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Perceções dos educadores de infância acerca dos comportamentos de autorregulação das crianças

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Perceções dos educadores de infância acerca dos

comportamentos de autorregulação das crianças

Ana Luísa Fernandes

Dissertação

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Área de Especialização em Formação Pessoal e Social

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Perceções dos educadores de infância acerca dos

comportamentos de autorregulação das crianças

Ana Luísa Fernandes

Dissertação orientada pelo Professor Doutor Feliciano

Henriques Veiga

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

Área de Especialização em Formação Pessoal e Social

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RESUMO

Neste estudo pretendeu-se averiguar as perceções dos educadores de infância relativamente à autorregulação das crianças, em função de variáveis específicas. Foi utilizada a Escala de Comportamentos de Autorregulação em Jardim-de-Infância (ECA) e a Escala de Comportamentos de Agressão entre Pares (CTA). Procedeu-se à adaptação para o contexto português da escala de comportamentos de autorregulação em crianças de jardim-de-infância, a “Teacher ratings of behavioral self-regulation in preschool children”, de Olson e Kashiwagi (2000), que apresentou bons índices de consistência interna e validade externa (Veiga e Fernandes, 2012). Foi solicitada a autorização às direções dos jardins-de-infância para a aplicação dos instrumentos; os educadores de infância foram contactados e procedeu-se à distribuição dos inquéritos. Trinta educadoras de infância classificaram 557 crianças, com idades entre os três os sete anos de idade, 269 do género masculino e 288 do género feminino. Analisou-se a distribuição das crianças em função da sua autorregulação elevada ou baixa, a frequência dos comportamentos de autorregulação em função do género e da idade das crianças e a correlação entre a autorregulação e a agressividade entre pares. Observou-se que a maioria das crianças já apresenta elevados níveis de autorregulação, que as diferenças de autorregulação entre géneros não foram muito significativas, que as diferenças de autorregulação entre idades são significativas, sendo mais elevadas nas crianças entre os cinco e os sete anos do que nas crianças entre os três e os quatro anos e que quanto maior é o nível de autorregulação das crianças, menos são os casos de agressividade entre pares. Os resultados sugerem o aprofundamento em posteriores estudos, com novas variáveis e amostras mais diferenciadas.

Palavras-chave: autorregulação em crianças; infância; representações de educadoras de infância; conflito entre pares.

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ABSTRACT

In this study, there was an attempt to investigate the kindergarten teachers’ perceptions about the children self-regulation, depending on specific variables. There were used the Escala de Comportamentos de Autorregulação em Jardim-de-Infância (ECA) and the Escala de Comportamentos de Agressão entre Pares (CTA). We adapted a self-regulation behavior scale in kindergarten children to the Portuguese context, the “Teacher ratings of behavioral self-regulation in preschool children”, by Olson and Kashiwagi (2000), which presented good internal consistency and external validity (Veiga e Fernandes, 2012). It was requested the authorization to the kindergartens principal's offices to apply the instruments; the kindergarten teachers were contacted and the surveys were distributed. Thirty kindergarten teachers classified 557 children, aged between three and seven years old, 269 of the male gender and 288 of the female gender. We analyzed the distribution of the children according to their high or low self-regulation, the frequency of the behaviors by the children gender and age and the correlation between self-regulation and peer agression. We observed that most children shows a high level of self-regulation, that differences of self-regulation between genders are not significant, that differences of self-regulation between ages are significant, being higher in children between five and seven years old than in children between three and four years old and that the higher is the children’s self-regulation, less are the cares of peer agression. The results suggested the need of going deeper in subsequent studies, with new variables and more differentiated samples.

Keywords: Children self-regulation; infancy, kindergarten teachers’ perceptions; peer agression.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Doutor Feliciano Henriques Veiga, meu orientador da dissertação, pelo voto de confiança, pela disponibilidade e pelo apoio durante todo o processo de elaboração deste trabalho. Em especial, agradeço-lhe pela orientação durante o tratamento estatístico dos dados, a qual foi fundamental para a realização da dissertação.

Aos Professores que acompanharam o mestrado, pelo apoio e pelos esclarecimentos dados, os quais contribuíram para o aprofundamento dos meus conhecimentos.

Aos meus colegas de mestrado, pelo incentivo e cooperação, pela partilha de conhecimentos e pelos bons momentos de convívio.

Às colegas educadores de infância que se disponibilizaram a participar na investigação, sem as quais a recolha de dados não teria sido possível.

Aos meus amigos e família, pelo grande incentivo ao longo deste processo de realização da dissertação, mas também pelo que me deram e ensinaram ao longo da vida.

Aos meus pais, as pessoas mais importantes, pela possibilidade de integrar este mestrado, mas sobretudo pelo incentivo, pelo apoio incondicional e por tudo o que me têm possibilitado.

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iv ÍNDICE Resumo i Abstract ii Agradecimentos iii Índice iv Índice de tabelas vi Índice de gráficos vi Capítulo 1: Introdução 1

1.1 Definição e enquadramento do problema de investigação 1

1.2 Objetivos do estudo e questões de investigação 3

1.3 Estrutura geral da dissertação 3

Capítulo 2: Desenvolvimento psicossocial da criança dos três aos seis anos 5

2.1 Desenvolvimento na infância 5

2.2 Desenvolvimento do auto-conceito 7

2.3 A Identidade de género 9

2.4 O brincar 13

2.5 Educação e estilos parentais 14

2.6 Relação com os pares 19

Capítulo 3: Autorregulação 23

3.1 Autorregulação: definição do conceito 23

3.2 Autorregulação: o seu desenvolvimento segundo diversas perspetivas 26

3.3 Autorregulação e motivação 29

3.4 Autorregulação e controlo emocional e comportamental 31

3.5 Autorregulação e comportamento pro-social 33

3.6 Autorregulação: como se promove 37

3.7 Autorregulação: como se avalia 40

Capítulo 4: Autorregulação e variáveis sociodemográficas 43

4.1 Autorregulação e género 43

4.2 Autorregulação e idade 44

4.3 Autorregulação e agressão entre pares 46

Capítulo 5: Metodologia 49

5.1 Opções metodológicas 49

5.2 Sujeitos 49

5.3 Instrumentos 53

5.3.1 Escala de Comportamentos de Autorregulação em

Jardim-de-Infância (ECA) 53

5.3.2 Escala de Comportamentos de Agressão entre Pares (CTA) 56

5.4 Procedimento 57

5.5 Variáveis de estudo 57

Capítulo 6: Resultados 59

6.1 Resultados da distribuição das crianças pela frequência de

comportamentos de autorregulação 59

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6.3 Resultados da análise correlacional 66

Capítulo 7: Discussão de resultados e conclusões 69

7.1 Discussão dos resultados 69

7.1.1 Distribuição das crianças pela frequência de

comportamentos de autorregulação 69

7.1.2 Análise diferencial 71

7.1.3 Análise correlacional 72

7.2 Conclusões 73

7.3 Limitações do estudo e sugestões de novas investigações 74

Bibliografia 77

Anexos 88

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ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1. Sujeitos da amostra em função do género 50

Tabela 2. Sujeitos da amostra em função da idade 51

Tabela 3. Análise fatorial da escala ECA 54

Tabela 4. Índices de correlação entre os resultados nos itens da ECA e da CTA 56 Tabela 5. Distribuição dos comportamentos de autorregulação, em termos de

ocorrência baixa versus alta 60

Tabela 6. Distribuição das crianças em função do género 62

Tabela 7. Distribuição das crianças em função da idade 64

Tabela 8: Índices de correlação entre os resultados nos itens da ECA e da CTA 67

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Sujeitos da amostra em função da idade (frequência) 51

