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Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade ambiental

CAPÍTULO 1. SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: ORDENAMENTO E GESTÃO

1.1 Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade ambiental

A relação dos seres humanos com a natureza pode ser caracterizada por flutuações que variam de uma união inquestionável pela sobrevivência até uma situação de total dissociação da parte (o homem) do todo que o contém (o ambiente). Da sobrevivência ao lucro sobre rendas do capital financeiro, toda a história humana na terra se desenvolve de modo implacável por meio do uso de recursos naturais. As mudanças nos padrões de vida trouxeram conseqüências negativas para a forma de apropriação e uso dos recursos naturais, contribuindo também para o quadro atual de degradação ambiental e da qualidade de vida.

A natureza, ao longo dos tempos, vem recebendo e absorvendo impactos das ações humanas. No entanto, em épocas recentes o homem imprimiu um ritmo acelerado de desenvolvimento e, conseqüentemente, apropriação dos recursos naturais que superam esta capacidade regenerativa da natureza. Segundo McCormick (1992), a evolução do aparato de pensamento e resposta aos problemas ambientais evoluiu muito desde o ano de 1863, época

em que foi aprovada na Grã-Bretanha a primeira lei contra a poluição do ar, a criação do primeiro grupo ambientalista e o primeiro acordo internacional sobre meio ambiente.

A sensibilidade do público para os primeiros movimentos era pequena, mas, à medida que a ciência revelava mais sobre a estrutura da natureza, e as pessoas ganhavam mais mobilidade e passavam a olhar para além de sua vizinhança imediata, o movimento cresceu e se disseminou. Contudo, a verdadeira revolução ambiental só aconteceu depois de 1945, com o período de maiores mudanças se verificando a partir de 1962 (MCCORMICK, 1992, p.16).

A preocupação acerca da relação produção de alimentos/população e do bem-estar da população pode ser considerada como um fator histórico do surgimento do pensamento ambiental, representados respectivamente por Malthus (1798) e Pigou (1920). O debate apresentado por estes pensadores sintetiza a preocupação de uma época na qual se iniciavam as pressões por alimentos em uma escala superior à sua oferta, pela percepção de problemas sociais e dos efeitos negativos no ambiente adjacente à produção econômica e da necessidade da presença do Estado como regulador desses conflitos.

As preocupações e descobertas se sucedem num movimento cíclico de avanços e retrocessos, de reconhecimento e negação das implicações ambientais do desenvolvimento humano. A sensibilidade e o envolvimento humano frente aos problemas ambientais partem do reconhecimento das implicações do modo de produção de alimentos (Carson, 1962), das relações comuns entre os seres vivos (Hardin, 1968), da produção de artefatos de destruição e principalmente do planeta terra como um ser vivo (Lovelock, 1979). As tensões sociais em torno do tema ambiental se concretizaram em encontros organizados para discussão das implicações do modo de organização demográfica e de produção e consumo das populações. O relatório Meadows (1972) apresenta uma situação de futuro crítico em função do cruzamento de índices de crescimento populacional, produção industrial, poluição e produção de alimentos. Dessa forma, as publicações de Commoner (1971), Goldsmith (1972), United Nations (1973), Boulding (1973), Timbergen e Dolman (1987) e Lovelock (1979) chamam a atenção para a necessidade de uma visão de caráter sistêmico e de uma reconsideração das posturas nacionais no que concerne ao problema ambiental e ao estabelecimento de uma nova ordem internacional. O termo Desenvolvimento Sustentável – DS, elaborado inicialmente no relatório Our Common Future da World Commission on Environment and Development, no ano de 1987, é reconhecido internacionalmente, sendo ainda hoje analisado e repensado no que diz respeito a suas dimensões (SACHS, 1993). Pode-se considerar, no entanto, que sua

linha básica de raciocínio continua sendo a mesma elaborada em 1987, ou seja, a preocupação com a necessidade de se garantir que os recursos naturais sustentem a atual e as próximas gerações.

Atualmente observa-se a existência de órgãos ambientais em mais de uma centena de países, milhares de grupos ambientalistas espalhados por todo o mundo e centenas de acordos internacionais sobre o meio ambiente. A esta realidade soma-se a ação institucional em favor da causa ambiental por parte de entidades como a Organização das Nações Unidas, o Banco Mundial, a Comunidade Européia e a Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica – OCDE. O debate ambiental contemporâneo se mantém em construção, tendo como principais referências a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD ocorrida em 1992, também conhecida como Eco-92, que teve como principal resultado a elaboração da Agenda 21; e a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (The World Summit on Sustainable Development), ocorrida em Joanesburgo – África do Sul no ano de 2002, que, entre outros objetivos, buscava avaliar os resultados obtidos desde a Rio-92.

