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2 Rupturas com as instituições e refuncionalizações externas ao teatro burguês:

2.4 O caso da peça de aprendizagem A Medida: concerto-comício e partido

2.4.1 Produção e recepção

Dediquemo-nos, então, a um estudo mais aprofundado das peças de aprendizagem, abordando o caso de A Medida, que ocupa posição crucial na conferência benjaminiana O

autor como produtor, bem como na avaliação brechtiana posterior de sua própria produção,

como veremos. As peças de aprendizagem tiveram, historicamente, sua recepção marcada por más leituras, apreciações, interpretações e análises, sendo criticadas por um excesso de “rigidez da ação”, conforme destaca Koudela (1991, p. 1-2), acusadas de defesa, ode, exposição e demonstração de ideias políticas genéricas, abstratas, através de um caráter

inflexível, duro e esquemático. Assim, foram tomadas, como ressalta a autora, enquanto “fase de transição no pensamento de Brecht, à qual se seguiu, no final da década de 30, a fase madura do ‘teatro épico/dialético’” (KOUDELA, 1991, p. 1).80 As pesquisas sobre a peça de aprendizagem por Reiner Steinweg, a partir da década de 1960, teriam sido responsáveis, como ressalta Knopf (1980, p. 419), pelo surgimento de uma “teoria das peças de aprendizagem” propriamente dita, inexistente até então. Steinweg, em seu livro, publicado inicialmente em 1972, intitulado A peça de aprendizagem: A teoria de Brecht de

uma educação estético-política (Das Lehrstück: Brechts Theorie einer politisch-ästhetischen Erziehung), defende a interpretação da peça de aprendizagem como “exercício artístico

coletivo”, “texto para exercício” de atuação coletiva, especificando-a a partir da “regra básica” do “atuar para si mesmo, sem público”, que caracterizaria o fundamento do “ato artístico” (1976 b, p. 87). Contra as interpretações correntes, Steinweg realiza uma certa inversão na avaliação da produção brechtiana, levantando a tese de que as peças de aprendizagem seriam “projetos de um teatro socialista do futuro”, enquanto “todo o teatro épico das peças de espetáculo” (das gesamte epische Theater der Schaustücke) é que seria “solução transitória”, provisória (1976 b, p. 206-210). No entanto, como observa Ingrid Koudela, tal leitura absolutiza o que teria sido uma entre diversas “estratégias” estético- políticas levadas a cabo por Brecht, no período do fim da República de Weimar: entre 1926 e 1932, a produção brechtiana é marcada por diversos experimentos estético-políticos realizados estrategicamente, de modo concomitante, incluindo as óperas, conforme vimos, a peça de aprendizagem, o “experimento sociológico” (KOUDELA, 1991, p. 10).

Entre 1929 e 1930, Brecht escreveu a peça de aprendizagem A Medida (Die

Maßnahme) – também traduzida para o português, por Ingrid Koudela, como A Decisão.

Revelando-se um dos experimentos brechtianos mais polêmicos, a peça dialoga com as                                                                                                                

80 Neste sentido é interpretada por John Willett, que afirma, sobre a peça de aprendizagem: “privados de um

‘enredo’ básico, somos projetados para o campo das ideias, nuas e cruas, as quais nos conduzem a um julgamento (ostensivamente) firme e a uma conclusão (aparentemente) nítida e irrevogável” (Cf. WILLETT, John. O teatro de Brecht visto de oito aspectos. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1967, p. 88). Para um histórico da recepção da peça de aprendizagem, cf. KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva; Editora da Universidade de São Paulo, 1991, p. 1-8; KNOPF, Jan. “Die Theorie der Lehrstücke (ab 1929)”. In: Brecht-Handbuch: Theater. Stuttgart: Metzler, 1980, p 417-424; GUINSBURG, J.; KOUDELA, Ingrid Dormien. “O Teatro da Utopia: Utopia do Teatro?”. In: J. Guinsburg:

Diálogos sobre Teatro. Armando Sérgio da Silva (Org.). 2a Edição revista e ampliada. São Paulo: Editora da

Universidade de São Paulo, 2002, p. 155-174. No presente trabalho, opomo-nos a tais interpretações que vêem na peça de aprendizagem um veículo para a defesa de “ideias”, “teses”, e uma fase transitória, superada por sua obra posterior, defendendo os experimentos com a peça de aprendizagem como parte crucial de seu projeto estético-político, que ocupa Brecht durante toda a vida, tendo em vista suas declarações, no ano de sua morte, sobre A Medida como “forma do teatro do futuro” (Cf. STEINWEG, Reiner. Die Maßnahme: Kritische Ausgabe mit einer Spielanleitung von Reiner Steinweg. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1972, p. 265).

peças de aprendizagem anteriores, inserida naquele processo de experimentação de caráter dialético que constitui o trabalho brechtiano com estas peças, como vimos,81 radicalizando, então, uma série de questões nelas presentes, sendo avaliada posteriormente por Brecht, em 1956, como uma “forma do teatro do futuro”.82 Concebidas como exercícios de atuação para amadores, as peças de aprendizagem foram montadas publicamente enquanto “demonstrações” destes experimentos, apresentando com isto um objetivo político.83 A Medida estreou na Filarmônica de Berlim, em 1930, após haver tido, no mesmo ano, sua

apresentação vetada pela direção do Festival de Música Nova. Na ocasião, Brecht e Hanns Eisler, compositor da música da peça, escreveram uma “carta aberta” à direção do Festival, na qual criticavam a “orquestra policial” do Estado, que teria recusado a apresentação por censura política, afirmando a necessidade de libertação desses “importantes empreendimentos” artísticos da “dependência financeira de pessoas e instituições”, sejam privadas ou estatais, permitindo que sejam levados a cabo “por aqueles a quem foram destinados e que são os únicos para quem têm uma aplicação: corais de trabalhadores, grupos amadores, corais de alunos e orquestras de alunos, portanto àqueles que não são nem compradores de arte, nem são pagos para fazer arte, mas que querem praticá-la” (GBA 24, p. 97-98).84 No caderno do programa para a estreia da peça na Filarmônica de Berlim, constava o seguinte texto de Brecht:

A peça de aprendizagem A Medida não é uma peça de teatro no sentido usual. É um empreendimento para um coro de massa e quatro atuantes. Na nossa encenação de hoje, que é só uma forma de apresentá-la, a parte dos atuantes foi feita por quatro atores. Mas esta parte pode ser encenada de forma simples e primitiva e tal é justamente seu objetivo principal.

O conteúdo da peça de aprendizagem é, em resumo, o seguinte: quatro agitadores comunistas estão diante de um tribunal do partido, representado pelo coro de massa. Eles fizeram propaganda comunista na China e se viram obrigados a matar o seu mais jovem camarada. A fim de provar ao tribunal a necessidade da medida, eles mostram como o Jovem Camarada se comportou durante as diversas situações políticas. Mostram que o Jovem Camarada era sentimentalmente um revolucionário, mas não mantinha disciplina suficiente e utilizava pouco a sua razão, de modo que, sem querer, se tornara um grave perigo para o movimento.

O objetivo da peça de aprendizagem é portanto expôr um comportamento político incorreto, ensinando assim o comportamento correto. A apresentação visa a pôr em discussão se um empreendimento como esse

                                                                                                               

81 Cf. STEINWEG, Reiner. “Die Lehrstücke als Versuchsreihe”. In: Alternative 78/79, 1971, p. 121.

82 In: Idem, Die Maßnahme: Kritische Ausgabe mit einer Spielanleitung von Reiner Steinweg. Frankfurt am

Main: Suhrkamp, 1972, p. 265.

