é parte ou disciplina integrante da etnologia, é a forma de descrição da cultura material de um determinado povo.

O conceito etnográfico é utilizado atualmente para referir-se, de forma abrangente, a uma concepção de sociologia que se opõe a uma concepção dominante caracterizada de positivista e quantitativa. Dessa forma, para Lapassade (2005) a etnografia é a “descrição (grafia) de um etnos (termo que designa um povo, um acultura)”. E o trabalho de um etnógrafo consiste, conforme o autor, em fazer observações participantes, entrevistas etnográficas e análise de materiais.

[...] o termo etnografia tende a designar uma disciplina, com todos os privilégios que comporta e, ao mesmo tempo, um método (a observação participante e as técnicas anexas) e um trabalho de interpretação de dados coletados no decurso do trabalho de campo”. (LAPASSADE, 2005, p.148).

Assim, a etnografia surge como uma forma diferente de investigação educacional em franca oposição ao paradigma positivista proveniente da psicologia experimental e da sociologia quantitativa. Nessa perspectiva, Sousa (2008) complementa que “etnografia significa escrita, uma descrição de [...]”. Nesse contexto e nos estudos sobre etnografia compreende-se na descrição como ação metodológica para realização de um estudo e a esse respeito Fino destaca que:

[...] a etnografia deve ser entendida como a descrição de uma cultura, que pode ser de um pequeno grupo tribal numa terra exótica, ou de uma turma de uma escola dos subúrbios, sendo a tarefa do investigador etnográfico compreender a maneira de viver do ponto de vista dos nativos da cultura em estudo (FINO, 2008, p.1).

Porém, desta contextualização a importância de que o estudo de uma turma de alfabetização organizada no meio prisional seja substanciado por uma abordagem etnográfica para que sejam caracterizadas as mudanças realizadas naquela turma, a partir daquela organização e o significado dela para os sujeitos envolvidos no seu processo de construção conjunta no espaço das ações.

Logo, neste estudo, vários conceitos foram trazidos a questão da etnografia. Seguindo definições defendidas por autores como Fino (2003), Sousa (2008) e Lapassade (2005), evidencia-se a etnografia como um tipo de abordagem que se coloca em oposição ao paradigma tradicional de realizar pesquisa, o positivismo.

Outro fator importante na descrição da pesquisa etnográfica encontra-se em Spradley (1979 apud FINO, 2003, p. 3) ao considerar a abordagem etnográfica como uma ferramenta “para se estudar com as pessoas e não apenas sobre elas”. Nesse conceito, destaca-se a condição de sujeito da pesquisa aceita pelo etnógrafo ao realizar a investigação. Daí, pode-se afirmar também ser a etnografia uma aproximação do “distante e desconhecido” para transformá-lo em fonte de descoberta. Daí, traduz-se a importância da descrição etnográfica em ressalva a Fino (2008), ao destacar a relevância do entendimento desse tipo de pesquisa para a compreensão dos sujeitos envolvidos na investigação. Pois, quando o etnógrafo passa a ser

participante ativo, ou seja, sujeito daquela realidade, torna a visualização e descrição das interações cotidianas mais precisa.

A utilização das técnicas da etnografia foi realizada pelos educadores a partir da década de 1970. Antes eram ferramentas de pesquisa apenas dos sociólogos e antropólogos. No entanto, na década de 1980, essa modalidade de pesquisa qualitativa se difundiu no Brasil por meio de trabalhos que destacam o cotidiano das salas de aula e das escolas.

Tornando-se evidente, desta forma, a concepção de etnografia como uma ciência capaz de descrever e interpretar de forma minuciosa a realidade de um determinado grupo. Logo, realizar uma pesquisa etnográfica em uma turma de alfabetização prisional a partir de sua estruturação, organização e vivências, implica em caracterizá- la; descrevendo, interpretando e analisando as ações e relações estabelecidas entre os sujeitos envolvidos na construção do conhecimento.

Entretanto, o olhar etnográfico sobre uma determinada turma de alfabetização prisional permite desenhá-la de maneira crítica, analisando e refletindo, enquanto participante daquele grupo, em que medida poderia se considerar a possibilidade de inovação pedagógica. Nesse sentido Fino, aborda a relevância da etnopesquisa:

[...] é nestes termos que a etnopesquisa produz sua singularidade na medida em que passa a implicar-se na compreensão transformadora a partir e com o sentido das ações dos atores sociais concretos. Compreendê-las nas relações complexas que as constroem, marca as opções ontológicas e político-epistemológicas dessa pesquisa de orientação antipositivista e de um intencionado viés político-cultural. Ao positivismo pretensamente neutral não interessa problemas de pesquisa ligados à implicação, ao engajamento, e, portanto, ao pertencimento e às ações afirmativas. (FINO, 2011, p. 74).