Durante esse período, a ampliação das discussões, no entanto, não lograram êxito na tentativa de diminuir os impactos ambientais das atividades humanas. Acidentes como o da fábrica da Union Carbide em Bophal – Índia, do Petroleiro Exxon Valdez, do desmatamento da Floresta Amazônica, da diminuição da camada de ozônio e de vários outros acidentes pontuais, tais como as degradações provocadas pelas atividades industriais e agropecuárias em todo o mundo (que, se forem considerados em sua totalidade, talvez excedam em termos quantitativos esses acidentes “famosos”), não têm tido impacto na tomada de decisões de grandes corporações industriais e de nações como os Estados Unidos da América – EUA (que não assinaram o protocolo de Quioto).

A despeito da evolução do debate qualificado acerca da problemática ambiental, em seus diversos prismas, permanece ainda a necessidade de implementação de ações que mitiguem todo um passado de destruição e desequilíbrio entre o impacto das ações humanas e a capacidade de resiliência do ambiente. Atualmente, mais que esta ação reparadora, urge que sejam desenvolvidas novas práticas sociais, econômicas e ambientais com objetivo de fazer frente a uma realidade marcada pela complexidade (MELLO, 2005) e pelo desenvolvimento desenfreado de situações insustentáveis sob os mais diversos pontos de vista.

A busca por equilíbrio nas relações sociais e, de modo especial, nas relações entre sociedade e meio ambiente tem como marco importante a construção do conceito de Desenvolvimento Sustentável – DS apresentado pela World Commission on Environment and Development - WCED (UNITED NATIONS, 1987). Uma análise mais acurada do conceito de desenvolvimento sustentável apresentado no relatório “Our common future” se estende muito além daquela definição sintética que se refere ao atendimento das necessidades atuais sem o comprometimento da possibilidade de uso futuro dos recursos. Permanece evidente, no conceito inicial, a possibilidade de gestão e melhorias no que concerne à tecnologia e à organização social para a obtenção de uma situação “sustentável”, bem como a relação entre pobreza e a propensão a riscos, não apenas ecológicos. Dessa forma, considerando-se os efetivos avanços tecnológicos e a não tão avançada capacidade de organização social para efetivação de uma sociedade sustentável, torna-se fundamental a análise dos conceitos de DS.

O conceito de DS é aprimorado a cada novo olhar para suas premissas básicas, sendo analisado também por autores como Camargo (2002), Fenzl (1998), Ribeiro (1992), Sachs (1990; 2000a), Bartuska et al. (1998); Dovers & Handmer (1993); IWLA (1997); Liverman et

al. (1988) Redclift (1996); Pezzey (1992); Goodland et. al. (1995). Diferentes elaborações

conceituais acerca do desenvolvimento sustentável e, conseqüentemente, da sustentabilidade evidenciam o ponto de vista de cada estudo e suas diferentes variáveis consideradas. Em estudos de Pearce e Walrath (2004), Pezzey (1992) e Pearce, Markandya, Barbier (1994), por exemplo, são apresentadas coletâneas de conceitos e seus respectivos pontos-chave.

Ainda que múltiplos conceitos tenham sido considerados e desenvolvidos, encontra-se ainda na literatura específica o estudo acerca de dimensões, enfoques e abordagens que orientam a determinação de tais conceitos e a busca de sua efetivação em termos de situação desejável: a sustentabilidade ambiental. A inter-relação entre os sistemas sócio-ambientais deve ser considerada de forma harmônica, sem o privilégio e conseqüente detrimento para qualquer uma das partes.

O conceito de desenvolvimento sustentável apresenta três níveis fundamentais, quais sejam: sustentabilidade da sociosfera, sustentabilidade da biosfera e sustentabilidade da ecosfera. Sendo que cada um destes subsistemas está interligado aos demais, alimentando perenemente o conceito de sustentabilidade através do princípio da recursividade, não havendo, portanto, o privilegiamento de um nível sobre os demais (MELLO, 2005, p.2).

Sustentabilidade é o modo de sustentação, ou seja, da qualidade de manutenção de algo. Este algo "somos nós", nossa forma de vida enquanto espécie biológica, individualidade psíquica e seres sociais. Obviamente que também se inclui no princípio da sustentabilidade o meio ambiente - lato sensu - e as demais formas de vida do planeta – afinal, embora o ser humano possua autonomia de existência, não possui independência da natureza. Por mais que nos mostremos seres sócio- culturais, ainda somos, também, seres biológicos! (MELLO, 2005, p.2).

Não deixa de ser curioso que, ao procurar uma definição de desenvolvimento sustentável, aproxime-se tão fortemente de uma perspectiva harmônica e não- conflitiva dos processos econômicos, políticos e sociais envolvidos no drama desenvolvimentista (RIBEIRO, 1992, p.7).

