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Quando se fala de autorregulação, pensa-se em comportamentos sociais positivos e proactivos, que afaste o sujeito de comportamentos desviantes e antissociais (Bronson, 2000). Estes comportamentos positivos são frequentemente referidos como altruístas, pro-sociais ou morais. Contudo, a sua definição tem sido difícil, visto que as diferenças culturais entre grupos sociais levam a diferentes visões sobre o que são os comportamentos considerados adequados e os comportamentos desviantes. Para compreender melhor o desenvolvimento do altruísmo, Bronson (2000) apresenta diferentes explicações teóricas. A perspetiva etológica estudou tanto os comportamentos pro-sociais como a agressividade do ponto de vista dos impulsos inatos característicos do animal. Segundo Lorenz (1965), há quatro tipos de impulsos inatos: o impulso sexual, a fome, flight e a agressividade. Wilson (1975) salienta o papel da família como a base da sociedade, da transmissão das regras morais que estabelecem o funcionamento social. Destaca também o papel do parentesco no desenvolvimento da partilha, uma das principais características do ser humano. O autor realça ainda as diferenças culturais e as suas regras sociais e comportamentais específicas na definição do que é considerado correto, ético ou aceitável em cada sociedade. Apesar das relações de parentesco serem vitais para o sujeito, a forma como estas se desenvolvem varia de cultura para cultura. De acordo com esta perspetiva, tanto a agressividade como o altruísmo contribuíram para a sobrevivência do Homem ao longo dos tempos, pelo que hoje são componentes inatas do comportamento humano.

A teoria psicanalítica também assumiu a influência do instinto no comportamento humano. Para Freud (1930), este é orientado pelo instinto de vida e pelo instinto de morte. O

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primeiro está na base dos comportamentos positivos, do envolvimento em atividades de forma ativa, do desenvolvimento de relações interpessoais. Por outro lado, é o instinto de morte que está na base da agressividade, que surge como necessidade de destruição. A teoria de Freud assenta na existência de mecanismos mentais dinâmicos que estão na base da personalidade humana. Estas três instâncias do aparelho psíquico são o id (a líbido, o principio do prazer), o ego (a razão, o princípio da realidade) e o superego (o princípio da moral). Para o autor, a autorregulação assenta no superego, o qual se desenvolve a partir das recompensas e castigos que o sujeito vai recebendo e que está formada com a entrada para o primeiro ciclo, pelo que as experiências até esse período são fulcrais no desenvolvimento da personalidade do sujeito. O id é constituído pelas experiências mais negativas e pelas punições, que fizeram com que a criança sentisse vergonha. O ego é composto pelas experiencias positivas, as quais foram valorizadas e recompensadas, e que fizeram com que o sujeito se sentisse competente e orgulhoso de si. O superego tem como missão orientar o sujeito para comportamentos mais corretos e aceites pela sociedade. Por este motivo, a mente do sujeito está em constante conflito, à medida que o ego tenta equilibrar os desejos do id e os princípios morais do superego. Deste modo, o desenvolvimento do altruísmo tem por base o ego, que orienta o indivíduo a agir da forma moralmente mais correta, sem violar as necessidades do id. Os teóricos posteriores da perspetiva psicanalítica encararam o desenvolvimento da personalidade de forma mais positiva. Para estes, os desejos do sujeito (id) não se distanciam completamente dos requisitos da sociedade (Erikson, 1959) e o seu desenvolvimento não se limita tanto aos resultados das suas experiências (Erikson, 1963). Estes investigadores defenderam, ainda, que o ego tem objetivos próprios, para além do controlo dos objetivos do id e do superego, como é o caso da competência (White, 1963), da autorrealização (Rogers, 1963) e do desenvolvimento de valores e conceitos (May, 1967).

A perspetiva behaviorista focou-se na importância do ambiente na modelação dos comportamentos do sujeito. Desta forma, os teóricos entenderam o comportamento altruísta como resultado das experiências do sujeito e da associação entre estas e as suas recompensas ou punições posteriores (Eysenck, 1976). Para os behavioristas, a criança desenvolve um controlo gradual sobre os seus impulsos e espera a recompensa pelos seus comportamentos. Desta forma, o autocontrolo é visto como um meio altruísta de controlar os nossos comportamentos, em função das suas consequências (Baldwin & Baldwin, 1998). Esta teoria não é específica quanto aos comportamentos altruístas, visto que considera que estes são determinados pelo ambiente. As estratégias que o sujeito utiliza para atingir os seus objetivos são aprendidas. É o ambiente que fornece os modelos, as regras e os reforços que garantem a

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aprendizagem. Deste modo, a criança vai assimilando o que é correto ou incorreto e o que deve ser recompensado ou punido, aprendendo agir da forma mais correta, a que é recompensada, e a inibir comportamentos indesejados, os quais devem ser punidos (Harris, 1982). Os behavioristas acreditam que tanto os objetivos onde assenta autorregulação como os meios para exercer esse controlo são exteriores ao sujeito.