83 Cf. KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de aprendizagem, op. cit., p. 14; p. 62 84 Tradução de Ingrid Koudela. Brecht: Um jogo de aprendizagem, op. cit., p. 61-62.

tem valor de aprendizagem política (GBA 24, p. 96).85

O programa da peça continha também um questionário, a fim de poder analisar sua recepção, com perguntas de teor pedagógico, político e artístico, acerca da existência de “valor de aprendizagem” no experimento, de possíveis “objeções políticas” às “tendências de aprendizagem” e sugestões quanto à “forma” (GBA 24, p. 96).86

A recepção de sua estreia envolveu diversas polêmicas, tanto por parte da esquerda quanto da direita. A imprensa burguesa atacou a peça, vendo nela, em geral, uma defesa do caráter autoritário do partido e um “militarismo comunista”.87 Este tipo de leitura da peça, que se impôs historicamente durante décadas,88 no entanto, como observa Iná Camargo Costa (2010, p. 232), perde de vista justamente o teor crítico da peça em relação ao contexto político, em relação às diretrizes da Terceira Internacional no processo da Revolução Chinesa, sua função contrarrevolucionária ao aliar-se à burguesia chinesa, apoiando o partido Kuomintag e seu líder, Chiang Kai-Shek, em detrimento da classe trabalhadora: tal processo, contra o qual Brecht se posicionava, coloca-se como objeto de crítica da peça, não de apologia.89 Como lembra a autora, o irmão de Eisler – ele próprio filiado ao Partido                                                                                                                

85 Tradução de Luciano Gatti. A peça de aprendizagem: Heiner Müller e o modelo brechtiano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015, p. 30. Tradução para o portugês também disponível por Ingrid Koudela (Cf. KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de aprendizagem, op. cit., p. 61).

86 As perguntas do questionário eram as seguintes:

“1. O senhor acredita que um empreendimento como esse tem valor de aprendizagem política para o espectador?

2. O senhor acredita que um empreendimento como esse tem valor de aprendizagem para os encenadores (portanto, atuantes e coro)?

3. Contra quais tendências de aprendizagem contidas em A Medida o senhor tem objeções políticas?

4. O senhor acredita que a forma de nosso empreendimento é correta para o seu objetivo político? O senhor poderia nos sugerir outras formas?” (Tradução de Ingrid Koudela, na qual modificamos apenas o título da peça, traduzido pela autora por A Decisão. Cf. KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de aprendizagem, op. cit., p. 62). No original, in: GBA 24, p. 96.

87 Cf. a edição crítica de A Medida, organizada por Reiner Steinweg, que reúne críticas da imprensa da época.

Em um artigo anônimo publicado no Berliner Tageblatt, em 15 de dezembro de 1930, por exemplo, afirma-se que “‘A Medida’ de Bert Brecht é uma peça de aprendizagem do militarismo comunista”. Além disso, afirma que ela “é tão confusa, extensa e entediante que sequer alcança seu objetivo de agitação – a polícia receosa pode deixar ela ocorrer, o quanto quiser” (Cf. “Berliner Tageblatt vom 15. 12. 1930” In: STEINWEG, Reiner.

Die Maßnahme: Kritische Ausgabe mit einer Spielanleitung von Reiner Steinweg. Frankfurt am Main:

Suhrkamp, 1972, p. 335). Na bibliografia disponível em português, trechos de alguns destes artigos da imprensa encontram-se traduzidos por Ingrid Koudela (Cf. KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de aprendizagem, op. cit., p. 63-65).

88 Também neste sentido foi interpretada por Adorno, afirmando que, em A Medida, Brecht “endeuza

diretamente o ‘partido’” (Cf. ADORNO, Theodor. “Engagement”. In: Notas de literatura. Tradução de Celeste Aída Galeão e Idalina Azevedo da Silva. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1973, p. 57).