Gráfico 2. Habilitações literárias do pai 52

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CAPÍTULO 1

INTRODUÇÃO

Neste primeiro capítulo procede-se à introdução do trabalho, a qual se centra na exposição do problema de investigação que deu origem à presente investigação, bem como a sua importância no mundo atual, mais precisamente, no que concerne à educação de crianças em idade pré-escolar. São também apresentados os objetivos do estudo e as consequentes questões de investigação que orientam este processo de investigação. Segue-se a apresentação da estrutura da dissertação. Esta dissertação foi elaborada em conformidade com o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

1.1 Definição e enquadramento do problema de investigação

É no jardim-de-infância, que corresponde à faixa etária entre os três e os seis anos, que se torna mais fácil observar os primeiros comportamentos de autorregulação nas crianças. Isto é, a criança começa a desenvolver novas relações, com os seus pares e outros adultos fora do círculo familiar. Estas interações vão-se tornando cada vez mais complexas, devido a uma comunicação e coordenação cada vez maiores, à partilha de afetos cada vez mais forte, mas também devido ao desenvolvimento de brincadeiras cada vez mais complexas (Ramani, Brownell & Campbell, 2010). Desta forma, a criança começa a desenvolver progressivamente mais competências para controlar os seus comportamentos de exteriorização, descobrindo assim novas formas de expressar os seus sentimentos, ideias e desejos. Estas competências pessoais e sociais desenvolvidas nesta fase têm uma grande importância para o desenvolvimento equilibrado do sujeito (Eckerman & Peterman, 2001). A compreensão destas competências de autorregulação é muito importante para se compreender o desenvolvimento do sujeito como um ser global. Porém, estas têm sido um pouco deixadas de lado pela investigação em Portugal. Por este motivo, este constitui um tema necessário à literatura científica. É necessário procurar compreender melhor este processo, para que se possa promover uma melhor adequação das estratégias de trabalho e dinâmicas nos jardins-de-infância.

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Primeiro que tudo, é necessário ter em conta que os comportamentos nem sempre são positivos, cooperativos e autorregulados. Tanto os comportamentos positivos como os negativos são naturais nesta fase de desenvolvimento, visto que refletem as experiências da criança na sua vida em grupo (Ramani, Brownell & Campbell, 2010). Tem-se assistido atualmente a uma crescente mediatização de temas como a indisciplina e violência nas escolas, e mais propriamente, o bullying. Estes têm constituído cada vez mais frequentemente objetos de estudo da investigação científica no campo da educação, não só pela sua complexidade, mas também devido às suas amplas e graves consequências, tanto nos sujeitos envolvidos como nos contextos escolares e familiares associados. Contudo, esta investigação tem-se centrado em crianças mais velhas e adolescentes, deixando um pouco de parte a existência de condutas agressivas já em crianças do pré-escolar. Daí a importância de relacionar a autorregulação e a agressão entre pares.

Para avaliar o desenvolvimento deste tipo de competências em crianças desta faixa etária é importante pensar, primeiro, na melhor forma de o fazer. A forma mais fiável poderia assentar na observação. Porém, observar uma grande amostra de crianças num contexto real, ao longo de um período de tempo suficiente para avaliar o desenvolvimento das suas competências da forma mais fidedigna possível seria um processo demasiado longo para esta dissertação. Desta forma, recorrer aos educadores de infância e aos seus conhecimentos sobre as crianças dos seus grupos pareceu a melhor forma de compreender como se processa o desenvolvimento da autorregulação nesta fase. Definiu-se então como problema de investigação para o presente trabalho o seguinte: qual a perceção dos educadores de infância acerca das competências de autorregulação das crianças em idade pré-escolar?

Para melhor compreender o desenvolvimento da autorregulação será necessário ter em conta diversas variáveis que o influenciam, como é o caso da idade e do género das crianças. Como já foi referido, apesar de se verificar um grande desenvolvimento das competências de autorregulação na idade pré-escolar, a conduta agressiva é também normal nesta fase. A nível da literatura, tem sido dado o nome de “agressão entre pares”, conceito que também tem sido pouco investigado no contexto científico português. Daí a importância de tentar também, neste estudo, relacionar os comportamentos de autorregulação com a agressão entre pares no jardim-de-infância, correspondendo a agressão entre pares à última variável de estudo.

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1.2 Objetivos do estudo e questões de investigação

A partir da definição do problema de investigação determinaram-se os objetivos de estudo e as questões de investigação. Com este estudo pretende-se analisar a relação entre a autorregulação e os fatores inerentes à criança, neste caso a idade e o género, bem como a sua relação com a agressão entre pares. De uma forma mais especifica, os objetivos passam por:

§ Aprofundar o conceito da autorregulação em idade pré-escolar;

§ Observar a forma como os educadores de infância percecionam a autorregulação; § Analisar o seu desenvolvimento, em função da idade e do género da criança em

idade pré-escolar;

§ Compreender a relação entre a autorregulação e a agressão entre pares no período pré-escolar.

Partindo do problema de investigação, dos seus objetivos específicos, e da especificação das variáveis, formularam-se as seguintes questões de estudo:

Q1: Como se distribuem as crianças pela frequência de comportamentos de

autorregulação?

Q2: Será que a autorregulação varia consoante o género da criança? Q3: Será que a autorregulação varia consoante a idade da criança?

Q4: Há relação entre os comportamentos de autorregulação e a agressão entre pares?

1.3 Estrutura geral da dissertação

De forma a que a organização da dissertação facilitasse a sua leitura e compreensão, esta foi estruturada em sete capítulos. O primeiro capítulo diz respeito à introdução do presente trabalho, na qual é apresentado o problema de investigação e os objetivos e questões de estudo. O capítulo 2 centra-se num esclarecimento relativamente ao desenvolvimento psicossocial das crianças, dos três aos seis anos de idade, ou seja, o período pré-escolar. No capítulo 3 procede-se à definição do conceito de autorregulação, fazendo simultaneamente uma apresentação do que a investigação diz sobre o seu desenvolvimento no indivíduo, e mais precisamente, na idade pré-escolar. O capítulo 4 foca a relação entre a autorregulação e as

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variáveis em estudo: idade, género e agressão entre pares. Estas relações baseiam-se no que a investigação tem observado até então. O capítulo 5 diz respeito à descrição da metodologia utilizada no desenvolvimento do presente estudo. No capítulo 6 são apresentados os resultados desta investigação. No último capítulo é realizada a discussão dos resultados e são apresentadas as principais conclusões, limitações e sugestões para futuras investigações.

No que concerne à estrutura dos capítulos, esta dependeu em grande parte do conteúdo de cada um. O primeiro capítulo divide-se num primeiro momento de exposição e enquadramento do problema, seguindo-se a apresentação dos objetivos e questões de investigação, terminando numa breve descrição da estrutura da dissertação. O segundo capítulo encontra-se estruturado em cinco partes, as quais correspondem às principais componentes do desenvolvimento psicossocial da criança entre os três e os seis anos: o auto-conceito, a identidade de género, o brincar, a educação e estilos parentais e a relação das crianças com os seus pares. O terceiro capítulo está organizado em sete pontos, que vão desde a definição do conceito de autorregulação à forma como esta é avaliada e promovida, passando pelo seu desenvolvimento, bem como a sua relação com outras componentes inerentes ao comportamento humano: a relação da autorregulação com a motivação, o controlo comportamental e emocional e o comportamento pró-social. Todos estes pontos são primeiro abordados de forma geral, sendo seguidos de uma parte mais específica, referente à idade pré-escolar. O quarto capítulo é composto por três partes, referentes às três variáveis trabalhadas neste estudo: idade, género e agressividade entre pares. O quinto capítulo está organizado em cinco partes onde são feitas as descrições das opções metodológicas, da amostra, dos instrumentos utilizados, do procedimento e das variáveis de estudo. O capítulo 6 é composto por quatro partes, referentes às questões de estudo da presente investigação. O sétimo capítulo está estruturado em três partes centrais, sendo que a primeira corresponde à discussão dos resultados apresentados no capítulo anterior; a segunda parte diz respeito às principais conclusões provenientes do estudo e a última parte baseia-se na apresentação das suas limitações e são feitas sugestões relativamente a investigações futuras.

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CAPÍTULO 2

DESENVOLVIMENTO PSICOSSOCIAL DA CRIANÇA DOS TRÊS AOS SEIS ANOS

O período entre os três e os seis anos, normalmente designado por período pré-escolar, é muito importante para o desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial da criança. Para melhor compreender o desenvolvimento da autorregulação no período pré-escolar, é importante primeiro abordar o desenvolvimento psicossocial nesta fase de desenvolvimento. Este capítulo será baseado nas obras O Mundo da Criança e Desenvolvimento Humano, de Papalia, Olds e Feldman (2001, 2006), na qual os autores apresentam a sua perspetiva relativamente ao desenvolvimento da criança a nível físico, cognitivo e psicossocial. O desenvolvimento psicossocial da criança é abordado a partir de diversos fatores que o caracterizam, como é o caso do auto-conceito, da identidade de género, do ato de brincar, da influência dos estilos parentais e da relação com outras crianças.

2.1 Desenvolvimento na infância

Esta fase é caracterizada por uma complexificação das capacidades fisiológicas, motoras, mentais e cognitivas da criança, da sua personalidade e das relações sociais que esta vai criando. Aos três anos, idade que marca o início da segunda infância, a criança já não é um bebé e está repleta de curiosidade para se descobrir a si mesmo, e ao mundo em seu redor (Papalia, Olds & Feldman, 2006). A partir desta fase, adquire mais independência, autonomia e noção de competência, ao tentar controlar as suas necessidades pessoais, como a higiene, o sono, o vestir e o comer. É fundamental que a criança adquira, desde logo, hábitos de alimentação, higiene e sono saudáveis, os quais são influenciados, sobretudo, por padrões culturais. A competência nestas atividades está diretamente ligada ao aumento do controlo consciente dos seus músculos. Este período corresponde também a diversos progressos a nível motor. Como explicaram Papalia, Olds e Feldman (2001), a nível da motricidade grossa, a que está ligada os músculos maiores, a criança vai adquirindo cada vez mais facilidade e harmonia de movimentos ao correr, saltar ou transpor obstáculos. Quanto à motricidade fina, a qual envolve a coordenação óculo-manual e dos músculos pequenos, a criança adquire mais facilidade em realizar tarefas mais meticulosas, como desenhar, abotoar um botão ou atar os

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atacadores dos sapatos. É a partir dos três anos que a criança começa a mostrar preferência por uma das mãos, designada por lateralidade.

Com a entrada na segunda infância, a criança começa também a estar mais predisposta para aprendizagens cognitivas mais complexas, tanto a nível da linguagem e da matemática, como do conhecimento do mundo em geral. Esta fase de desenvolvimento é caracterizada por um grande egocentrismo e pelo desenvolvimento da memória, bem como por um grande desenvolvimento a nível da linguagem. Com crescente interesse no mundo em redor, a criança coloca questões sobre tudo, alargando o seu vocabulário e as suas noções gramaticais e sintáticas, melhorando as suas competências linguísticas globais. Ao adquirir um maior controlo da linguagem, a criança de três anos terá mais facilidade em comunicar com outros sujeitos, e vice-versa. Ao compreender e assimilar mais facilmente as regras sociais, é-lhe possível desenvolver mais e melhores relações sociais. Estas, por sua vez, desempenham um importante papel no desenvolvimento da linguagem, da inteligência e da memória (Papalia, Olds & Feldman, 2006). É sobretudo a partir desta fase, marcada pela entrada no jardim-de-infância, que o ambiente social envolvente se torna uma grande influência no desenvolvimento global da criança. Esta etapa é também marcada pelo facto de a criança desenvolver então a sua consciência de género, a qual influencia o seu auto-conceito e os seus comportamentos em função do seu próprio género, bem como as suas opiniões e atitudes face aos papéis que os dois géneros têm na sociedade (Papalia, Olds & Feldman, 2006).

É ainda importante referir que o desenvolvimento da criança sofre diversas influências ambientais ou biológicas, como é o caso de algumas doenças ou deficiências físicas, psíquicas ou cognitivas, as quais muitas vezes provocam atrasos no desenvolvimento das crianças. Este é também influenciado por outras questões ambientas com as quais a criança está em contacto, mais propriamente, o a cultura e o contexto familiar.

Para melhor compreender a autorregulação, o importante aqui é centrarmo-nos no desenvolvimento psicossocial dos três aos seis anos. Nesta fase, a criança adquire uma maior noção de si mesma. Esta aprende também a que género pertence e começa a comportar-se de acordo com o mesmo. É também importante referir que a brincadeira, a principal atividade das crianças, desempenha um papel muito importante no seu desenvolvimento psicossocial. Outra grande fonte de influência assenta no contexto familiar, mas propriamente das crenças e comportamentos dos pais, e nos estilos parentais que estão na base na educação da criança. O desenvolvimento psicossocial infantil recebe também uma grande influência da interação da criança com os seus irmãos ou com outros pares. São estes os principais pontos a serem desenvolvidos no presente capítulo.

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2.2 Desenvolvimento do auto-conceito

No que concerne ao desenvolvimento psicossocial da criança, o período pré-escolar é caracterizado pelo desenvolvimento do seu auto-conceito ou self. De acordo com Papalia, Olds e Feldman (2001), entende-se por auto-conceito a “imagem mental descritiva e avaliativa das capacidades e traços de cada um” (p.352). É, portanto, a representação mental que sujeito tem de si próprio, das suas características, capacidades e sentimentos e que orienta o seu comportamento. Oosterwegel e Oppenheimer (1993) definem-no como “um sistema gradualmente mais complexo e multidimensional que se desenvolve a partir da interação recíproca com o meio, influencia e é influenciado pelo funcionamento do indivíduo” (p.321). A partir dos três anos, a criança consegue refletir sobre si e sobre as suas ações, e identificar as suas características. É assim capaz de autodefinir-se, autodescrever-se e autoavaliar-se (Papalia, Olds & Feldman, 2006). Aos quatro anos, devido ao desenvolvimento da memória, a criança já melhorou o conhecimento que detém sobre si. Contudo, a sua autodefinição centra-se, em características físicas, competências, comportamentos observáveis, preferências e posses, ou noutras informações referentes à habitação e a família (Papalia, Olds & Feldman, 2001). Apenas mais tarde a criança deixará de referir ações e habilidades, passando a descrever-se em termos de capacidades, como ser inteligente, alta ou forte.

A investigação tem procurado compreender e o desenvolvimento do auto-conceito. De acordo com as teorias neo-piagetianas (Case, 1992; Fischer, 1980) as principais mudanças ocorrem ao longo de três fases. Até aos quatro anos a criança descreve-se a partir de representações simples e isoladas. Não consegue considerar que pode ter diferentes emoções em simultâneo, nem compreende que o seu self real é diferente do seu self ideal, o sujeito que deseja ser. Desta forma, tende a descrever-se de forma irrealisticamente positiva. Por volta dos cinco anos, a criança atinge outra etapa, caracterizada pelos mapeamentos representacionais – ligações lógicas entre as suas características ou ações. Contudo, como entende o bom e o mau como opostos, não compreende como pode ser bom em determinadas coisas e mau noutras. A entrada para o primeiro ciclo corresponde a uma nova fase, caracterizada pelos sistemas representacionais. A criança já consegue relacionar aspetos do self de forma mais generalizada, realizando desta forma autodescrições mais equilibradas.

