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Autorregulação: o seu desenvolvimento segundo diversas perspetivas

No que diz respeito ao desenvolvimento da autorregulação, são diversas as perspetivas existentes. Boekaerts, Pintrich e Zeidner (2009) centram-se na perspetiva sociocognitiva, segundo a qual a autorregulação se desenvolve ao longo de quatro fases (Schunk & Zimmerman, 1997). Na primeira fase, denominada “nível de observação”, o sujeito assimila as mais variadas capacidades e estratégias de autorregulação a partir da observação dos seus modelos mais experientes. O sujeito assimila também padrões de comportamento, orientações para a motivação e valores, os quais poderá utilizar durante o seu processo de desenvolvimento. Segue-se o “nível da competitividade”, no qual o sujeito age, tentado competir com o comportamento padrão, ou seja, o seu comportamento não se assemelha exatamente ao do seu modelo (Rosenthal, Zimmerman & Durning, 1970). Para que sujeito aprenda a estratégia ou comportamento correto, é necessário que o seu modelo adote uma posição de promotor, apoiando, orientado e reforçando as suas ações. Estes reforços serão essências para promover também a motivação do sujeito a agir da forma mais adequada. Para que este conquiste as estratégias e capacidades corretas, terá que passar a uma fase de prática ponderada. Este atinge então o “nível autocontrolado” quando domina estas capacidades sem estar na presença de um modelo, baseando os seus comportamentos na representação dos padrões que já assimilou. Por fim, o sujeito atinge o “nível autorregulado” quando consegue adaptar os seus comportamentos e estratégias de acordo com as condições individuais ou contextuais em questão, com muito pouco ou nenhum apoio do modelo. Nesta fase, a motivação desempenha um papel fundamental. Esta depende das consequências das ações do sujeito, e do sentimento de autoeficácia derivado destas (Rosenthal, Zimmerman & Durning, 1970).

Bronson (2000) apresenta oito perspetivas relativamente à autorregulação, mais propriamente, ao seu desenvolvimento. De acordo com a perspetiva psicanalista, o desenvolvimento da autorregulação era resultado das necessidades emocionais do sujeito. Para Freud (1923, 1965), a primeira tarefa desenvolvimentista da criança era o desenvolvimento do ego, capaz de controlar impulsos desadequados e de lidar com a realidade. Este é a instância da personalidade mais consciente e racional que, em luta com as outras duas forças internas (id e superego), gere o comportamento humano e lida com as suas vivências da vida real. É então a partir desta luta do ego para controlar as forças antagónicas da personalidade, e das interações de sucesso com o meio envolvente, que se desenvolve a autorregulação.

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Por outro lado, a perspetiva behaviorista, em grande parte desenvolvida por Pavlov (1927), Skinner (1974) e Thorndike (1911), salientava a importância do ambiente no controlo do comportamento humano, mais propriamente na aprendizagem de contingências e reforços, na capacidade de esperar pelo reforço ou na aprendizagem de estratégias de autoinstrução. Desta forma, a autorregulação era encarada como um autocontrolo aprendido a partir de fatores externos ao sujeito.

Já a teoria da aprendizagem social (Bandura, 1997) defendia a aprendizagem por observação, e sustentava que esta acontecia sem a necessidade de reforços, mas através da interiorização de representações do comportamento efetivo ou competente e da autoavaliação (lidar com o autorreforço ou com a autopunição). Como tal, o sujeito aprende que comportamentos são aceites, valorizados e recompensados a partir da observação dos seus comportamentos e dos comportamentos dos outros, e avaliando os seus efeitos. A autoavaliação tem então um papel fundamental na aprendizagem, correspondendo a uma base no desenvolvimento da autorregulação.

De acordo com a perspetiva social cognitiva, os sujeitos estão motivados para explicar ou dar sentido às suas experiências. Rotter (1966) defendeu que há diferentes “locos de controlo”, em função da capacidade de cada indivíduo em controlar a ocorrência de situações de reforço. Por este motivo, a base da autorregulação é entendida como as perceções dos sujeitos relativamente à sua capacidade de controlar acontecimentos no ambiente envolvente. Estes teóricos vêm o sujeito como um processador ativo em busca de um modelo coerente do mundo social.

A teoria de Vygotsky (1978) defendia o papel do ambiente sociocultural na formação da autorregulação, apesar de considerar que o desejo de controlo era inato. Deste modo, apesar de uma criança ter uma necessidade inata de agir de forma efetiva e independente, os objetivos e os meios para os atingir são culturalmente determinados e aprendidos. Vygotsky encarou a autorregulação como fruto da curiosidade inata pela independência, bem como das suas experiências de controlo e da atribuição de controlo às ações e competências próprias do indivíduo.