Nesse percurso metodológico e de acordo com as contribuições de Lapassade (2005) a respeito da etnografia na prática da pesquisa se destaca a obrigatoriedade do pesquisador no local de estudo. Mas, essa permanência do pesquisador deve se dar como sujeito participante em todos os níveis de situações e interações entre os personagens envolvidos nas ações e relacionamentos.

Pois, é em torno do esclarecimento do trabalho científico de investigação e abordagem etnográfica e qualitativa que se desenvolve o conhecimento e o entendimento sobre a estruturação, organização e desenvolvimento da turma de alfabetização prisional a

partir do programa educacional MOVA-BRASIL. A esse respeito Fino norteia a importância da caracterização da pesquisa qualitativa:

Estes elementos característicos da pesquisa qualitativa também representam seu viés etnográfico, uma vez que foi realizada através de um contato direto e interativo com os seus atores sociais no contexto de atuação profissional deste. Ao se referir ao estudo etnográfico, recorremos ao que diz Lapassade (2005, p. 82), [...] a pesquisa etnográfica pode ser descrita como um encontro social, como, aliás, como é feita na tradição interacionista, em que se considera, precisamente, que o trabalho de campo pode ser ele mesmo o objeto de uma sociologia. Dessa forma, interação entre os sujeitos envolvidos nesta pesquisa favorece a recolha de dados, com a realização de entrevistas e observação direta do contexto investigativo e das situações nele ocorridas. Podemos também destacar sobre o olhar etnográfico, a oposição clara que este adota frente ao paradigma positivista, que adota elementos experimentais e quantitativos nas coletas, análises e interpretações dos dados em suas pesquisas (SOUSA apud FINO, 2001, p. 126).

Nesse contexto, a descrição e interpretação da organização pedagógica do programa de alfabetização MOVA-BRASIL na turma de reeducandos do presídio de Igarassu dará a verdadeira dimensão dos seus efeitos práticos no cotidiano, nas interações e nas implicações interpessoais dos sujeitos em estudo. Ainda percorrendo os encaminhamentos da metodologia etnográfica qualitativa evidencia-se a utilidade deste mecanismo como importante subsídio de descobertas, e a esse respeito Spradley destaca que:

O trabalho etnográfico é ‘uma ferramenta útil para a compreensão do modo como outras pessoas veem suas experiências, devendo ser encarada mais como uma ferramenta de aprender com as pessoas do que um utensílio para estudar essas pessoas’. (apud FINO, 2003, p. 3).

Entretanto, entende-se, dessa maneira, que o imperativo etnográfico defendido por Macedo vincula-se ao que ele denominou de etnopesquisa, ou seja, um trabalho de campo, no lócus escolar, uma busca das implicações dos sujeitos e esclarece que, [...] as pesquisas de campo de inspiração qualitativa realizam uma verdadeira “garimpagem” de ações, realizações e sentidos, e estão interessadas acima de tudo com o vivido impregnado da cultura daqueles que os instituem (MACEDO, 2010, p.87). Ainda sobre a etnopesquisa Macedo clarifica que:

É [...] um modo intercrítico, de se fazer pesquisa antropossocial e educacional. Os atores sociais não falam pela boca da teoria [...] eles são percebidos como estruturantes, em meio às estruturas que, em muitos momentos, reflexivamente os configura. (MACEDO, 2010, p.10).

Nesse sentido, destaca-se a pesquisa etnográfica como a mais adequada e completa forma para compreender a estruturação e relacionamentos dos nativos em estudo alunos e professores. Pois, sondar diretamente a dinâmica e a complexidade que envolvem a realidade social de uma turma trará de maneira verídica a descrição e interpretação de suas práticas. Pois, esse procedimento revela o caráter reflexivo, sistemático, programado e crítico para alcançar descobertas em relação ao objeto em estudo. Vivenciar, experimentar e compartilhar interações sociais em práticas de construção do conhecimento consequentemente conduzirá a descrição e compreensão mais expressiva do grupo e situações em análise. A esse respeito Fino, destaca que:

Essa observação participante [...] é um tipo de investigação que se caracteriza por um período de interações sociais intensas entre o investigador e os sujeitos no ambiente destes, sendo os dados recolhidos sistematicamente durante esse período de tempo, e mergulhando o observador pessoalmente na vida das pessoas de modo a partilhar as suas experiências. (FINO, 2007, p.4).

