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CAPÍTULO 2. FORMULAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO E AVALIAÇÃO DE

2.3 Avaliação Ambiental Estratégica – AAE

A adoção da Avaliação de Impactos Ambientais em diversos países no mundo foi, segundo Brito (1995), influenciada pela implantação do National Environmental Policy Act – NEPA. Esta lei, que estabeleceu a política ambiental americana no ano de 1969, exigia a apresentação da Declaração de Impacto Ambiental “Environmental Impact Statement” para projetos financiados com verbas públicas. Segundo Therivel et al. (1992) a prática da Avaliação de Impacto Ambiental – EIA, que foi difundida em diversos países, consiste no processo de predizer e avaliar impactos no meio ambiente, colaborando para a prevenção da degradação ambiental por meio do fornecimento de informações sobre possíveis conseqüências que ações de desenvolvimento poderiam causar ao ambiente. Para esta mesma autora, a efetividade dos EIA’s é comprometida por fatores como o âmbito restrito dos projetos e das informações requeridas no processo de EIA, a desconsideração dos impactos cumulativos, a influência das organizações que solicitam o EIA no seu processo de elaboração e aprovação; o baixo nível de participação popular no processo de EIA e a incipiência das técnicas e procedimentos para monitoramento e auditoria dos EIA’s.

Segundo a International Association for Impact Assessment - IAIA (IAIA, 1999) a Avaliação de Impacto Ambiental pode ser conceituada como sendo o processo de predição, avaliação e mitigação de efeitos biofísicos, sociais e outros efeitos relevantes oriundos de propostas de desenvolvimento, antes de tomadas de decisões e da realização de compromissos. Ainda segundo essa mesma instituição, os objetivos da Avaliação de Impactos Ambientais englobam assegurar a incorporação das considerações ambientais no desenvolvimento, antecipar, evitar minimizar e compensar os efeitos pertinentes biofísicos, sociais e outros significantes adversos de propostas de desenvolvimento, proteger a produtividade e capacidade de sistemas naturais e os seus processos ecológicos, promover um desenvolvimento sustentável e aperfeiçoar o uso de recurso e oportunidades de administração.

A Avaliação Ambiental Estratégica – AAE fundamenta-se nos princípios da Avaliação de Impacto Ambiental (MMA 2002); no entanto, segundo Noble (2000), se diferencia da AIA por algumas características: a natureza estratégica das decisões; a continuidade do processo de tomada de decisão, consideração de múltiplas alternativas envolvidas no processo estratégico.

Partidário (1999) conceitua AAE como sendo o:

Procedimento sistemático e contínuo de avaliação da qualidade do meio ambiente e das conseqüências ambientais decorrentes de visões e intenções alternativas de desenvolvimento, incorporadas em iniciativas tais como a formulação de políticas, planos e programas (PPP), de modo a assegurar a integração efetiva dos aspectos biofísicos, econômicos, sociais e políticos, o mais cedo possível, aos processos públicos de planejamento e tomada de decisão (PARTIDÁRIO, 1999, p.2).

Segundo Partidário (2000), a AAE evoluiu depois de alguma desilusão com a capacidade de o processo de EIA auxiliar na tomada de decisão ambiental. Dentre as razões cita a autora o momento e a natureza das decisões, bem como os níveis de informações. Corroborando esta posição, Egler (2001) afirma que a AAE é o resultado da busca, por parte de especialistas, da superação de deficiências dos processos de Avaliação de Impacto Ambiental – AIA: “o processo de AIA tende a ocorrer muito tarde no processo de planejamento e desenho de um empreendimento. Assim, torna-se difícil assegurar que todas as alternativas possíveis e relevantes sejam adequadamente consideradas”.

Segundo Therivel (2004) existem várias definições de Avaliação Ambiental Estratégica; da mesma forma Dalal-Clayton e Sadler (2004) enfatizam a expansão de acrônimos, descrições e interpretações de AAE. Destacam-se entre elas: Analytical strategic environmental assessment - ANSEA; Country environmental assessment - CEA; Energy and Environment Reviews - EER; Integrated assessment - IA; Integrated environmental management - IEM; Integrated trade assessment - ITA; Policy appraisal - PA; Poverty impact assessment - PIA; Poverty and social impact analysis - PSIA; Regional environmental assessment - REA; Sustainability appraisal - SA; Strategic environmental assessment - SEA; Strategic effects assessment; Sectoral environmental assessment; Strategic environmental analysis - SEAN; Strategic environmental framework - SEF; Strategic impact assessment - SIA; Sustainability impact assessment; Social impact Assessment; Strategic overview - SO.

Segundo Partidário (2000), os processos de AAE resultam, de um modo geral, de dois modelos de abordagem (vide Quadro 1). O primeiro é o Modelo de Abordagem Política, fundamentado no sistema de desenvolvimento e avaliação de decisões estratégicas (políticas, planos e programas); o segundo é o Modelo de Abordagem de Projetos, apoiado nos procedimentos de avaliação de impacto ambiental de projetos.