A compreensão das emoções nas crianças é paralela ao desenvolvimento do auto-conceito. Esta permite que a criança se conheça melhor, conseguindo controlar a forma como exprime os seus sentimentos e como reage aos sentimentos dos outros (Papalia, Olds & Feldman, 2006). No período pré-escolar, as crianças já vão sendo capazes de falar sobre o que

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sentem e de aceitar os sentimentos dos seus pares. Contudo, há emoções muito complexas que as crianças pequenas têm dificuldade em compreender, como a vergonha ou o orgulho. Estas emoções dirigidas ao “eu” têm origem social, desenvolvendo-se a partir dos três anos, com a aquisição dos padrões de comportamento parentais. A partir de uma investigação, Harter (1996) observou que entre os três e os cinco anos, a criança percebe que os pais podem ficar felizes, tristes ou zangados com as suas ações. Entre os cinco e os seis anos já reconhece que estes podem ficar envergonhados ou orgulhosos, mas não reconhece essas emoções em si própria

Para além disso, como já foi referido anteriormente, a criança em idade pré -escolar não consegue reconhecer a existência de duas emoções em simultâneo. De acordo com Harter e Buddin (1987), a criança passa por cinco etapas até compreender a existência de emoções simultâneas, o que acontece por volta dos doze anos. No primeiro nível (três-quatro anos), a criança não reconhece dois sentimentos ao mesmo tempo. No nível seguinte (quatro-cinco anos), esta aceita que possam existir duas emoções em simultâneo, mas apenas se ambas foram positivas ou negativas e dirigidas à mesma pessoa ou situação. Na terceira etapa (cinco-seis anos), a criança já consegue aceitar a existência de alvos diferentes. Contudo, ambos os sentimentos têm que ser positivos ou negativos. No quarto nível (seis-dez anos), a criança reconhece a existência de duas emoções opostas mas apenas se dirigidas a alvos diferentes. Na última etapa (dez-doze anos), a criança consegue finalmente compreender a existência de sentimentos opostos face ao mesmo alvo. Noutro estudo desenvolvido por Brown e Dunn (1996), observou-se que as crianças, sobretudo do sexo feminino, adquirem esta capacidade até ao final no primeiro ciclo, ou seja, por volta dos dez anos.

Erikson (1902-1994) teve um papel muito importante na compreensão da forma como a criança lida com estes sentimentos contraditórios. Na sua teoria, este defendeu que o desenvolvimento da personalidade é fruto da interação de fatores genéticos com fatores ambientais e sociais e sucede ao longo de oito estágios, os quais assentam em fatores psicossociais. A criança no período pré-escolar encontra-se na terceira crise de desenvolvimento: iniciativa versus culpa, na qual a criança tem de lidar com emoções, muitas vezes contraditórias. Este conflito está relacionado com o planeamento e realização de tarefas e com as consequências que saí resultam. Enquanto algumas dessas ações são socialmente aceites, outras não são aprovadas. A criança tem que decidir entre a vontade de prosseguir com os seus desejos e planos, de experimentar novas situações e testar poderes e os condicionalismos sociais e morais que se opõem, criando um conflito na sua personalidade. Se esta crise for resolvida de forma positiva, a criança aprende a controlar a sua necessidade

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de explorar e testar novas coisas, a refletir e a adequar as suas ações, seguindo as suas motivações e objetivos sem receio do sentimento de culpa e de possíveis punições. Se a crise for mal resolvida, a criança poderá tornar-se num adulto que se exibe e está sempre em busca de notoriedade e aprovação; ou num adulto inseguro e sem iniciativa própria; ou até mesmo num adulto exigente e intolerante consigo mesmo.

Ao refletir acerca da formação do auto-conceito é importante também referir o desenvolvimento da autoestima. De acordo com Oñate (1989), a autoestima é resultado de uma avaliação de si próprio, da satisfação pessoal relativamente a si, ou seja, é um julgamento que um sujeito faz do seu próprio valor. Como já foi referido anteriormente, a criança nesta faixa etária tem tendência a sobrevalorizar as suas características e competências, de forma que a noção que tem de si mesma é pouco realista. A ideia que tem em relação à sua autoestima é muito global – “eu sou boa” ou “eu sou má” (Harter, 1996, 1998) e normalmente tem origem nos julgamentos e ações dos adultos. O apoio, o carinho, a disponibilidade e a atenção são grandes promotores de autoestima. Quanto a criança tem uma autoestima elevada fica motivada. Caso contrário, poderá entender o seu fracasso como sinónimo do seu valor, sentindo-se impotente e insegura (Papalia, Olds & Feldman, 2006). Muitas vezes desiste das atividades, ou nem as tenta realizar. Daí o papel fundamental do adulto em ter comportamentos favoráveis e em dar feedbacks positivos em vez de criticar e salientar os aspetos negativos da criança.

2.3 A Identidade de género

Outro aspeto muito importante ao longo desta fase de desenvolvimento psicossocial diz respeito à definição da identidade de género, a qual corresponde à consciência que o sujeito tem do seu género e tudo o que este implica. A compreensão das diferenças físicas, psicológicas e comportamentais e a aprendizagem dos papéis sexuais relacionados com o seu género têm um papel muito importante no desenvolvimento do auto-conceito da criança no período pré-escolar. Os papéis sexuais são constituídos pelo conjunto de comportamentos e atitudes, gestos, interesses e competências que a sociedade considera adequados a cada género (Papalia, Olds & Feldman, 2001). Todas as culturas têm definido diferentes papéis de género ao longo da história, sendo que atualmente, os papéis sexuais ocidentais se tem tornado mais diferenciados e flexíveis.

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Muitos são os estudos que têm observado que as diferenças entre géneros podem ser muito significativas. A maior diferença observada assenta no facto de os rapazes serem física e verbalmente mais agressivos que as raparigas (Coie & Dodge, 1998; Turner & Gervai, 1995). Por outro lado, estas parecem ser mais empáticas, cooperativas e obedientes do que os rapazes (Eisenberg, Fabes, Schaller & Miller, 1989; Hoffman, 1977; Maccoby, 1980, Turner & Gervai, 1995). Outra diferença prende-se com os tipos de brincadeiras e brinquedos escolhidos por ambos os géneros (Turner & Gervai, 1995). Os rapazes parecem ser melhores na análise mental de números e formas, enquanto as raparigas demonstram melhores capacidades verbais e de perceção (Halpern, 1997).

Muitas das diferenças entre géneros que pensamos existir são, de facto, resultado dos contextos culturais envolventes, mais propriamente, das experiências pelas quais as crianças passam e pelas expectativas criadas pela sociedade (Papalia, Olds & Feldman, 2006). Muitas sociedades estão repletas de estereótipos de género muito vincados, que podem determinar de uma forma negativa a personalidade da criança, criando uma visão limitada de si próprio e do mundo em redor em função do seu género. Os estereótipos podem ser observados em crianças logo a partir dos dois/três anos, aumentando durante o período pré-escolar (Haugh, Hoffman & Cowan, 1980; Ruble & Martin, 1998).

Desde cedo, as crianças adquirem um papel de género e algumas delas orientam--se por estereótipos. São várias as teorias que tentam explicar a forma como as crianças os adquirem. De acordo com a teoria psicossexual desenvolvida por Freud, esta aprendizagem é denominada de identificação e está ligada ao facto da criança pequena se identificar com o sujeito parental do mesmo sexo, adotando as suas crenças, valores, comportamentos e atitudes (Papalia, Olds & Feldman, 2006). Contudo, a investigação tem observado que a criança em idade pré-escolar se identifica mais com o progenitor do sexo oposto (Westen, 1998), de forma que a identificação pode não ser uma causa mas uma consequência da tipificação de género.