Dessa forma, uma descrição elaborada do ponto de vista dos integrantes ativos de uma comunidade a partir de suas interações educativas, servirá de base para o descobrimento e interpretação crítica das práticas pedagógicas que possam se revelar enquanto inovação pedagógica. Sobre essa forma de investigação etnográfica Fino destaca que:

De fato, a etnografia da educação, sobretudo por recusar qualquer possibilidade de arranjo de natureza experimental, e por, ao invés, estudar os sujeitos nos seus ambientes naturais, pode constituir uma ferramenta poderosíssima para a compreensão desses intensos e complexos diálogos intersubjetivos que são as práticas pedagógicas. Um diálogo intersubjetivo, o que decorre entre os atores que povoam um contexto escolar e narrado ‘de dentro’, como se fosse por alguém que se torna também ator para falar como um deles. Assim, o trabalho de campo, [...] é uma experiência altamente pessoal, sendo a interligação dos procedimentos campo com as capacidades individuais (do investigador) e coma variação situacional o que faz do trabalho de campo uma experiência tão personalizada. De fato, a validade e a riqueza de significado dos resultados obtidos dependem diretamente e em grande medida da habilidade, disciplina e perspectiva do observador, e é essa, simultaneamente, a sua riqueza e franqueza. (FINO, 2001, p.4).

Logo, de forma metodológico o termo “etnográfico” refere-se a investigação social ao compreender-se enquanto estudo do comportamento das pessoas no seu contexto habitual e não em condições artificiais criadas pelo investigador. Daí, a observação e a conversação informal serão as mais importantes entre as diversas fontes de recolhimento de dados.

Porém, deve ficar claro que não será à etnografia enquanto área de conhecimento que compete definir inovação pedagógica. Compete-lhe apenas fornecer os meios para sondar, questionar, descrever e compreender as práticas pedagógicas enquanto práticas culturais fundadas na intersubjetividade dos que aprendem e dos que facilitam a aprendizagem. Valendo-se, assim, como um poderoso utensílio para a compreensão dos fenômenos de inovação a etnografia implica também o debate epistemológico sobre a validade do conhecimento obtido pelo seu intermédio.

Quanto a clarificação sobre a definição de práticas pedagógicas inovadoras e a função da etnografia enquanto ferramenta de pesquisa, Fino salienta a importância para esta distinção.

O esclarecimento do que serão, ou não, práticas pedagógicas inovadoras é algo a cargo de um enquadramento conceitual exterior à etnografia, o qual tem de estar presente permanentemente na mente do investigador que olha para as práticas pedagógicas para as interpretar como se fosse um nativo delas, dentro da dialética de se tornar nativo, para conhecer, e de ser estrangeiro, para interpretar. Ou seja, para se fazer etnografia da educação, nomeadamente para investigar inovação pedagógica, não basta saber etnografia, nem é suficiente ser portador do senso comum sobre educação. [...] no entanto, o saber comum sobre educação, se é suficiente para reproduzir a experiência acumulada ao longo das gerações, não chega para provocar as rupturas, os saltos, as descontinuidades que constituem, na minha opinião, a inovação pedagógica, que é a que se transformará, no futuro, em senso comum. E a inovação pedagógica, para acontecer, precisa de ter clara essa distanciação em relação ao senso comum e essa distanciação não é fornecida, nem se quer facilitada, por nenhuma metodologia de investigação. Nem mesmo pela etnografia. (FINO, 2011, p.5).

Deste contexto, as metodologias de investigação qualitativa são as mais adequadas à compreensão dos fenômenos que se desenvolvem no interior das escolas, e que a etnografia, numa perspectiva crítica, seria a mais condizente à sondagem das dinâmicas de natureza social e cultural que as perpassam, com o objetivo último de as transformar. Haja vista que o aspecto etnográfico qualitativo da investigação em educação ultrapassa os limites da sala de aula ao interagir nos estabelecimentos das ações em curso, pois “experimentar a diferença no campo de pesquisa no mundo do outro, passa a ser um imperativo etnográfico” (Macedo, 2010). Portanto, conhecer a existência do mundo alheio e a forma como vive um grupo é imprescindível para a prática da pesquisa em discussão e para interpretação da realidade implicada.

No documento Romero José de Melo Ribeiro (páginas 119-125)

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