Por outro lado, Piaget considerou a autorregulação como algo intrínseco à mente. O propósito dos processos de autorregulação é permitir a adaptação do sujeito ao ambiente envolvente. Segundo Piaget (1952), o desenvolvimento ocorre através de um processo de equilibração, o qual engloba a assimilação e acomodação de novas experiências e aprendizagens, como forma de resolver conflitos internos. É através deste processo de equilibração relativamente à compreensão do ambiente físico e social, bem como ao

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desenvolvimento do pensamento lógico, que o indivíduo desenvolve automaticamente a autorregulação.

Mais recentemente, a perspetiva neo-Piagiana (Case, 1992; Fischer & Rose, 1994) defendeu que as crianças constroem modelos do seu ambiente de forma ativa, revelando formas de pensar típicas consoante os estádios de desenvolvimento. A autorregulação desenvolve-se então partir do interesse inato e do pela resolução de problemas e do domínio de competências específicas de controlo, mas ainda a partir do desenvolvimento e processamento de capacidades que suportem os suportem.

Autorregulação: O seu desenvolvimento no período pré-escolar

Já no primeiro ano de vida da criança é possível observar alterações no controlo dos comportamentos. Esta passa de uma fase de simples modelação de comportamentos para uma fase controlo de comportamentos sem monitorização por parte dos adultos. À medida que a criança demonstra uma maturação motora e cognitiva cada vez maior, deixa também, progressivamente, de depender exclusivamente dos adultos, aprendendo a controlar-se e a acalma-se sozinha (Kopp & Neufeld, 2003).

Com a entrada no jardim-de-infância, o desenvolvimento da autorregulação torna-se ainda mais evidente, visto constituir um contexto mais complexo do que o contexto familiar, exigindo das crianças uma adaptação a rotinas estruturadas, ao respeito pela autoridade de outros adultos que não os pais, à partilha de recursos e também da atenção dos adultos entre pares (Boyer, 2009). Por este motivo, Olson e Kashiwagi (2000) consideraram que este seria o contexto ideal para a avaliação das primeiras competências de autorregulação nas crianças. Estes investigadores referem que o alcance de competências de autorregulação é um marco muito importante na idade pré-escolar, visto que estas competências influenciam o seu futuro, tanto a nível pessoal como social e académico. As crianças em idade pré-escolar que apresentam dificuldades na aquisição destas competências podem vir a desenvolver problemas de agressividade, impulsividade, rejeição social, fracasso académico, dificuldades em expressar os seus pensamentos e emoções e em compreender os pensamentos e emoções dos outros, quer durante a infância e adolescência, quer posteriormente, na idade adulta. (Calkins, 1994; Campbell, 1995; McGinnis & Goodstein, 1984). Estas competências, em crianças de idade pré-escolar, dizem respeito sobretudo à autoafirmação e auto expressividade, as quais podem ser observadas em atividades criativas e na participação

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positiva entre pares; e à auto inibição, definida por comportamentos como a espera pela gratificação ou recompensa, a partilha de brinquedos e outros materiais, a inibição de comportamentos impulsivos ou agressivos, o seguimento das indicações dos adultos, o cumprimento das regras de conduta da sala, o controlo de comportamento negativos como a raiva, a frustração ou a deceção, a resposta às tarefas de forma consistente, sistemática e persistente ou a capacidade para ligar de forma positiva com críticas construtivas (Olson & Kashiwagi, 2000).

Após a investigação levada a cabo nos Estados Unidos da América, Olson e Kashiwagi (2000) concluíram que as crianças em idade pré-escolar apresentam elevados níveis de comportamento de autorregulação: capacidade de cumprir as regras da sala de aula, capacidade de adiar a gratificação imediata, capacidade de inibir comportamentos disruptivos, capacidade de controlar emoções negativas, comportamento verbal assertivo, capacidade de se comportar de forma criativa e/ou auto expressiva e envolvimento positivo com os pares. De acordo com Brazelton e Sparrow (2009), aos quatro anos a criança começa a saber lidar mais facilmente com os seus sentimentos e já consegue avaliar as consequências dos seus atos, ou seja, o que está certo o errado. Começa a ser evidente o desenvolvimento da sua autorregulação, visto que se torna capaz de reprimir os seus impulsos agressivos e de respeitar os sentimentos do outro.