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DISCUSSÃO DOS RESULTADOS E CONCLUSÕES

7.1 Discussão dos resultados

De seguida, discute-se a distribuição dos alunos pelos itens de autorregulação de acordo com a escala “Teacher ratings of behavioral self-regulation in preschool children” (ECA), em função da frequência dos comportamentos e do género e da idade das crianças. Discute-se ainda a validade externa e interna da adaptação portuguesa da referida escala.

7.1.1 Distribuição das crianças pela frequência de comportamentos de autorregulação

Para dar responda à primeira questão de estudo (Q1: Como se distribuem as crianças pela frequência de comportamentos de autorregulação?) de acordo com as perceções dos educadores de infância, concluiu-se que a grande maioria das crianças pertencentes à amostra já apresenta elevados níveis de autorregulação. A análise indicou que, em todos os itens presentes na escala, a frequência de crianças é sempre superior em comportamentos de autorregulação alta. A frequência de crianças é maior nos itens relativos às relações sociais com os pares, à realização de tarefas e manipulação de objetos e ao respeito e cumprimento das regras da sala. Tal situação poderá ser explicada pelas aprendizagens que as crianças fazem no jardim-de-infância. É objetivo da educação pré-escolar a promoção do “desenvolvimento pessoal e social da criança com base em experiências da vida democrática numa perspetiva de educação para a cidadania […da] inserção da criança em grupos sociais

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diversos […do] desenvolvimento global da criança no respeito pelas suas características individuais, incutindo comportamentos que favoreçam aprendizagens significativas e diferenciadas (…)” (Silva, 1997, p.15). Neste contexto, as interações com os pares tornam-se gradualmente mais complexas, devido a uma comunicação e coordenação cada vez maiores, à partilha de afetos cada vez mais forte e ao desenvolvimento de brincadeiras cada vez mais complexas (Ramani, Brownell & Campbell, 2010). Relativamente à realização de tarefas, estas devem assentar numa pedagogia estruturada, que se baseia numa planificação intencional e sistemática das atividades significativas e diversificadas, por parte do educador. Esta pedagogia deve articular diferentes conteúdos, promover o desenvolvimento da curiosidade e do espírito crítico das crianças e respeitar os seus interesses e necessidades (Silva, 1997). Desta forma, as crianças têm a oportunidade de explorar o contexto educativo, ou seja, espaços e materiais, criando interações diversificadas que dão origem às suas aprendizagens, pelo que se envolvem cada vez mais nas experiências e atividades de forma positiva e ativa. No que toca às regras da vida em grupo, estas devem ser claramente explicadas às crianças, para que estas as compreendam e para que as possam respeitar. Para terem mais sentido, é importante que o educador defina, não apenas as regras como as tarefas necessárias à vida coletiva em conjunto com as crianças (Silva, 1997). Estes objetivos principais da educação pré-escolar podem explicar os resultados verificados na distribuição da frequência das crianças pelos itens da escala utilizada na presente investigação.

Surgiram, porém, três itens que indicaram uma maior frequência de crianças com autorregulação baixa. Contudo, assumiu-se que não fosse esta a situação, visto que estes três itens coincidem com os três itens inversos presentes na escala, mais precisamente, com itens que dizem respeito a comportamentos desregulados. Ao apresentarem valores elevados de “autorregulação baixa”, indicam que, de acordo com as perceções dos educadores, a maioria das crianças não costuma ter este tipo de comportamentos. Portanto, não se pode observar nenhuma situação real de baixa autorregulação.

Estes resultados estão de acordo com o que a investigação científica tem vindo a mostrar, ou seja, que a criança em idade pré-escolar já apresenta comportamentos com um elevado nível de autorregulação (Boyer, 2009; Brazelton & Sparrow, 2009; Kannass, Oakes & Shaddy, 2006; Bronson, 2000; Kopp & Neufeld, 2003; Kopp, 1982). Os resultados também são semelhantes aos das investigações que estiveram na base da presente investigação (Olson & Kashiwagi, 2000; Kashiwagi, 1988), visto que as crianças de idade pré-escolar dos três contextos – Japão, Estados Unidos da América e Portugal – apresentaram elevados níveis de autorregulação.

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7.1.2 Análise diferencial

Género

Para responder à segunda questão de estudo (Q2: Será que a autorregulação varia consoante o género da criança?) foi possível concluir que, segundo as perceções dos educadores, as diferenças entre rapazes e raparigas não são significativas na maioria nos comportamentos de autorregulação. As exceções surgem apenas em oito dos itens da escala, sendo que, nestes casos, são as raparigas que apresentam os valores médios de autorregulação mais elevados.

Porém, estes resultados não foram de encontro ao que era esperado, e da mesma forma, não estão de acordo com o que tem sido observado em investigações anteriores, as quais têm concluído que a autorregulação é superior em crianças do género feminino do que em crianças do género masculino (Best, 2010; Broidy et al., 2003; Fabes et al., 1999; Zahn- Waxler, Schmitz, Fulker, Robinson & Emde, 1996). No que concerne às investigações de Olson e Kashiwagi (Olson & Kashiwagi, 2000; Kashiwagi, 1988), as quais estiveram na base deste estudo, os resultados também não foram semelhantes. Estes investigadores observaram que, tanto no Japão como nos Estados Unidos da América, as raparigas entre os três e os seis anos manifestam níveis de autorregulação significativamente mais elevados do que crianças do género masculino. Estas diferenças poderão ser justificadas pela forma como os pais ou os educadores vêm, lidam e educam as crianças dos dois géneros. A explicação poderá assentar nas diferenças culturais que influenciam os estilos parentais e educativos nos diferentes países, ou possivelmente devido ao facto de as diferenças entre géneros e os estereótipos associados estarem a diluir-se, visto que estas diferenças resultam dos contextos culturais envolventes, mais propriamente, das experiências pelas quais as crianças passam e pelas expectativas criadas pela sociedade (Papalia, Olds & Feldman, 2006).

Idade

Ao responder à questão de estudo número três (Q3: Será que a autorregulação varia consoante a idade da criança?) concluiu-se, com base nas perceções dos educadores, que os dois grupos de idades apresentam diferenças muito significativas para a maioria dos comportamentos de autorregulação avaliados na escala. A média de valores de autorregulação

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é mais elevada entre os cinco e os sete anos do que entre os três e os quatro anos de idade, o que revela que os comportamentos de autorregulação são superiores entre os cinco e os sete anos de idade. Estes resultados foram visíveis em quase todos os itens da escala, exceto em três, os quais correspondem aos três itens invertidos presentes nesta escala e dizem respeito a comportamentos negativos e desregulados. A partir dos níveis de significância presentes da tabela foi possível averiguar que as diferenças de autorregulação entre idades foram muito significativas em quase todos os casos, sendo superiores nas crianças mais velhas.

Estes resultados vão ao encontro do que tem sido observado pela investigação (Kagan, 2010; Eisenberg, Spinrad & Eggrum, 2010; Boekaerts, 1997; Kannass, Oakes & Shaddy, 2006; Posner & Rothbart, 1998; Jones, Rothbart & Posner, 2003; Kochanska, Murray & Harlan, 2000; Diamond & Taylor, 1996; Diamond, Prevor, Callender & Druin, 1997; Gerstadt, Hong & Diamond, 1994; Carlson, 2005; Boyer, 2009). Os resultados da presente investigação também estão de acordo com os resultados dos estudos que estiveram na base da presente investigação (Olson & Kashiwagi, 2000; Kashiwagi, 1988). Tal como sucedeu anteriormente no Japão e nos Estados Unidos da América, foi possível observar que autorregulação nas crianças portuguesas também aumenta significativamente entre os três e os seis/sete anos, sendo que nesta última fase, as crianças manifestam melhores capacidades de auto assertividade e de participação. Estas diferenças justificam-se pelo facto de o desenvolvimento da autorregulação ser um processo progressivo, que acompanha o desenvolvimento global do sujeito ao longo da sua vida.

7.1.3 Análise correlacional

Ao procurar dar resposta à questão número quatro (Q4: Há relação entre os comportamentos de autorregulação e a agressão entre pares?), foi possível observar correlações entre a autorregulação e a agressividade entre pares, no sentido esperado. As correlações apresentam-se negativas e estatisticamente significativas, embora não muito elevadas, na maioria dos itens. Desta forma, foi possível observar que quanto maior é o nível de autorregulação das crianças, menos são os casos de agressividade entre pares. Estas conclusões estão de acordo com o que tem sido verificado pela investigação nesta área (Olson, Lopez-Duran, Lunkenheimer, Chang, & Sameroff, 2011; Eisenberg, Spinrad & Eggrum, 2010; Olson, Sameroff, Kerr, Lopez, & Wellman, 2005; Olson, Sameroff,

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Lunkenheimer, & Kerr, 2009; Rothbart & Bates, 2006; Ramani, Brownell & Campbell, 2010).

