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O autor como produtor: técnica, tendência política e transformação nas relações de

2 Rupturas com as instituições e refuncionalizações externas ao teatro burguês:

2.3 O autor como produtor: técnica, tendência política e transformação nas relações de

Em 1934, Benjamin pronuncia a conferência O autor como produtor no “Instituto para o Estudo do Fascismo”, em Paris, na qual se dedica ao problema da relação entre produção artística, literária, e “tendência política”, refletindo sobre a função política do trabalho artístico e intelectual, no âmbito da luta de classes e do processo produtivo, apresentando certo caráter de “manifesto”, como ressalta Willi Bolle (1994, p. 241).60 Nessa conferência, que apresenta uma proximidade com reflexões de Brecht em O Processo dos

Três Vinténs, ocupam um papel crucial e mesmo paradigmático a teoria e prática brechtiana

com o teatro épico e a peça de aprendizagem, no período da República de Weimar, sobre as quais Benjamin reflete retrospectivamente no contexto do exílio. Em carta a Adorno, ele fala sobre a conferência como “uma tentativa de fornecer, para a literatura, uma contrapartida à análise que empreendi para o teatro no trabalho sobre ‘O teatro épico’”61.

Benjamin inicia sua conferência remetendo à República de Platão, na qual já se faria presente o problema da relação entre atividade artística e “tendência” política, apresentando uma motivação política para a expulsão dos poetas de seu Estado ideal, relacionada ao                                                                                                                

60 A conferência, no entanto, só foi publicada como texto em 1966, após a morte de Benjamin, o que, como

observa Willi Bolle, expressa o caráter bastante limitado da atuação dos escritores no contexto do exílio (Cf. BOLLE, Willi. Fisiognomia da Metrópole Moderna: Representação da História em Walter Benjamin. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p. 241).

61 Ele se refere, aqui, à primeira versão do artigo O que é o teatro épico? Um estudo sobre Brecht, de 1931. In:

OE I, p. 78-90; VB , p. 7-21. Cf. Carta a Adorno de 28 de abril de 1934 (carta 21). In: ADORNO, Theodor.

Correspondência 1928-1940/ Theodor Adorno, Walter Benjamin. Tradução de José Marcos Mariani de

Macedo. São Paulo: Editora Unesp, 2012, p 107; e carta a Brecht, com declaração semelhante sobre a conferência, de 21 de maio de 1934 (carta 867). In: GB IV, p. 427.

reconhecimento do grande poder da poesia, de sua capacidade de intervenção na vida política, “no interesse da comunidade” – no caso, vista por Platão como nociva (OE I, p. 120). Formulada em outros termos, teríamos o velho “problema da autonomia do autor: sua liberdade de escrever o que quiser. Em vossa opinião, a situação social contemporânea o força a decidir a favor de que causa colocará sua atividade” (BENJAMIN, OE I, p. 120). Benjamin realiza, então, uma oposição entre o “escritor burguês” e o “escritor progressista”. Enquanto aquele não reconheceria tal alternativa e, desta forma, terminaria por trabalhar, sem admiti-lo, em função dos interesses da classe dominante, o “escritor progressista” a reconheceria e posicionar-se-ia ao lado do proletariado no âmbito da luta de classes – desta forma, filiar-se-ia a uma “tendência” política (OE I, p. 120). Acerca dessa importante relação entre tendência política e produção artística, segundo Benjamin, travam-se antigos e estéreis debates girando em torno de “dicotomias” como, por um lado, exigir do autor uma “tendência correta”, uma correta filiação política, e, por outro, uma produção de “boa qualidade” estética, literária, ou ainda a dicotomia existente, principalmente na literatura política, entre “forma e conteúdo”. Esta última, “não menos estéril”, segundo afirma, constituiria uma forma de abordagem “antidialética” dos fenômenos artísticos, “através de estereótipos” (OE I, p. 121-122).