Quadro 1 – Modelos de abordagem da AAE

Fonte: PARTIDÁRIO (2000, p.653).

Segundo CSIR (1996), a comparação entre EIA e AAE ocorre em nível de proação; abrangência em termos de projeto ou políticas, planos e programas, bem como, em termos de áreas, regiões ou setores de desenvolvimento; impactos diretos ou cumulativos; temporalidade de aplicação; foco na mitigação de impactos ou na manutenção de um nível de qualidade ambiental, e nível de detalhamento. Para Macleod (2002), EIA e SEA possuem objetivos semelhantes e deveriam ser relacionados no processo de planejamento. Esta mesma fonte, referindo-se ao processo de Avaliação Ambiental Estratégica, afirma ainda que:

São aplicados ao nível de PPP antes de avaliações de impacto ambientais mais detalhadas (EIA) ao nível de projeto individual. Ações submetidas a AAE são aqueles para os quais é provável que a implementação subseqüente dê origem a impactos ambientais significativos que não podem ser avaliados satisfatoriamente depois no processo de planejamento (MACLEOD, 2002, p.2).

Segundo Egler (2001), o grupo estabelecido pela Comissão Econômica Européia – ECE, em março de 1990, recomendou sete etapas básicas a serem cumpridas por qualquer processo de AAE, de forma a obter seus propósitos. São elas:

• Início – definindo a necessidade e o tipo de avaliação ambiental para PPPs, utilizando-se de uma lista mandatória, de um mecanismo de avaliação inicial (screening) ou, de uma combinação de ambos;

• Scoping – identificando as alternativas relevantes e os impactos ambientais que precisam ser considerados, assim como aqueles que devem ser eliminados por não serem relevantes nas avaliações;

• Revisão externa – incluindo a revisão por autoridades governamentais relevantes, especialistas independentes, grupos de interesse e o público em geral. Quando for necessária a manutenção da confidencialidade, todos os esforços devem ser envidados para o envolvimento, pelo menos, de especialistas independentes e de grupos de interesse, que serão consultados em bases confidenciais;

• Participação do público – o público deve ser parte do processo de avaliação ambiental, a menos que requerimentos de confidencialidade ou de limitação de tempo impeçam esse envolvimento;

• Documentação e informação – a informação apresentada em avaliações ambientais para PPPs devem ser elaboradas em tempo hábil e em níveis de detalhe e de profundidade necessários para que o tomador de decisão tome decisões com base na melhor informação disponível;

• Tomada de decisão – os tomadores de decisão devem levar em consideração as conclusões e recomendações da avaliação ambiental, juntamente com as implicações econômicas e sociais dos PPPs;

• Análise pós-decisão – onde possam ocorrer impactos ambientais significativos devido a implementação de PPPs, análises pós-decisão dos impactos ambientais devem ser conduzidas e relatadas para os tomadores de decisão (EGLER, 2001, p. 6).

Este mesmo autor ressalta que a implantação de uma AAE pode ocorrer com o uso de apenas alguns passos descritos acima:

Os fatores que determinam quais estágios/fases serão utilizados na implantação de uma AAE, em um determinado país, são dependentes dos domínios políticos, sociais e econômicos e também dos compromissos que este país tem em relação a um ambiente saudável (EGLER, 2001, p. 7).

Noble (2000), analisando 18 casos de aplicação da AAE, evidencia aspectos “estratégicos” na tomada de decisões, dentre os quais destaca: ações que conduzem a estratégias de ações, considerações de metas, objetivos, visões, considerações de situações anteriores e futuras, pro - atividade, consideração de projetos de forma holística e não isolada, com baixo nível de detalhes e amplo foco de visão.

A experiência internacional com a Avaliação Ambiental Estratégica atualmente é expressiva, tendo sido estudada em vários países onde se observa a consideração de características peculiares de cada país no seu modo de desenvolvimento. Sheate et al. (2001) concluem sobre uma considerável semelhança nos métodos de integração da AAE nos

processos de tomada de decisão, bem como dos elementos constituintes dos processos de AAE em estudo de 20 casos nos seguintes países: Áustria, Canadá, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Holanda, Nova Zelândia, Portugal, República Eslovaca, Espanha, Suécia, Reino Unido, evidenciando também a abordagem do Banco Mundial para o assunto. Estudos recentes têm sido desenvolvidos também em países como África do Sul (WISEMAN, 1997); Itália (DAINI, 2002); Canadá (NOBLE, 2002); Bélgica (DEVUYST, 2000); República Tcheca (RIMMEL, 1997).