A teoria da aprendizagem social, derivada da teoria behaviorista, centrou-se nos aspetos cognitivos do desenvolvimento e deu importância não só ao controlo exterior dos comportamentos, como também ao controlo interno. Tanto os comportamentos positivos como os negativos são considerados resultados da aprendizagem e influenciam o comportamento. Contudo, são as capacidades de avaliação do sujeito que mais influenciam o seu autocontrolo (Bandura, 1986, 1997). Tanto os comportamentos altruístas como os antissociais são fruto das experiências pessoais do sujeito e das suas consequências, bem como pela observação das experiências dos outros e suas consequências. Apesar da teoria de Bandura se centrar na aprendizagem, alguma investigação mostrou que a genética e as diferenças de género influenciam os comportamentos pro-sociais e agressivos (Bandura, Ross & Ross, 1963). Com o aumento da idade e da maturidade, o comportamento vai sendo influenciado por padrões internos ao sujeito, os quais regulam e avaliam quais os comportamentos mais adequados a cada situação. Estes padrões também permitem que o próprio sujeito de recompense (sentimentos de autossatisfação e competência) ou puna (autodesprezo) a si próprio.

Para Piaget (1965), o desenvolvimento moral depende não só do desenvolvimento cognitivo do sujeito, mas também das suas interações com os outros. De acordo com esta teoria, o comportamento moral é reflexo do nível de compreensão do sujeito face às regras sociais, às opiniões dos outros e ao sentido de justiça. Piaget dividiu o desenvolvimento moral do sujeito em quatro estágios: estádio sensório-motor (do nascimento até aos dois anos); estádio das representações simbólicas (dos dois até aos seis/sete anos de idade); estádio das operações concretas (dos seis/sete até aos doze anos de idade); estádio das operações formais (a partir dos doze de idade). Para o autor, a capacidade de julgamento moral e a capacidade controlar os comportamentos de acordo com esses julgamentos desenvolvem-se a partir do momento em que a criança atinge o estádio do pensamento lógico e tem capacidade de compreender outros pontos de vista. Esta compreensão torna-se possível a partir das interações sociais do sujeito. Ao lidar com diferentes sentimentos, opiniões e objetivos, o sujeito entra em conflito. De acordo com esta teoria, é o conflito que está na base da aprendizagem. O sujeito tem necessidade de assimilar as novas aprendizagens, acomodando e

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desenvolvendo novas e melhores formas de agir. Desta forma, vai-se tornando capaz de aceitar as diferentes opiniões com as quais se confronta, entendo cada vez melhor os conceitos de justiça e reciprocidade. Piaget defendeu ainda que a vontade de agir de forma altruísta acompanha o desenvolvimento moral do sujeito. Apesar das influências do meio, é a mente do sujeito que molda a sua compreensão da realidade. A criança tem uma necessidade inata de compreender o mundo à sua volta. Esta interação da criança com o meio físico e social cria muitas vezes conflito com o que esta já sabe. A adaptação a estes novos conhecimentos acerca da realidade que a rodeia influencia o seu comportamento e forma de pensar. O autocontrolo necessita, então da compreensão dos princípios morais, do que esta correto ou incorreto, que se vai desenvolvendo com a idade, em paralelo com o desenvolvimento cognitivo.

Autorregulação e comportamento pro-social no período pré-escolar

A natureza dos comportamentos altruístas das crianças varia ao longo do seu desenvolvimento. Durante o período pré-escolar, a criança já tem a capacidade de conversar sobre as suas atividades mentais, como o pensar, o lembrar e o acreditar (Johnson & Wellman, 1982). Ao longo desta fase, a criança também já consegue colocar-se no lugar do outro e aceitar a existência de outros sentimentos e opiniões diferentes dos seus (Johnson & Wellman, 1982; Wellman & Estes, 1986). Devido a esta nova capacidade, a criança começa a experimentar uma série de diferentes papéis sociais, nos mais variados jogos dramáticos.

Há diversas teorias que salientam o egocentrismo que caracteriza esta fase de desenvolvimento. Contudo, a investigação tem mostrado que é nesta fase que surgem o jogo de papéis e a empatia, capacidades características do comportamento pro-social (Hoffman, 1984). À medida que a criança cresce, os seus comportamentos altruístas vão-se tornando cada vez mais específicos e pessoais (Eisenberg & Mussem, 1989) e torna-se mais evidente a ligação entre a empatia e o comportamento altruísta (Eisenberg & Miller, 1987). As crianças de jardim-de-infância que revelam uma maior capacidade pro-social revelam também um autocontrolo mais ajustado e positivo (Eisenberg & Mussem, 1989). Por esta lógica, os comportamentos mais desadequados podem ser resultantes de um baixo autocontrolo.

Com o seu crescimento da criança, o altruísmo vai-se agregando à sua personalidade e à forma como vê o mundo, tornando-se um forte motivador de comportamentos mais corretos e positivos.

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