“O tratamento dialético dessa questão [...] não pode de maneira alguma operar com essa coisa rígida e isolada: obra, romance, livro. Ele deve situar esse objeto nos contextos sociais vivos” (BENJAMIN, OE I, p. 122): tal teria sido a tentativa frequente da “crítica materialista” ao questionar-se sobre a forma de vinculação de uma obra às relações de produção de seu tempo, buscando saber se a obra seria “compatível com elas” e, deste modo, de caráter “reacionário”, ou se intencionaria transformá-las, modificá-las, e, portanto, de caráter “revolucionário”. Apesar de relevante, no entanto, tal questão seria demasiadamente ampla, diz Benjamin, propondo sua substituição: “antes, pois, de perguntar como uma obra literária se situa no tocante às relações de produção da época, gostaria de perguntar: como ela se situa dentro dessas relações? Essa pergunta visa imediatamente a função exercida pela obra no interior das relações literárias de produção de uma época” (BENJAMIN, OE I, p. 122). Tal questionamento visaria a “técnica literária” das obras, conceito que, segundo Benjamin, tornaria os “produtos literários” passíveis de uma “análise materialista” e configuraria um “ponto de partida dialético”, tanto para a superação do debate entre “forma e conteúdo” quanto para a correta colocação da relação entre “tendência política” e “qualidade estética” da produção artística: seria a partir da posição de

“progresso” ou “retrocesso” em relação à “técnica literária” que se definiria a “tendência política” e a “qualidade literária” de uma produção, que estaria englobada nesta última (BENJAMIN, OE I, p. 122-123). Assim, a “tendência” de uma obra apenas poderá ser “correta do ponto de vista político” se for também “correta do ponto de vista literário” (OE I, p. 121), de modo que seu potencial político revolucionário, de acordo com Benjamin, relaciona-se estreitamente à sua “técnica literária”, à sua forma, da qual depende.

Apresentando uma compreensão dos gêneros e formas literárias como histórica e socialmente fundamentados, Benjamin afirma que os “fatos técnicos” da época exigem que eles sejam repensados, a fim de “alcançar as formas de expressão adequadas às energias literárias do nosso tempo” (OE I, p. 123). “Romances”, “tragédias”, “grandes epopeias” apresentam um enraizamento histórico-social, não existiram em qualquer período histórico e não existirão sempre: “estamos no centro de um grande processo de fusão de formas literárias, no qual muitas oposições habituais poderiam perder sua força” (OE I, p. 123-124). Assim como para Brecht, para Benjamin, as transformação nas condições materiais de produção literária, com novas técnicas de produção, difusão e comunicação, a imprensa, o rádio, geraria transformações no próprio âmbito formal da arte, às quais cabe ao escritor fazer frente, valendo-se destes novos meios no sentido de experimentação formal de novas linguagens, transformação do aparelho produtivo e das “relações literárias de produção”. Recorrendo a Tretiakov e ao exemplo da imprensa soviética, Benjamin afirma que este “processo de fusão” tanto ultrapassa as habituais diferenciações de “gêneros” quanto “questiona a própria distinção entre autor e leitor”, “autor e público” (OE I, p. 124-125). Ele apresenta, então, Tretiakov como modelo do tipo de escritor “operante” ou “atuante” (das

operierende Schriftsteller), que ele teria “definido e corporificado”, distinguindo-o do

“escritor informativo”: exemplo da “interdependência funcional” entre “a tendência política correta e a técnica literária progressista”, o escritor “operante” teria a tarefa de “combater”, em vez de “relatar”, ser “participante ativo”, em vez de “espectador” (OE I, p. 123; GS II, p. 686), visando a transformação das relações de produção literárias.

Compreendendo a arte, como Brecht, fundamentalmente como uma forma de trabalho, como uma esfera da produção que apresentaria um lugar específico no processo produtivo, no âmbito da divisão capitalista do trabalho, Benjamin transpõe para a esfera da própria arte a problemática de Marx acerca do potencial do acirramento das contradições entre forças produtivas e relações de produção – e neste ponto residiria o caráter original de

Marx, no “Prefácio” de Para a Crítica da Economia Política, “na produção social da própria vida”, os seres humanos “contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das forças produtivas materiais” (1982, p. 25). Na medida em que estas se desenvolvem, em que surgem novas técnicas, “entram em contradição com as relações de produção” retrógradas, obsoletas nas quais se inscrevem, “ou, o que nada mais é do que a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais aquelas até então tinham se movido”, que entravam seu desenvolvimento, transformando-se “em seus grilhões” (MARX, 1982, p. 25). Assim, para Marx, o acirramento das contradições entre forças produtivas e relações de produção apresentaria um potencial para uma ruptura com estas últimas, para revolucionar “este modo de produção da vida material”, para a “transformação da base econômica” (1982, p. 25).62