Acselrad e Leroy (2005) destacam também alguns valores referenciados no que concerne à sustentabilidade:

• eficiência - novos padrões tecnológicos que projetem a racionalidade econômica para o conjunto dos recursos planetários de modo a torná-los duradouros, assegurando os meios materiais requeridos para a continuidade do desenvolvimento econômico e social;

• eqüidade - consideram-se as relações intrínsecas entre desigualdade social e degradação ambiental — questões que não podem ser analisadas em separado, por terem raízes comuns; essa compreensão remete a um tratamento conjunto e articulado dos propósitos de erradicação da pobreza e de proteção ambiental;

• novos padrões de produção e consumo - níveis de crescimento econômico continuado voltados para a satisfação de demandas por bens de consumo não- essenciais são incompatíveis com um processo de desenvolvimento ecologicamente benigno; isso acarreta a necessidade de mudanças culturais, com vistas à autolimitação do consumo de bens materiais pelas camadas sociais de maior renda;

• auto-suficiência - o conhecimento das populações locais tem papel destacado na construção de competências para uma gestão territorial compatível com a conservação da base material do desenvolvimento; aqui, aponta-se para os riscos que a expansão generalizada das relações de mercado representa para a preservação da estabilidade cultural e da capacidade reprodutiva da base material das comunidades tradicionais;

• ética - são ressaltados os valores, deveres e obrigações morais relativos à preservação das condições de existência da vida no planeta, articulando-se a discussão sobre sustentabilidade à reflexão sobre responsabilidade social na construção e preservação de um mundo comum (ACSERALD e LEROY, 2005, p.9)

A diversidade e conseqüente complexidade no que diz respeito à conceituação gera também conflitos de interpretações, não raramente opostas, que buscam justificar e legitimar posturas adotadas por diferentes atores sociais.

Sustentabilidade consiste num conceito, a bem da verdade, bastante amplo, que admite variações de acordo com interesses e posicionamentos. Além do que ainda é

recente e por isso mesmo sujeito a ambigüidades e dilemas quanto ao seu uso e significado. Entre cientistas e formuladores de políticas públicas costuma ser sinônimo de controvérsia. Antes de arriscar qualquer definição, vale prestar um pouco de atenção ao significado puro e simples da palavra: sustentável é o que sustenta alguém ou alguma coisa. Talvez esteja aí a raiz da leviandade com que ele vem sendo aplicado a todo tipo de discurso e de projeto, inclusive aos casos mais obscuros ou controvertidos, em que os únicos a serem sustentados são os charlatões travestidos de ambientalistas (RUSCHEINSKY, 2003, p.41)

Essas estratégias resultam de uma determinada maneira de combinar e relacionar enunciados, conceitos e teorias pertencentes e geradas em diferentes áreas ou campos de saber, de maneira a produzir determinados efeitos de verdade, que funcionam como dispositivos táticos que medeiam as relações de poder que perpassam ou delimitam uma determinada arena ou campo de disputas de interesses (no caso aqui em discussão, aquela referente às agendas e políticas de desenvolvimento). Dessa forma, não se trata de examinar a coerência de diferentes teorias ou conceitos, mas os interesses e as correlações de forças que atuam no sentido de estabelecer, a partir delas, conjuntos de relações capazes de criar efeitos de verdade que conformam determinadas representações sociais, criam demandas e conduzem práticas e ações (MACHADO, 2005, p. 27).

O arcabouço teórico acerca do tema sustentabilidade destaca ainda, além do aspecto conceitual, um variado elenco de indicadores que são apresentados como parâmetros de sua avaliação. Este aspecto é destacado por vários autores como, por exemplo: Boulanger et al. (2003) ; European Commission (2001); IFEN (2001); Yale University e Columbia University (2006); Van Bellen (2002); Mathis (2001); Rigby (2000); Dalal-Clayton e Sadler (2004); e United Kingdon (2005).

A despeito de toda a construção teórico-metodológica em torno do tema sustentabilidade, desde sua origem, no movimento ambientalista mundial, a degradação ambiental, em nível mundial, tem avançado principalmente após a Revolução Industrial, época na qual houve a concentração da produção em grandes unidades fabris, aumento da demanda por insumos para efetivação da produção e a concentração populacional no entorno das cidades. Essa realidade é retratada em estudos que evidenciam ainda hoje a existência de elementos potencialmente agressores ao meio ambiente e tendências sócio-econômicas atuais com correspondentes conseqüências ambientais (CAMARGO, 2002; LEIS, 1999; ESTADO DO MUNDO, 2004; PERSONNE, 1998; VAN BELLEN, 2002). Dessa forma, a elaboração de ações em busca da situação de sustentabilidade não finda com a determinação de conceitos e indicadores a serem utilizados para sua avaliação. Emergem, dessa maneira, como aspectos fundamentais para a análise dos ambientes a serem estudados, a caracterização quantitativa e qualitativa dos níveis de degradação ambiental, aqui entendida como o conjunto de variáveis

sociais e naturais, tornando-se fundamental a contextualização ambiental, espacial, histórica do ambiente de intervenção.

Nesse contexto e para fins deste trabalho relaciona-se o conceito de sustentabilidade ambiental diretamente à situação em que atores sociais pensam e desenvolvem suas ações e empreendimentos considerando de forma igualitária os aspectos ambientais, econômicos, sociais e institucionais numa perspectiva de bem-estar durável, de longo prazo e baseados em princípios de justiça social.