7.2 Conclusões

A presente investigação estudou as perceções dos educadores de infância relativamente aos comportamentos de autorregulação de crianças portuguesas em idade pré- escolar. A partir daí pretendia-se averiguar a relação destes comportamentos com a idade e o género das crianças, bem como a existência de possíveis correlações com comportamentos de agressão entre pares. Foi possível concluir que a maioria das crianças entre os três e os sete anos já manifestam elevados níveis de regulação, sobretudo em situações relativas as relações sociais com os pares, à realização de tarefas e manipulação de objetos e ao respeito e cumprimento das regras da sala. No que diz respeito à influência do género das crianças na frequência dos comportamentos de autorregulação, os resultados foram relativamente mais elevados nas raparigas. Contudo, essas diferenças não se revelaram significativas. Quanto à influência da idade no desenvolvimento dos comportamentos de autorregulação, concluiu-se que a sua frequência é mais elevada nas crianças entre os cinco e os sete anos do que entre os três e os quatro anos de idade. Estas diferenças revelaram-se muito significativas. Em relação ao estudo de correlações entre a frequência dos comportamentos de autorregulação e a frequência de situações de agressividade entre pares, observou-se que estas correlações são negativas e estatisticamente significativas, embora não muito elevadas. Foi então possível concluir que quanto maior é o nível de autorregulação das crianças, menor é a frequência da agressividade entre pares.

Outro objetivo deste estudo assentava na tentativa de adaptar a escala “Teacher ratings of behavioral self-regulation in preschool children” (ECA) (Kashiwagi, 1988; Olson e Kashiwagi, 2000), criada originalmente no Japão e já adaptada para o contexto norte- americano, para o contexto português. Tal como nos dois casos anteriores, verificou-se que as duas dimensões centrais do questionário – auto inibição e auto assertividade – foram bem replicadas. A escala apresentou boas qualidades psicométricas, quer a nível de consistência interna quer a nível de validade externa, verificando-se desta forma a confiabilidade e validade do Questionário Kashiwagi na sua aplicação numa população pré-escolar em contexto português. A partir destes resultados foi possível comparar as competências de autorregulação de crianças provenientes de três países diferentes, o que mostrou claras

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evidências de transversalidade cultural e provou que é possível avaliar estas competências tanto em contextos orientais como em contextos ocidentais, mais ou menos desenvolvidos, a partir do mesmo instrumento de recolha de dados.

A nível da aplicabilidade da escala, a verificação da consistência externa e interna da versão da escala apresentada mostrou que esta pode ser útil na investigação científica na área da educação e do desenvolvimento infantil. Tendo em conta estas duas dimensões que derivaram da análise fatorial realizada, será também possível realizar avaliações destas dimensões isoladamente. A versão portuguesa da escala poderá ser importante não apenas a nível da investigação científica na área da educação e da psicologia do desenvolvimento, mas também pode ser um recurso muito útil para os educadores avaliarem os comportamentos de autorregulação das crianças nas suas salas, ou como forma de despiste de possíveis problemas de comportamento ou de desenvolvimento pessoal e social.

Estas competências pessoais e sociais desenvolvidas nesta fase têm uma grande importância para o desenvolvimento equilibrado do sujeito (Eckerman & Peterman, 2001) e por este motivo, é importante que se compreenda como estas se desenvolvem, para que se possa desenvolver uma prática pedagógica mais adequada, quer a nível familiar, quer a nível do jardim-de-infância. Desta forma, tanto os pais como os educadores poderão ter mais consciência da importância da promoção das competências de autorregulação, como da necessidade de criar estratégias para resolver as questões da agressividade entre pares. Esta seria também uma forma de diminuir a incidência dos casos de violência e bullying em idades mais avançadas, situação esta que se tem vindo a agravar não só em Portugal como em todo o contexto ocidental.