É importante ressaltar que, ao deslocar tal questão da contradição estrutural entre forças produtivas e relações de produção para a esfera da arte e da literatura, Benjamin não se filia a um determinismo mecanicista – inclusive, sua crítica a uma concepção de história fundamentada na noção de “progresso”, que atravessa seu pensamento, opõe-se diretamente a essa compreensão –, mas parece ver na exploração dessa contradição um importante mecanismo de intervenção política para o artista, o escritor e o intelectual em geral. A conferência O autor como produtor, assim como textos como Experiência e Pobreza e A

obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica apresentam certa especificidade no

conjunto de seus textos, como observado por alguns autores. Michael Löwy (2005, p. 26) observa certa “adesão pouco crítica” ao progresso técnico em tal produção “experimental” benjaminiana, no período de 1933 a 1935, afastando-se de seu tom mais “pessimista” frente                                                                                                                

62Conforme observa Perry Anderson, esta questão remete-nos a um dos problemas cruciais do materialismo

histórico como explicação do processo de desenvolvimento da sociedade: “a natureza das relações entre estrutura e sujeito na história e sociedade humanas” (Cf. ANDERSON, Perry. Considerações sobre o

marxismo ocidental; Nas trilhas do materialismo histórico. Tradução de Isa Tavares. São Paulo: Boitempo

Editorial, 2004, p. 168). Haveria, na obra de Marx, uma “permanente oscilação” sobre qual seria o “o motor primário da transformação histórica”, atribuindo-o, por um lado, à contradição entre forças produtivas e relações de produção – à esfera estrutural, portanto -, e, por outro lado, às “forças subjetivas em conflito e confronto pelo domínio das formas sociais e processos históricos”, à luta de classes, concebendo a revolução a partir da ação de um sujeito histórico coletivo, o proletariado (Cf. Ibidem, p. 169). A interpretação que concede ênfase ao fator estrutural estaria por detrás do mecanicismo determinista, do “economicismo” da Segunda Internacional. “As intervenções de Lênin antes da guerra podem ser entendidas como um esforço constante para controlar e combater essas duas deduções possíveis do legado de Marx – cujas expressões políticas eram as tendências contrastantes do reformismo e do anarquismo, respectivamente à direita e à esquerda da Segunda Internacional” (Cf. Ibidem, p. 169). No entanto, suas intervenções teriam caráter “prático” e “conjuntural”; o “marxismo clássico” não teria apresentado uma “resposta coerente” para este problema, segundo Perry Anderson (Cf. Ibidem, p. 169).

à “ideologia do progresso”, frente à crença no progresso e no desenvolvimento técnico que atravessa seu pensamento, remetendo a escritos de juventude63 e posteriormente formulada em termos “materialistas” em sua proposta de crítica “materialista” da história “que aniquilou em si a ideia de progresso” (BENJAMIN, 2009, p. 502), como veremos no próximo capítulo, ao abordarmos seu pensamento sobre a história, nas “teses” Sobre o

conceito de história e nas Passagens. Löwy (2005, p. 26) afirma que o pensamento de

Benjamin nesse período é “muito contraditório”, especialmente no texto sobre A obra de

arte.64

Porém, devemos ter em mente como esta conferência de Benjamin se insere no contexto político em que foi realizada. Se por um lado, como observa Willi Bolle, tal conferência situa-se no panorama de fragmentação da esquerda alemã no exílio, em um movimento de profunda autocrítica retrospectiva à ascensão do fascismo, no qual Benjamin, então, ao proferi-la, busca atuar enquanto escritor e crítico militante, por outro lado, deve-se observar que, neste contexto, de profundo isolamento dos escritores alemães de esquerda em relação a seu público, já não apresentava “condições objetivas” de ser de fato “operante” ou “atuante”, de modo que o que Benjamin realiza é uma “declaração de intenções”, reconstruindo o “perfil do escritor ‘atuante’” (BOLLE, 1994, p. 241-243). “Trata-se de resgatar uma utopia de escritor moderno que não se realizou, mas chegou perto”, propondo- se a “meta” de “emancipação das massas na era da mídia”, que permaneceria como “desafio” aberto (BOLLE, 1994, p. 242). No contexto da República de Weimar, a ampla difusão do rádio em pouco tempo apresentava-se como um grande potencial para                                                                                                                