89 Segundo Iná Camargo Costa: “Brecht é contemporâneo da traição – não tem outro nome – da traição da

Terceira Internacional, que apoiou Chiang Kaichek. Esse é o assunto da peça A decisão. O processo a que assistimos desmoraliza o jovem militante porque, por exemplo, ele se recusa a fazer aliança com o comerciante. O comerciante é a burguesia. Sem conhecer em detalhes a diretriz – de aliança com a burguesia – seguida pelos comunistas na China, você não entende a peça” (Cf. COSTA, Iná Camargo. Brecht e o teatro

Comunista Alemão –, Gerhart Eisler, havia participado do processo chinês, de modo que Brecht o teria acompanhado com proximidade (COSTA, 2010, p. 227-228).

À estreia da peça seguiram-se agitados debates políticos na esquerda, envolvendo organizações proletárias e órgãos da imprensa marxista. Os mais importantes veículos de imprensa do Partido Comunista Alemão na época, o jornal Die Rote Fahne (A Bandeira

Vermelha) e a revista Die Linkskurve (A Curva da Esquerda), publicaram artigos falando da

limitação da perspectiva de Brecht ao âmbito teórico, à teoria marxista-leninista, a um conhecimento de caráter “abstrato”, carecendo de conhecimento e experiência da perspectiva da “prática” política “revolucionária”.90 Alfred Kurella, influente escritor comunista, publicou um artigo, em 1931, afirmando que a peça é marcada por “uma percepção idealista fundamental”, que se mostra “de forma mais explícita nas percepções de comunismo e partido comunista”. Ele afirma que, para Brecht, o comunismo seria uma “ideia”, consistiria no “ensinamento dos clássicos” do comunismo, de modo que a peça exigiria a “submissão do indivíduo” à autoridade do partido, exaltando-o, “porque o partido encarna ‘o ensinamento’” comunista.91 Caracterizando a “tese da primazia da razão sobre o sentimento” como “o verdadeiro tema” de A Medida, Kurella afirma que o “conflito entre razão e sentimento”, presente na crítica dos quatro agitadores ao comportamento do jovem camarada, seria um típico conflito do pensamento ideológico burguês, característico da “vivência fundamental do intelectual burguês” que, a partir da perspectiva materialista e dialética, aproxima-se do “movimento revolucionário” proletário – conflito partilhado também por muitos trabalhadores “sob a influência de ideias burguesas”, apartados desse movimento.92 “Mesmo quando o intelectual já compreendeu racionalmente e por inteiro a correção das ideias comunistas, seu sentimento ainda se volta contra muitas medidas práticas do partido comunista”, afirma Kurella.93

Tendo em vista os debates em torno da recepção da peça, Brecht realizou alterações                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

épico. Literatura e Sociedade, nº 13, jan/2010, p. 233).

90 Cf. “Die Rote Fahne vom 24. 12. 1930”. In: STEINWEG, Reiner. Die Maßnahme, op. cit., p. 341-343;

BIHA, Otto. “Die Linkskurve, Januar 1931, Nr.1, p. 12-14”. In: Ibidem, p. 352-356. Alguns trechos dos artigos encontram-se traduzidos para o português por Koudela (Cf. KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva; Editora da Universidade de São Paulo, 1991, p. 63).

91 KURELLA, Alfred. “Ein Versuch mit nicht ganz tauglichen Mitteln”. In: STEINWEG, Reiner. Die Maßnahme, op. cit., p. 384.

92 Ibidem, p. 387-390. Citamos, aqui, a partir das traduções de Ingrid Koudela e Luciano Gatti (Cf.

KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de aprendizagem, op. cit., p. 65; GATTI, Luciano. A peça de aprendizagem: Heiner Müller e o modelo brechtiano. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015,

p. 33-34).