A teoria da aprendizagem social (Bandura, 1986; Bussey & Bandura, 1999) defende que esta aprendizagem, como a aprendizagem de muitos outros comportamentos, advém da observação e imitação de modelos. Estes são, geralmente, as figuras paternas, podendo ser também outros adultos, pares ou meios de comunicação. A aprendizagem é assegurada pelo reforço, juntamente com o ensino direto dos pais e outros adultos. Os rapazes são reforçados a comportarem-se com “um menino” e as raparigas como “uma menina”, ou seja, de acordo com os estereótipos associados aos diferentes géneros. Na segunda infância a criança começa a ter capacidade para controlar os seus comportamentos e ações, passando a assimilar os

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padrões comportamentais de género. Entre os três e os quatro anos, esta passar a ter menos necessidade do controlo do adulto, gerindo o seu comportamento com base na autorregulação. No que concerne às influências do meio, como foi referido anteriormente, o papel mais importante cabe aos progenitores. Vários estudos têm mostrado que os pais têm mais influência no reconhecimentos das diferenças de género no que na tipificação dos comportamentos em si (Fagot & Leinbach, 1995; Turner & Gervai, 1995). A investigação também tem observado que os pais exercem mais pressão nos rapazes do que nas raparigas para agirem de acordo com o socialmente aceite para o seu género, para não ter comportamentos femininos. Os rapazes sofrem mais influência quanto à escolha das brincadeiras, enquanto as raparigas têm mais liberdade de escolha (Lytton & Romney, 1991; Miedzian, 1991). Os pais mostram mais desconforto por um menino brincar com uma boneca do que por uma menina brincar com um carrinho. Quanto aos comportamentos, também se tem verificado que os pais aceitam a agressividade nos rapazes e promovem comportamentos afetuosos nas raparigas.

Os pares também constituem uma grande influência na identidade de género da criança, sobretudo a partir dos três anos. Mais uma vez, os rapazes parecem sofrer mais pressão do que as raparigas a agir de acordo com o socialmente esperado (Ruble & Martin, 1988). Aos quatro anos, as crianças têm consciência de como devem agir de forma a serem aprovadas pelos seus pares (Bussey & Bandura, 1992).

No que diz respeito às influências culturais, a televisão surge como principal agente socializador. Desta forma, muitas das atitudes e comportamentos que a criança assimila relativamente ao género são fruto das imensas imagens estereotipadas que a televisão transmite (Ruble & Martin, 1998). Uma criança que passa muito tempo a ver televisão torna-se mais tipificada relativamente ao género (Kimball, 1986). Outro elemento cultural que influência a definição da identidade de género é o livro, o qual transmite, tal como a televisão, imensas imagens estereotipadas. Atualmente é possível observar uma evolução na flexibilidade dos papéis de género e dos estereótipos, como é o caso dos livros retratarem meninos e meninas a brincar em conjunto, ou meninas mais aventureiras, que vestem calças ou calções. Contudo, as personagens masculinas continuam a ter maior predominância como os heróis que ajudam as personagens femininas (Beal, 1994; Evans, 1998). Ao ouvir um conto, é provável que as crianças estejam a espera de um conto de fadas padronizado, em que o príncipe salva a princesa, podendo ficar desiludidas se o mesmo não acontecer (Evans, 1998).

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Por outro lado, a teoria cognitiva de Kohlberg (1966) defende que a criança aprende o seu papel de género como aprende todas as outras coisas, através da sua reflexão sobre as experiências que vivencia. Ao compreender que o seu género será sempre o mesmo – constância de género - a criança faz a sua tipificação de género sozinha, identificando-se com o seu género e organizando, a partir daí, o seu comportamento em função dessa classificação. Porém, estudos têm mostrado que a criança já reconhece e demonstra preferências de género mesmo antes de obter totalmente a noção de constância de género (Bassey & Bandura, 1992). Aos três anos os meninos já demonstram mais interesse por carrinhos e as meninas por bonecas, e ambos escolhem crianças do seu género para brincar (Ruble & Martin, 1998). Posteriormente, ao adquirir conhecimentos mais complexos relativamente aos géneros, as crenças das crianças tornam-se mais flexíveis.

Sabendo que há padrões de género que são comuns em culturas muito distintas, é possível sugerir que algumas das diferenças de género têm origem biológica. Para além das características físicas que determinam o sexo de um indivíduo, a investigação tem mostrado que as hormonas afetam o cérebro, e consequentemente, as diferenças de género. A testosterona, hormona maioritariamente masculina, em conjunto com níveis baixos de serotonina (neurotransmissor) pode estar na base da agressividade, da competitividade e do domínio nos rapazes (Bernhardt, 1977). Já a prolactina, hormona feminina, aparece ligada aos comportamentos maternos dos indivíduos do sexo feminino. Sabe-se que a identidade de género é também em muito influenciada pelo meio. Contudo, há estudos que provam que esta está já demasiado gravada na estrutura cromossómica do sujeito e apesar das influências após o seu nascimento, dificilmente esta identidade é alterada. Por outro lado, aos cinco anos, o cérebro do sujeito atinge praticamente o tamanho adulto. O cérebro dos meninos pode ser até 10% maior do que o das meninas. Porém, estas têm uma maior densidade neural no córtex, bem como um corpo caloso (tecidos que unem os hemisférios direito e esquerdo) maior, o que sugere uma maior coordenação entre os dois hemisférios. Esta situação é justificativa do facto das meninas apresentarem, geralmente, uma maior capacidade verbal (Papalia, Olds & Feldman, 2006).

Em resultado das diferentes teorias que foram surgindo, atualmente é possível afirmar que o desenvolvimento da identidade de género é influenciado por características biológicas inerentes ao indivíduo, mas também pelo meio em que cresce, pelas figuras parentais, pelos pares e pela cultura em que está inserido.

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2.4 O Brincar

Durante o período pré-escolar, a aprendizagem infantil tem sobretudo por base o brincar. É a brincar que a criança aprende e se desenvolve. A brincadeira ocupa grande parte do dia-a-dia da criança, e sobretudo da rotina do jardim-de-infância e é através desta que a criança realiza as mais variadas aprendizagens, quer sozinha, quer em conjunto com os seus pares. O jogo é, portanto, um meio de desenvolvimento físico e de aprendizagens, não só cognitivas mas também sociais. Através do jogo a criança estimula os seus movimentos corporais e os seus sentidos, adquirindo um controlo cada vez mais do seu corpo e da sua motricidade. Em muitas das suas brincadeiras, a criança representa os mais diversos papéis sociais e reproduz situações da vida real. A criança vai reproduzindo o que observa e experimenta novos desafios, como forma de compreender o mundo em seu redor. Desde os mais simples jogos planificados até às brincadeiras mais espontâneas, a criança vai testando e assimilando as mais variadas regras sociais, bem como desenvolvendo a sua linguagem. De acordo com Papalia, Olds e Feldman (2001), existem diferentes tipos de jogo, os quais se dividem no jogo social, que engloba a interação da criança com os seus pares; e no jogo não social ou cognitivo, que está na base do desenvolvimento mental da criança.

No que diz respeito ao jogo social e ao jogo não social, a investigação tem verificado uma evolução no tempo, com a passagem de um para outro. Ao ingressar no jardim-de-infância, aos três anos, a criança tende a brincar sobretudo sozinha. Com o passar do tempo a acompanhar o seu desenvolvimento, começa a brincar junto de outras crianças, e finalmente, em conjunto com estas. As brincadeiras vão-se tornando, não só mais complexas mas cada vez mais sociais e cooperativas. Contudo, há crianças que preferem brincar sozinhas, o que não quer dizer que o seu desenvolvimento social seja precário. Este jogo mais solitário pode refletir sim uma maior independência e maturidade da criança, que opta por atividades por vezes mais complexos e que exijam mais concentração na resolução dos problemas, em vez das atividades de grupo. Em relação ao jogo não social ou cognitivo, este pode ser dividido em três estilos: o jogo de construção (construções com blocos, por exemplo), os jogos formais com regras (jogos organizados e com regras específicas, como a macaca, a apanhada ou os jogos coletivos), e o jogo dramático ou simbólico, muitas vezes denominado de faz-de-conta. A brincadeira de faz-de-conta assenta na capacidade que a criança tem em recordar e utilizar símbolos que observa na vida real. Tal como verificámos na evolução do jogo não social para o jogo social, o faz-de-conta também passa de solitário para um jogo socio dramático, no qual a criança interage com os seus pares na mesma brincadeira. A investigação de Singer e Singer

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(1990) mostrou que as crianças que mais utilizam o jogo dramático desenvolvem melhores competências sociais e de resolução de problemas, aumentam a sua criatividade e tendem a ser mais cooperativas, populares e alegres. Contudo, temos de ter em conta as influências da cultura envolvente. Enquanto determinadas sociedades ou grupos culturais promovem a resolução de problemas, a participação ativa nas próprias aprendizagens e a colaboração e partilha social, outras defendem a importância das competências académicas, fomentando a eficácia na realização das tarefas e uma aprendizagem passiva.

2.5 Educação e estilos parentais

A educação das crianças é um grande desafio para os pais. À medida que a criança cresce, vai formando a sua personalidade. Para tal, vai impondo as suas vontades, como forma de compreender quais os seus limites e quais os comportamentos mais adequados. Os pais têm a importante tarefa de tomar as decisões mais corretas relativamente à educação dos seus filhos, de definir os melhores métodos e práticas utilizadas para promover o autocontrolo, o carácter e os comportamentos corretos, ou seja, a disciplina.

Há autores que salientam a importância do reforço e da punição. Normalmente, os pais recorrem à punição como forma de travar um comportamento indesejável. Porém, muitas vezes não elogiam os comportamentos positivos. Com isto, estão a valorizar os comportamentos mais inadequados. A punição passa não só pelos castigos, mas também pela agressão, seja ela física ou verbal. A criança aprende muito por observação e imitação dos seus modelos. Se a agressão for uma situação normal ou recorrente, é provável que a criança desenvolva, mais facilmente, atitudes agressivas, como resposta normal e eficaz aos problemas que possam surgir. Por outro lado, a criança pode tornar-se passiva, impotente e amedrontada. A agressão pode não ser a forma mais eficaz de contornar problemas comportamentais. Como tem mostrado a investigação, os resultados são mais positivos se os pais recorrerem ao reforço, podendo este ser positivo ou negativo. Os reforços podem ser materiais (prendas) ou físicos (carinho ou elogio).

A investigação tem também identificado como formas de disciplina a afirmação do poder, a retirada de afeto e a indução. A primeira diz respeito a uma educação mais autoritária, na qual os pais têm uma postura ríspida e recorrem a exigências e ameaças, a castigos e à agressão como prevenção ou resposta a comportamentos inadequados. A retirada de afeto passa pelos pais ignorarem a criança ou até mesmo mostrar aversão face a si. Esta

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forma de disciplina pode ter consequências psicológicas muito graves para a criança, que se pode sentir abandonada ou deixar de se sentir amada pelos seus pais. Já a indução é utilizada como forma de promover comportamentos mais adequados e como tal os pais impõem limites ou explicam as possíveis consequências dos atos da criança. Esta parece ser a forma mais equilibrada de fomentar a disciplina.

Diana Baumrind (1971, 1996) debruçou-se sobre este tema, tendo identificado três estilos parentais: os autoritários, os permissivos e os democráticos. Os pais autoritários tendem a modelar e controlar os comportamentos das crianças de acordo com um padrão educacional muito rígido. Valorizam o respeito e a obediência e têm tendência para recorrer à punição, em vez da explicação. A criança deve aceitar a palavra dos seus pais como a certa, sem a questionar. São pouco afetuosos e pouco disponíveis. As crianças são tão controladas que têm receio de tomar decisões de forma independente. Tendem a ser inseguras, ansiosas, tristes e desconfiadas. As raparigas podem tornar-se pouco persistentes e os rapazes agressivos. Normalmente têm um bom percurso escolar. No que diz respeito aos pais permissivos, estes tendem a colocar a criança no centro de toda a educação e das decisões. Raramente recorrem à punição e aceitam facilmente os impulsos e desejos das crianças. Permitem que seja ela a organizar o mais possível as suas tarefas e atividades e consultam-na ao tomar decisões. São pouco exigentes nada controladores. Utilizam a explicação quando tentam impor regras. Vêm-se como recursos e não como modelos. Valorizam a sua autoexpressão e autorregulação. São muito afetuosos. A criança recebe muito pouca orientação, de forma que se torna, muito imatura, insegura e ansiosa, sobretudo na altura de tomar decisões de forma independente. Revelam pouco autocontrolo e pouca iniciativa. Quando a sua vontade é contrariada, tendem a desafiar. Tornam-se pouco persistentes face a problemas. No que concerne aos pais democráticos, estes são os que apresentam um estilo parental mais equilibrado e respeitador, visto que os pais delimitam padrões e expectativas realistas. Estes valorizam a individualidade da criança, os seus interesses, decisões e carácter, mas nunca pondo de lado o seu papel. Tendem a orientar as atividades das crianças, de forma racional. São afetuosos, exigentes e consistentes. Valorizam os comportamentos corretos mas não deixam de punir os comportamentos desadequados, se necessário. Recorrem ao reforço para alcançar os padrões que defendem. Impõem as suas opiniões como adultos, sem deixar de reconhecer as opiniões da criança. Usam a explicação como base das suas regras e decisões e encorajam o diálogo. Valorizam a autonomia e as capacidades da criança. Tendem a definir padrões para futuras condutas. A criança tende a ser alegre, segura, autoconfiante, autoassertiva, autocontrolada e exploradora. Devido ao apoio que sente por parte dos pais, a

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criança sabe quando está a agir da forma mais correta e de acordo com as expectativas destes, sentindo o seu valor por alcançar o sucesso. Desenvolve facilmente competências sociais.

Como foi possível observar, a principal causa do conflito entre pais e filhos assenta no nível de liberdade que os primeiros conferem aos segundos. Enquanto alguns pais acreditam que os filhos devem ser educados de forma mais controlada, outros defendem que lhes deve ser dada toda a liberdade para aprenderem como e quando querem, e outros ainda entendem que devem fomentar a autonomia dos seus filhos. Como referem Nucci e Smetana (1996), uma educação que assente na autonomia com limites promove um desenvolvimento equilibrado. Deve ser dado às crianças o poder de decisão em determinadas situações, como a escolha de alimentos, da roupa e da realização de tarefas. O limite na área de negociação varia em função da cultura e de fatores níveis socioeconómicos. Apesar dos pais democráticos tentarem criar um clima de negociação equilibrado, é normal que com o desenvolvimento da criança vão surgindo conflitos quando a essas negociações e decisões. No caso de situações mais complexas, sobre as quais as crianças já pretendem ter poder decisão mas que os pais ainda pretendem controlar, Grusec e Goodnow (1994) referem que a melhor forma de evitar conflitos é explicar-lhes e ajudá-las a compreender que a opinião dos pais como é a mais correta e adequada, promovendo a autodisciplina. Para tal, os pais também devem ser justos e verdadeiros, tanto aos comportamentos adequados das crianças, como aos mais incorretos. A internalização não deve passar apenas pela assimilação das respostas e comportamentos mais adequados, mas também por aquisição de outras competências como a capacidade de negociação por parte da criança. Os se espera que uma criança cresça como uma cópia dos pais, mas que após aprender e assimilar os valores fundamentais, seja livre e autónomo para decidir o que é mais adequado para si. Os conflitos que surgem não são apenas maus momentos, mas sobretudo momentos de aprendizagem para a criança. Ao deparar-se com o conflito, irá aprender a comunicar as suas opiniões e a argumentar, a aceitar outras opiniões; irá assimilar regras e competências sociais. Contudo, estudos mostraram que, a longo prazo, o tipo de relação afetiva acabou por influenciar mais os comportamentos dos sujeitos do que os objetivos parentais com os quais tinham sido educados (McClelland, Constantian, Regalado & Stone, 1978; Sears, Maccoby & Levin, 1957). As crianças que cresceram com mais afeto, autonomia e confiança tornaram-se indivíduos mais tolerantes e compreensivos do que as crianças oriundas de famílias mais afetivas ou conflituosas.