63 A crítica a uma concepção de história linear associada à noção de progresso já está presente em A vida dos estudantes, texto de 1915, que, como ressalta Löwy, apresenta grande afinidade com as “teses” Sobre o conceito de história (Cf. BENJAMIN, Walter. “A vida dos estudantes” In: BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Tradução, apresentação e notas de Marcus Vinicius Mazzari. São

Paulo: Editora 34, 2002; LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio – Uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005, p. 21).

64 Löwy afirma que Benjamin parece mesmo, no período de 1933 a 1935, “aderir, de forma muito pouco

crítica, ao modelo soviético – talvez como reação ao triunfo do fascismo hitlerista na Alemanha –”, afastando- se de forma nítida da “variante stalinista do comunismo” a partir de 1937 (Cf. LÖWY, Michael. Walter

Benjamin: aviso de incêndio, op. cit., p. 31). Porém, devemos ter em mente que, já no Diário de Moscou,

registro de sua viagem em 1927, Benjamin escreve: “Em conversas com Reich” - aqui, refere-se a Bernhard Reich, diretor de teatro também próximo a Brecht e companheiro de Asja Lacis – “expus detalhadamente o quanto é contraditória a situação da Rússia neste momento. Em sua política externa, o governo visa a paz, a fim de estabelecer acordos comerciais com Estados imperialistas; internamente, porém, e sobretudo, procura deter o comunismo militante, introduzir um período livre de conflitos de classe, despolitizar tanto quanto possível a vida de seus cidadãos. Por outro lado, a juventude passa por uma educação ‘revolucionária’, em organizações pioneiras, no Komsomol. Isto significa que o revolucionário não lhes chega como experiência mas apenas como discurso. Existe a tentativa de deter a dinâmica do processo revolucionário na vida do Estado – entrou- se, querendo ou não, num período de restauração, ao mesmo tempo em que se deseja armazenar a energia revolucionária na juventude, como eletricidade numa pilha. Isto não funciona” (Cf. BENJAMIN, Walter.

democratizar a arte, abrindo-se um novo horizonte para a atuação política do trabalho artístico e intelectual.65 A atuação nos novos meios de comunicação, na imprensa, no rádio, no cinema, abria-se como uma poderosa possibilidade para dotar a arte de uma função revolucionária, de modo que tínhamos aqui, conforme lembra Willi Bolle, o lema de “atingir as massas” dos escritores revolucionários inspirados na experiência russa de 1917: no entanto, historicamente, na Alemanha, tal luta havia sido perdida contra o fascismo, que demonstrou toda a força destes novos meios, realizando uma “síntese entre arte e propaganda” cujo poder havia sido subestimado pela Liga dos Escritores Proletários- Revolucionários (Bund proletarisch-revolutionärer Schriftsteller - BPRS), ligada ao Partido Comunista Alemão, que se concentrava em atacar a experimentação formal artística por parte da esquerda burguesa (BOLLE, 1994, p. 205; p. 240). Foi justamente o fascismo que tomou as novas tecnologias, os novos meios de difusão e comunicação, monopolizando-os e comprovando politicamente sua enorme força, utilizando-os para tal fusão entre arte e propaganda voltada para um efeito de sedução das massas, para uma “estetização da política”, como escreverá Benjamin em A Obra de Arte na era de sua reprodutibilidade

técnica, uma estetização da guerra e espetacularização das massas, permitindo que elas

“expressem sua existência”, mas não que reivindiquem a transformação de suas condições de existência, “a mudança das relações de propriedade” (BENJAMIN, OE I, p. 194-196). A isso também se opunha o trabalho brechtiano com o efeito de estranhamento, que se torna, além de crítica ao teatro “culinário” burguês, arma de combate ao sensacionalismo e à espetacularização fascista, seu efeito de sedução das massas por meio do forte mecanismo de empatia e do recurso apelativo às emoções, aos afetos, aos sentimentos. Tais são, então, características cruciais que traçam o panorama histórico-político em que Benjamin pronuncia sua conferência O autor como produtor, “uma de suas reflexões básicas sobre a crítica militante”, como aponta Willi Bolle: apresentando visão muito clara sobre as diferenças entre essa “arte-propaganda” de caráter manipulador do fascismo, sua “estetização da política”, e uma arte revolucionária, emancipadora, que levaria a cabo uma “politização da arte”, como caracterizará no ensaio sobre A Obra de Arte, Benjamin busca                                                                                                                

65 Cf. BOLLE, WIlli. Fisiognomia da Metrópole Moderna: Representação da História em Walter Benjamin.

São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p. 240. Acerca da rápida disseminação do rádio na República de Weimar, transformando profundamente a “esfera pública”, observa o autor: enquanto o primeiro programa regular de rádio na Alemanha teve início em 1923, “em 1931, o país já ocupava o terceiro lugar no mundo, com 28 emissoras, cerca de 4 milhões de aparelhos de rádio e 12 milhões de ouvintes. O cinema, naqueles anos, teve uma evolução vertiginosamente semelhante. [...] Essa ‘mudança das estruturas da esfera pública’ é uma das principais características da cultura da República de Weimar e do Terceiro Reich, e uma das contribuições fundamentais da Alemanha para a história da Modernidade” (Cf. Ibidem, p. 240).

refletir, retrospectivamente, sobre a atuação dos escritores de esquerda da República de Weimar, questionar até que ponto teriam de fato explorado o potencial político apresentado pelas novas técnicas e contribuído para um processo de democratização artística e cultural (BOLLE, 1994, p. 206, p. 240-241). Assim, defendemos que não haveria aqui uma adesão ou aposta acrítica na crença no progresso técnico por parte de Benjamin, mas um reconhecimento de um potencial técnico a ser apropriado, de suas “possibilidades”, mas também de sua “contraditoriedade imanente” (BEHRENS, 2001, p. 120), sem perder de vista sua crítica à ideologia do progresso, às catástrofes relacionadas à efetiva função do desenvolvimento técnico no sistema capitalista, bem como o reconhecimento e a crítica de sua utilização política pelo fascismo.

Assim, em O autor como produtor, Benjamin defende a busca de apropriação das novas técnicas, dos novos meios de produção, difusão e comunicação, visando transformá- los, explorar seu potencial político emancipador e revolucionário – à semelhança de Brecht, como vimos –, ao mesmo tempo em que debate com diferentes posicionamentos estético- políticos de esquerda da época, criticando-os simultaneamente. Por um lado, posiciona-se, como ressalta Willi Bolle, contra teorias estéticas marxistas defensoras de formas tradicionais, portanto, de formas artísticas não condizentes com as transformações nas condições materiais de produção e recepção artística, com as novas técnicas e as novas possibilidades formais e transformações sociais por elas engendradas: a posição que triunfou no período final da Liga dos Escritores Proletários-Revolucionários, a partir de 1932, de defesa da forma do realismo burguês do século XIX contra as formas artísticas “abertas”, experimentais (BOLLE, 1994, p. 204).66 Por outro lado, Benjamin critica também os “publicistas radicais de esquerda, do gênero de um Kästner, Mehring ou Tucholsky”,67 cuja                                                                                                                

66 Esta havia sido a posição definida no II Congresso Internacional de Escritores Proletários, em 1930,

ratificando a posição do Partido Comunista soviético de defesa da forma do realismo burguês do século XIX, contra a experimentação formal da arte moderna, como a realizada e defendida pela Frente de Esquerda das Artes (LEF), tida como “decadente”, “formalista” (Cf. BOLLE, Willi Fisiognomia da Metrópole Moderna: Representação da História em Walter Benjamin. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p. 204). Tais diretrizes foram seguidas pelo Partido Comunista Alemão, na Liga dos Escritores Proletários- Revolucionários; isto constituía um prenúncio da posterior política cultural do “realismo socialista”, adotada oficialmente pela União Soviética a partir de 1934 (Cf. Ibidem, p. 204). A defesa do realismo burguês como forma que apresentaria minuciosamente as estruturas sociais foi assumida por Lukács, principal diretor do período final da revista Die Linkskurve (A Curva da Esquerda), uma das principais revistas do Partido Comunista Alemão (ver nota 19 deste trabalho acerca do “debate sobre o expressionismo”, no qual tais