93 Tradução de Luciano Gatti. Ibidem, p. 33-34. No original: KURELLA, Alfred. “Ein Versuch mit nicht ganz

em seu texto, escrevendo diferentes versões. A questão do “conflito entre razão e sentimento” foi transformada: enquanto na versão do texto de 1930, publicada no mesmo ano em um caderno especial dos Versuche e utilizada na apresentação de estreia, o “comportamento político incorreto” do jovem camarada estaria relacionado a uma “sobreposição do sentimento à razão”, na versão de 1931, ele consistiria em uma “separação entre sentimento e razão”, como ressalta Steinweg (1971, p. 139). “O jovem camarada reconheceu que separara o sentimento da razão”, relatam os quatro agitadores ao coro de controle após apresentarem a primeira situação em que ele colocou em risco a missão (TC 3, p. 247). Ao possuir a tarefa de instigar os trabalhadores que puxavam canoas de arroz rio acima a reivindicarem sapatos com travas de madeira, de modo a não escorregarem na margem enlameada, exigindo uma melhoria em suas condições de trabalho, o jovem camarada se compadece do trabalhador que, escorregando incessantemente, é chicoteado pelo inspetor. Então, ele coloca pedras em seu caminho, para evitar sua queda, e busca apelar para a compaixão do inspetor, resultando em sua identificação como agitador e na perseguição de todo o coletivo, que se vê impedido de realizar propaganda na cidade baixa e precisa fugir para se salvar. Também é transformada a “missão de propaganda comunista” na China, como ressaltado por Luciano Gatti (2015, p. 34), de modo que os agitadores e o jovem camarada não são mais responsáveis, como no texto de 1930, pela fundação do Partido Comunista na China e pelo início de uma greve, mas por apoiar o Partido e os trabalhadores já em greve, de modo a construir uma greve geral.94

Brecht não continuou encenando a peça após o exílio, proibindo apresentações ao longo de sua vida. Por outro lado, apesar das interdições, durante uma conversa com Manfred Wekwerth em 1956, ano de sua morte, refere-se à peça como uma “forma do teatro do futuro”95. Explicando as razões que o levavam a não autorizar a montagem da peça, Brecht afirma que ela “não foi escrita para espectadores” ou “leitores”, mas para “a                                                                                                                

94 Trabalharemos, aqui, com a versão do texto de 1931, a partir de sua tradução por Ingrid Koudela, in: TC 3, e

da versão original em alemão, in: GBA 3. Na edição crítica da peça organizada por Steinweg, há cinco versões do texto: 1) a primeira versão, datada de 1930; 2) a segunda versão, do mesmo ano, utilizada para a encenação na Filarmônica e publicada em um “caderno especial” dos Versuche em 1930; 3) a versão de 1931, reescrita após a discussão em torno da apresentação e publicada no mesmo ano no quarto caderno dos Versuche – esta seria a versão “que Brecht aparentemente viu, até sua morte, como a genuína” (Cf. KNOPF, Jan. Brecht-

Handbuch: Theater. Stuttgart: Metzler, 1980, p. 93); 4) uma curta versão para uma “Edição de Moscou” entre

1935 e 1936; 5) uma versão, reescrita entre 1937 e 1938, para as Gesammelte Werke (Cf.STEINWEG, Reiner.

Die Maßnahme: Kritische Ausgabe mit einer Spielanleitung von Reiner Steinweg. Frankfurt am Main:

Suhrkamp, 1972). Em GBA 3, estão disponíveis o texto da apresentação de 1930 e o de 1931.

95 In: STEINWEG, Reiner. Die Maßnahme, op. cit., p. 265. Tradução para o português disponível por Koudela

(Cf. KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de aprendizagem. São Paulo: Perspectiva; Editora da Universidade de São Paulo, 1991, p. 59).

instrução”, “o aprendizado” daqueles que nela atuam.96 Podemos ver tal interdição como relacionada à sua recepção, o que marcará a busca por eficácia política em sua produção e seu trabalho com a forma da parábola, como pretendemos mostrar aqui: em uma carta a Paul Patera, em 1956, Brecht afirma que “apresentações diante do público provocam, como mostra a experiência, nada além de afetos morais habitualmente de gênero medíocre junto ao público”.97 Segundo suas Anotações sobre a peça, “só o intérprete do jovem camarada pode aprender a partir disso, e somente se tiver também representado um dos agitadores e cantado junto ao coro de controle” (GW 17, p. 1034).98

Benjamin destaca-se como uma exceção entre os críticos da época, ao dar importância ao caráter específico da peça de aprendizagem em relação ao teatro épico.99 Na primeira versão do ensaio O que é o teatro épico?, ele menciona a peça de aprendizagem como “desvio necessário através do teatro épico” (BENJAMIN, OE I, p. 85; VB, p. 15) e, na segunda versão, dedica a ela uma seção do texto, na qual afirma:

O teatro épico visa, em todo caso, tanto os atores quanto os espectadores. A peça de aprendizagem destaca-se enquanto caso específico essencialmente pelo fato de que, por meio da excepcional pobreza do aparato, facilita e sugere a permutabilidade do público com os atores, dos atores com o público. Cada espectador pode se tornar um ator/participante/jogador (Mitspieler) (BENJAMIN, VB, p. 26).

Em um escrito por volta de 1935, Brecht se refere às peças de aprendizagem como “experimentos pedagógicos” que “se serviam de meios teatrais, mas que não precisavam dos teatros propriamente ditos. [...] Tratava-se, com estes trabalhos, de arte para o produtor, menos do que de arte para o consumidor” (GBA 22.1, p. 167). A peça de aprendizagem não era concebida para ser necessariamente montada publicamente, encenada como espetáculo, conforme mencionado. A Medida, segundo Brecht, foi escrita “para ser representada” coletivamente, para um “jogo”, um “exercício” de atuação de caráter coletivo, portanto, conforme afirma em uma entrevista a Pierre Abraham, em 1956, “para alguns jovens que

                                                                                                               

96 Cf. carta de Brecht a Paul Patera, de 21 de abril de 1956, in: STEINWEG, Reiner. Das Lehrstück: Brechts

Theorie einer politisch-ästhetischen Erziehung. Zweite, verbesserte Auflage. Stuttgart: Metzler, 1976b, p. 60;

Idem. Die Maßnahme: Kritische Ausgabe mit einer Spielanleitung von Reiner Steinweg. Frankfurt am Main:

Suhrkamp, 1972, p. 258; e entrevista de Brecht a Pierre Abraham. In: Ibidem, p. 261; Idem. Das Lehrstück, op.

cit., p. 61. Traduções para o português disponíveis por Koudela (Cf. KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de

aprendizagem, op. cit., p. 59 e p. 66).

97 In: STEINWEG, Reiner. Das Lehrstück, op. cit., p. 60. 98 Ibidem, p. 61.

99 Cf. STEINWEG, Reiner. Das Lehrstück, op. cit., p. 79; KOUDELA, Ingrid. Brecht: Um jogo de

queiram fazer o esforço de praticá-lo”.100 “Cada um deles”, cada atuante, deve se revezar em todos os papéis, assumindo “o lugar do acusado, dos acusadores, das testemunhas, dos juízes. Nestas condições, cada um deles irá submeter-se aos exercícios da discussão e terminará por adquirir a noção – a noção prática do que é a dialética”.101 Assim, com a peça de aprendizagem, temos exercícios de atuação de caráter coletivo, experimentos estético- políticos de atuação voltados para amadores, de caráter experimental, realizados com movimentos políticos de trabalhadores e estudantes, em escolas e em organizações operárias, nos quais todas as pessoas tomariam parte na atuação. Em Para uma teoria da

peça de aprendizagem (Zur Theorie des Lehrstücks), escrito entre 1937 e 1938, diz Brecht

que ela “ensina quando nela se atua, não quando se é espectador. Em princípio, não há necessidade de espectadores, mas eles podem ser utilizados” (GBA 22.1, p. 351).102 Criava- se, assim, um campo experimental de atuação e aprendizagem, discussão, debate e formação política. Ao revezarem-se nos diferentes papéis, nas diversas funções, os participantes realizariam, como afirma Brecht sobre A Medida, um exercício de “dialética”, chamada por ele em Me-ti de “Grande Método”, colocando as contradições em operação, explorando-as e