No período pré-escolar, os pais não se preocupam apenas com a transmissão dos valores e regras sociais e dos comportamentos mais adequados. O altruísmo, a agressividade e os medos são três aspetos que surgem nesta faixa etária e que constituem uma grande

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preocupação para os pais. Entende-se por altruísmo ou comportamento pró-social a capacidade de agir com base no interesse ou dedicação por outro sujeito, sem esperar por uma recompensa. O altruísmo surge, em muitos casos, antes dos dois anos de idade. A criança desde cedo que ajuda e partilha com outras crianças. De acordo com a teoria ecológica do desenvolvimento de Bronfenbrenner (1986, 1994), a origem destes comportamentos é inata à criança, sendo também influenciada por fatores sociais. Já Zahn-Waxler, Radke-Yarrow, Wagner e Chapman (1992) defendem que o altruísmo se começa a desenvolver quando a criança começa a ser capaz de se colocar no lugar do outro e a imaginar os sentimentos deste. Desta forma, já consegue raciocinar de forma mais complexa, bem como assumir outros papéis. Apesar de inato, a família tem um papel importante no seu desenvolvimento, como modelo. As crianças que revelam comportamentos pró-sociais no período pré-escolar provêm normalmente de ambientes familiares seguros com pais apoiantes, cooperantes, afetuosos e também eles altruístas. (Kestenbaum, Farber & Soufre, 1989; Soufre, 1983). São pais que promovem a cooperação, a empatia, a partilha, a generosidade e a entreajuda, com base em métodos disciplinares indutivos. Quando a criança se comporta de forma desadequada com outra pessoa, o pai deve questioná-la em relação a como esta se sentiria ao colocar-se no papel dessa outra pessoa, explicando-lhe porque está errada de forma prática e direta. Da mesma forma, os educadores e professores também são modelos de altruísmo. Em muitas culturas, a educação moral e para os valores faz mesmo parte do currículo.

Outra grande preocupação dos pais diz respeito aos medos tão comuns nesta fase de desenvolvimento, o medo dos animais, do escuro, ou até dos médicos, etc. Estes medos têm origem, sobretudo, na incapacidade que a criança tem em distinguir a realidade da imaginação. Deste modo, as crianças mais pequenas têm mais medo de coisas irreais ou que não as podem magoar, como monstros, do que de coisas que as podem fazer mal na realidade, como uma explosão (Cantor, 1994). Os medos também podem refletir receios mais reais. A criança, com medo de perder um familiar doente, pode transportar esta história para uma outra história semelhante em desenhos animados ou no mundo animal. Há ainda o caso da criança que vivencia um acontecimento assustador, como um rapto ou um acidente, e que tem medo que este volte a acontecer. Os pais tentam evitar estes medos ao criarem um clima de confiança e segurança, que por vezes se pode tornar super-protector. Para ultrapassar o medo, os pais devem ajudar a criança a encarar a sua origem de forma calma e gradual, sem pressão. O mais importante é não ridicularizar ou forçar a criança a encarar o medo.

O outro fator que causa uma grande preocupação nos pais diz respeito à agressividade, a qual, de acordo com Papalia, Olds e Feldman (2001) pode ser instrumental ou hostil. A

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primeira diz respeito a comportamentos agressivos usados como forma de atingir um objetivo. Por exemplo, quando uma criança tira um brinquedo a outra criança, não para magoar mas apenas porque quer ter esse brinquedo. Este é o tipo de agressão mais comum no jardim-de-infância. Os principais conflitos têm por base a posse de brinquedos ou o controlo de um espaço. A criança que mais luta desta forma não é necessariamente a mais agressiva ou má, mas sim a que está a procurar desenvolver mais competências sociais. Com o desenvolvimento da linguagem, a criança vai deixando de mostrar tanto a sua agressividade instrumental de forma física. Ainda assim, estudos mostraram que as diferenças individuais têm tendência a manter-se, sobretudo nos rapazes. As crianças que são mais agressivas aos dois anos tendem a ser também as mais agressivas aos cinco anos (Cummings, Iannotti & Zahn-Waxler, 1989). Ao entrar para o primeiro ciclo, a criança tem tendência a tornar-se menos agressiva e mais cooperante e empática. Por outro lado, existe a agressão hostil, que se define por ter a intenção de magoar ou prejudicar o outro sujeito. No geral, este tipo de agressão também é mais frequente no período pré-escolar do que posteriormente. Contudo, existem os casos das crianças que ao não desenvolver corretamente a autorregulação ou ao serem sujeitos extremamente emocionais, acabam por ser tornar indivíduos cada vez mais agressivos (Eisenberg, Fabes, Nyman, Bernzweig & Pinuelas, 1994). A testosterona, hormona masculina, está muitas vezes na base da explicação da razão pela qual os sujeitos do sexo masculino são mais agressivos. Outros estudos e teorias indicam os comportamentos parentais mais agressivos como origem da agressividade na criança (Patterson, DeBaryshe & Ramsey, 1989). Em muitos casos de agressividade na infância, as crianças crescem em ambientes severos e punitivos, sem reforço dos comportamentos adequados. Ao conviver com a violência no seu quotidiano, a criança assimila-a como uma forma eficiente de resolver problemas, visto que os seus pais são modelos educativos. Ao mesmo tempo, a dor, a humilhação e a frustração que a agressão provoca na criança podem também incentivá-la à violência. Bandura mostrou nos seus estudos que as crianças que observam ou experienciam atos violentos tendem a ter comportamentos mais violentos do que as crianças que não passam por essas situações (Bandura, Ross & Ross, 1961). Estes estudos insinuaram que enquanto um modelo agressivo incita à violência, um modelo não agressivo pode ser moderador da frustração. Em situações em que os pais também não têm uma relação próxima e afetiva com os filhos pode ser sinónimo de falta de modelos, pelo que as crianças têm que os procurar noutros locais. Tal situação pode acontecer no jardim-de-infância, onde as crianças podem tentar modelar os seus comportamentos ao de outras crianças, por vezes também elas mais agressivas. A agressividade infantil também pode ser incentivada pela violência que uma

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criança pode observar na sua vida real, no contexto social em que vive. Crianças em período pré-escolar que vivenciem situações violentas ou tumultuosas têm mais tendência para reproduzir cenas violentas do que crianças de outros contextos sociais (Farver & Frosch, 1996).

Outro meio com o qual as crianças estão constantemente em contacto e onde procuram frequentemente modelos é a televisão. As crianças passam em média três horas diárias a ver televisão (Farver & Frosh, 1996). Os estudos levados a cabo nos Estados Unidos da América pelo NIMH (Instituto Nacional de Saúde Mental) têm revelado que as crianças que estão em contacto com a violência televisiva agem de forma mais agressiva, independentemente do contexto social, do nível socioeconómico, do género da criança e da sua saúde mental. Outros estudos têm ainda mostrado que as crianças que mais vêm violência na televisão também tendem a ser mais agredidas. O comportamento da criança também é influenciado pela cultura em geral. Uma equipa de investigação mostrou que as crianças americanas são mais violentas que as crianças japonesas (Zahn-Waxler, Friedman, Cole, Mizuta & Hiruma, 1996). No Japão, a agressividade é encarada como uma impossibilidade à harmonia. As mães japonesas utilizam mais estratégias como a indução da culpa ou o desapontamento com os atos das crianças.

2.6 Relação com os pares

Os pais são os principais modelos educativos da criança. Contudo, esta também vai aprender com os seus pares. No caso de uma criança ter irmãos com uma idade próxima, é com estes que desenvolve as primeiras relações entre pares. São estas relações que constituirão uma base para as suas relações futuras. É então que se formam as primeiras relações de afeto, companheirismo e empatia. No caso de irmãos com diferença de idades até quatro anos, as crianças mais novas tendem a imitar os comportamentos dos irmãos mais velhos, tanto os amigáveis como os menos amigáveis (Abramovitch, Corter, Pepler & Stanhope, 1986; Abramovitch, Pepler & Corter, 1982). Aos cinco anos, as crianças mais velhas tendem a deixar de agir com os irmãos mais novos de forma física, passando a relacionar-se sobretudo de forma verbal. Da mesma forma, os irmãos mais novos imitam estes comportamentos. No caso de irmãos com pouca diferença de idades, é comum a prevalência de comportamentos altruístas, face a situações de rivalidade e agressividade (Abramovitch, Corter, Pepler & Stanhope, 1986). Contudo, estes conflitos e disputas são muito frequentes

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nesta faixa etária e dizem respeito, sobretudo, a guerras de posse de brinquedos ou de espaços físicos. Estes momentos são grandes oportunidades de aprendizagem, nos quais a criança começa a tentar gerir as suas opiniões e vontades com as dos outros e com as regras sociais e morais adequadas. É desta forma que os pais devem encarar estes conflitos. Estudos mostraram a forma como as crianças encaram a partilha dos brinquedos. Já com dois anos de idade, a criança aceita que o direito de posse do dono prevalece sobre outro individuo que tenha o brinquedo; e nos casos em que o brinquedo pertence a ambas ou várias crianças, o direito é de quem está a utilizar o brinquedo no momento (Ross, 1996). No que concerne às situações em que estes conflitos originam comportamentos mais agressivos, a criança com quatro anos já consegue refletir sobre a intenção do ato, valorizando o consentimento (afirma que a outra criança disse para esta agir desta forma), a necessidade (a criança afirma que agiu para evitar outra situação), ou a restituição (a criança defende-se por já ter pedido desculpa) (Martin & Ross, 1996).

No que diz respeito à criança que não tem irmãos, esta é muitas vezes encarada como mimada, egoísta ou solitária. Contudo, de acordo com a investigação, a criança que é filha única tende a mostrar resultados superiores a outras crianças com irmãos, do que toca à escola ou à futura profissão. Esta criança tem também tendência a ser mais madura e a ter níveis superiores de autoestima e motivação. A nível das relações sociais, a investigação não mostra grandes diferenças das crianças filhas únicas para as outras.

Com a entrada no jardim-de-infância, as relações entre pares alargam-se às outras crianças do contexto escolar. Até aos três anos, a criança brinca sobretudo sozinha, mesmo que partilhe o espaço com outra criança. A partir desta idade, já começa a desenvolver brincadeiras em conjunto com outras crianças. É nesta fase que a criança começa a fazer amigos, sobretudo do mesmo sexo. Neste caso, podemos até falar de género, visto que a criança começa a classificar os brinquedos e comportamentos como sendo “de raparigas” e “de rapazes” e daí surgem a comunhão de interesses entre crianças do mesmo sexo. No geral, as crianças do mesmo sexo tendem a brincar de forma semelhante, não se interessando pelos hábitos do sexo oposto (Serbin, Moller, Gulko, Powlishta & Colbourne, 1994). Os rapazes mostram tendência para brincadeiras mais ativas e ruidosas, em espaços mais amplos, enquanto as raparigas optam mais frequentemente por brincadeiras mais calmas e com mais regras, em grupos mais pequenos (Benenson, 1993; Macoby, 1980).

Contudo, a escolha dos amigos não se limita ao critério sexual ou de género. As crianças optam por brincar sobretudo com crianças com que tiveram experiências anteriores positivas (Snyder, West, Stockemer, Gibbons & Almquist-Parks, 1996). Numa investigação,

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crianças com idades entre os quatro e os sete anos mostraram preferência em critérios como: fazer coisas em conjunto, gostar do outro, partilhar e ajudar o outro (Furman & Bierman, 1983). As crianças tendem a preferir outras crianças que brinquem apenas consigo (Ladd, Kochenderfer & Coleman, 1996) ou que se mostrem altruístas para consigo (Hart, DeWolf, Wozniakk & Burts, 1992). As crianças mais populares são, normalmente, as que revelam melhores competências sociais, respondendo aos conflitos que surgem de forma prática e ativa e evitando impulsos e ameaças (Eisenberg, Fabes, Nyman, Bernzweig & Pinuelas, 1994; Fabes & Eisenberg, 1992). Ainda assim, revelam comportamentos diferentes quando lidam com crianças de quem gostam e de quem não gostam.

As relações entre pares são fundamentais para o desenvolvimento da criança. Aprendem a criar e manter amizades, a ser altruístas, a resolver conflitos, desenvolvem a capacidade de se colocar no lugar do outro e exploram os papéis de género. Nestas relações, a criança entra em contacto com muitos outros modelos de educação, bem como diferentes normas e valores. É na interação com os outros que a criança também desenvolve as suas competências linguísticas e de diálogo. As crianças que têm um maior grupo de amigos tendem a gostar mais da escola (Ladd & Hart, 1992). A relação entre os irmãos e os amigos influencia-se mutuamente no desenvolvimento psicossocial da criança. Se esta tiver relações mais agressivas com os seus irmãos, pode ter tendência para transportar estes comportamentos para os seus companheiros. Pelo contrário, uma criança que normalmente é controlada por um irmão pode ter um papel mais dominador com os seus pares no contexto escolar (Abramovitch, Corter, Pepler & Stanhope, 1986). No caso dos irmãos mais velhos, as amizades que desenvolve no jardim-de-infância podem ajudá-la a preparar-se para a chegada do irmão mais novo. Os estilos parentais também influenciam o desenvolvimento das relações entre pares. A criança proveniente de um clima democrático e afetuoso tende a ser mais popular, assertiva e altruísta e menos agressiva. A criança com pais autoritários tem tendência a ser mais agressiva e coerciva (Crockenberg & Lourie, 1996). As crianças provenientes de ambientes mais agressivos têm também tendência a ser mais agressivas e a evitar o contacto com os seus pares.

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CAPÍTULO 3

AUTORREGULAÇÃO

O terceiro capítulo centra-se na definição do conceito de autorregulação, na forma como esta se desenvolve e a sua relação com motivação, com o controlo emocional e comportamental, com o comportamento pró-social. Cada um destes tópicos é abordado a nível geral e posteriormente, a nível da idade pré-escolar. Neste capítulo refere-se também como a autorregulação pode ser promovida e avaliada.

3.1 Autorregulação: definição do conceito

A autorregulação define-se pelo conjunto de processos mentais que exercem controlo sobre o sujeito, sobre as suas funções, comportamentos, pensamentos, emoções, impulsos e desejos. É o mecanismo que regula o self, tendo em vista os padrões e regras aceites pela sociedade (Baumeister & Vohs, 2004). De uma forma geral, é a autorregulação que transforma o Homem num ser civilizado. O ser humano tem necessidade de agir de forma planeada e controlada com vista a atingir objetivos pessoais (Boekaerts, Pintrich & Zeidner, 2000). Temos como exemplo de processos de autorregulação a capacidade de controlar impulsos e respostas automáticas ou o adiantamento da gratificação (saber aguardar por uma recompensa). De acordo com a perspetiva sociocognitiva, o conceito de autorregulação abrange a interação de processos pessoais, comportamentais e ambientais (Bandura, 1986). Os processos pessoais dizem respeito à monitorização e ao ajustamento cognitivo e afetivo. Por outro lado, autorregulação comportamental refere-se à auto-observação e avaliação e às ações estrategicamente ajustadas e controladas. Já a autorregulação ambiental envolve observações e ajustamentos de fatores ambientais (Boekaerts, Pintrich & Zeidner, 2000). Segundo esta teoria, a autorregulação é, então, considerada um processo cíclico, visto que as suas consequências influenciam posteriores ajustes no comportamento do sujeito. Estes ajustes são necessários porque tanto os fatores pessoais e comportamentais como os fatores ambientais estão em constante mudança durante o processo de desenvolvimento do sujeito (Boekaerts, Pintrich & Zeidner, 2000). A autorregulação constitui, portanto, um processo que inclui

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Tabela 1. Sujeitos da amostra em função do género
Gráfico 1. Sujeitos da amostra em função da idade (frequência)
Gráfico 3.
Tabela 3: Análise fatorial da escala ECA
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