IAIA (1999) destaca algumas características que atribuem qualidade ao processo de AAE. Em primeiro lugar, a integração advinda da inter-relação entre aspectos biofísicos, sociais e econômicos; facilita a identificação de opções de desenvolvimento mais sustentáveis, é focalizada em assuntos-chave do desenvolvimento sustentável e personalizado a uma situação específica, determina responsabilidades de forma imparcial, sendo levado a cabo com imparcialidade profissionalismo, justiça e rigor. É participativo no que se refere à participação pública e de demais interessados e é interativo, pois proporciona a possibilidade de uma avaliação influenciar a tomada de decisões.

Contribuindo para a análise de benefícios e restrições da AAE, Sadler (1998) destaca entre os benefícios a promoção de tomada de decisão ambiental e de desenvolvimento de forma integrada; facilita o desenho de políticas e planos ambientalmente sustentáveis; a discussão ampla sobre alternativas; considera efeitos cumulativos, além de promover o engajamento público nas discussões sobre sustentabilidade em nível estratégico. Por outro lado, as restrições são a necessidade de um alto nível de maturidade institucional para permitir um efetivo diálogo intersetorial; habilidades e capacidades específicas em órgãos do governo e agências privadas. Esses autores evidenciam ainda a contribuição da AAE para o desenvolvimento sustentável por meio da integração ambiental e desenvolvimento de tomada de decisões, projetos de políticas e planos ambientalmente sustentáveis, e do fortalecimento e agilização do projeto de EIA, por intermédio da identificação antecipada de impactos potenciais e efeitos cumulativos, focalizando assuntos estratégicos relacionado à justificação e local de propostas, reduzindo o tempo e esforço necessários para avaliar esquemas individuais.

A Avaliação Ambiental Estratégica – AAE se diferencia da AIA basicamente pela natureza estratégica, ou seja, pela contextualização e análise ambiental que precedem a

tomada de decisão. Tal característica permite a consideração de múltiplas alternativas no processo de implementação de políticas, planos, e programas. Partindo da análise da capacidade suporte, considera aspectos como a cumulatividade e sinergia de impactos sobre um recorte territorial. Esses fatores induzem a uma situação de permanente avaliação dos processos de desenvolvimento e seus impactos em termos de sustentabilidade social, econômica, ambiental e institucional. Sua implementação carece, no entanto, de condições como a maturidade institucional que permita o diálogo entre instituições para que estas apresentem explicitamente sua capacidade, objetivos e instrumentos, tornando-as efetivas nos processos de planejamento, implementação e avaliação de políticas públicas.

Quadro 2 – Relações entre tipos de avaliação, amplitude geográfica com políticas, planos e programas

Fonte: PARTIDÁRIO (2000), adaptado pelo autor.

2.4 Síntese do capítulo

O desenvolvimento de políticas públicas tende a incorporar a cada dia a participação de novos atores sociais mobilizados para a defesa de princípios diversos, como a igualdade social e a qualidade de vida. A ação governamental fica condicionada dessa forma a uma situação permanente de análise de seu papel neste ambiente de grande instabilidade. Destaca-se nesse sentido o desenvolvimento jurídico-institucional que procura adequar a capacidade operacional do Estado às demandas sociais ao mesmo tempo que sofre pressões pela diminuição de sua interferência no desenvolvimento livre do mercado de produção e consumo de bens e serviços.

As tendências observadas em relação às políticas públicas brasileiras demonstram um amadurecimento de suas práticas, induzindo a repensar o papel do Estado, particularmente no que concerne à descentralização política e tributária. Tais elementos se aglutinam na consideração do espaço territorial como elemento comum baseado nos municípios e regiões, com peculiaridades determinantes das práticas e metodologias de intervenção político- administrativa. Parte deste avanço, especificamente em termos de avaliação de políticas públicas, se concretiza no desenvolvimento de atividades por parte do Tribunal de Contas da União – TCU, que recomenda de forma destacada o uso da Avaliação Ambiental Estratégica – AAE no Brasil.

AAE se baseia nos princípios da avaliação de impacto ambiental, mas se diferencia pela associação de aspectos como a inserção dos princípios de sustentabilidade ambiental em nível de políticas, planos e programas; pela natureza estratégica das tomadas de decisões e conseqüentemente pela identificação ex-ante de seus impactos potenciais, diretos, cumulativos e sinérgicos; pela consideração de múltiplas alternativas a determinada decisão e pelo fortalecimento da avaliação de impacto ambiental em nível de projetos. Dessa forma, a AAE é recomendada em níveis que se situam entre o subnacional e o nacional, deixando a AIA apenas para avaliação de projetos desenvolvidos em nível local, conforme Quadro 2, apresentando também um caráter integrador e não excludente à prática da AIA, que se restringe aos projetos individuais analisados as deliberações instituídas no processo de AAE.

A utilização da AAE em nível de políticas públicas pode contribuir para a melhoria dos processos de formulação, coordenação, assim como instrumento de auxílio ao seu planejamento e à territorialização de suas proposições e à conseqüente inserção de variáveis ambientais em momento anterior à tomada de decisão.

CAPÍTULO 3. POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS HÍDRICOS – PNRH: