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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.2. Micronutrientes e Obesidade

2.2.2. Avaliação do consumo alimentar de micronutrientes em estudos populacionais

Conhecer o consumo alimentar de indivíduos e populações é passo fundamental para a determinação das relações existentes entre alimentação e eventos de morbimortalidade, conforme visto na seção anterior. Contudo, a determinação precisa de associações entre a dieta e doenças, como a obesidade por exemplo, depende sobretudo da qualidade dos dados coletados, e para isso a seleção adequada do método de avaliação do consumo alimentar é parte crucial da pesquisa epidemiológica (KAC, 2007).

Um bom método deve combinar facilidade de avaliação, validade e precisão. Além disso, o instrumento escolhido deve levar em conta a extensa variabilidade do consumo alimentar, e ainda considerar que o mesmo é influenciado por fatores fisiológicos, socioeconômicos, culturais e ambientais (WILLETT, 2013).

Diante disso, a mensuração precisa do consumo alimentar nem sempre é tarefa fácil. Os instrumentos mais utilizados em estudos epidemiológicos, são de modo geral o questionário de frequência alimentar (QFA), o diário ou registro alimentar (RA) e o recordatório alimentar de 24 horas (R24h), entre vários outros instrumentos que também podem ser utilizados, como a folha de balanço de alimentos, o inventário e a pesquisa de orçamento familiar (POF) (KAC, 2007; VASCONCELOS, 2008).

O QFA é um instrumento composto por uma lista de alimentos básicos, por meio da qual o entrevistado refere a frequência com a qual os alimentos listados são consumidos (se nunca, diariamente, semanalmente, mensalmente, anualmente, etc.). Trata-se de um método prático, objetivo, fácil de ser aplicado e de baixo custo. Contudo, apresenta algumas limitações, como dependência da memória do entrevistado e menor acurácia para investigações a respeito do consumo de micronutrientes. É que ao se fundamentar em uma lista básica de alimentos, o QFA não consegue captar a ampla variabilidade do

consumo alimentar habitual, e consequentemente a isto, fornece estimativas menos precisas do consumo de micronutrientes amplamente distribuídos no total de alimentos consumidos (KAC, 2007; VASCONCELOS, 2008).

Já o RA, é um método que consiste no registro diário do consumo alimentar, que é realizado pelo próprio entrevistado (geralmente durante três ou sete dias). Para tanto, requer que o entrevistado passe por treinamento, com o intuito de garantir que o registro das informações relativas aos alimentos consumidos, como porções, tipos e preparações, seja confiável e fidedigno. Desse modo, o RA tem como vantagens a minimização do viés de memória e a obtenção detalhada de informações sobre o consumo alimentar atual/habitual. Contudo, por se tratar de um método prospectivo, o ato de registrar o consumo alimentar por vários dias pode levar o indivíduo a alterar o seu consumo de alimentos, ou mesmo a sub-relatar o total de alimentos consumidos, impactando dessa forma em menor acurácia quando se trata da mensuração do consumo de micronutrientes (KAC, 2007; VASCONCELOS, 2008). Trabulsi e Schoeller (2001), inclusive chamam a atenção para o percentual elevado de sub-relato do consumo de alimentos relacionado com esse método, sobretudo entre indivíduos com algum nível de excesso de peso (IMC ou CC elevados). Além disso, a exigência de treinamento do indivíduo avaliado, pode tornar cara ou inviável a utilização do RA em estudos populacionais com grandes amostras de indivíduos (KAC, 2007; VASCONCELOS, 2008).

O R24h por sua vez, baseia-se na obtenção de informações detalhadas sobre o consumo alimentar do dia anterior ou das 24 horas precedentes à entrevista. Entre suas vantagens estão, o custo baixo, o tempo reduzido de aplicação, sua alta aceitação, além do fato de não interferir nos hábitos alimentares do entrevistado. Além disso, ao possibilitar a obtenção de informações detalhadas sobre os alimentos consumidos, como tipo, modo de preparo, adições e marca comercial, o R24h perfaz-se em um método acurado para investigações sobre o consumo de micronutrientes pela dieta. Entretanto, são desvantagens desse método, o viés de memória e a necessidade de entrevistadores treinados. A aplicação pontual do instrumento também não é adequada quando o objetivo é estimar o consumo habitual. Sub-relatos de consumo ou o relato de consumo de dia atípico também não podem ser desconsiderados (CONWAY; INGWERSEN; MOSHFEGH, 2004;

VASCONCELOS, 2008; FISBERG; MARCHIONI; COLUCCI, 2009; MORIMOTO, 2011).

Apesar dessas limitações, quando se trata da avaliação do consumo de energia e micronutrientes, e da obtenção de prevalências de inadequação no consumo alimentar, dentre os métodos supracitados (QFA, RA e R24h), o R24h tem sido tradicionalmente o mais utilizado em estudos com populações, por permitir a obtenção de estimativas do consumo alimentar mais precisas em relação à utilização dos demais métodos (BARQUERA et al., 2003; PINHEIRO et al., 2011; MORIMOTO, 2011; MAKI et al., 2012; ARAUJO et al., 2013; AGARWAL et al., 2015). A aplicação repetida do instrumento em pelo menos dois momentos distintos (um em dia da semana e outro em dia de final de semana) ainda possibilita o ajuste do consumo alimentar para a variabilidade intraindividual, mesmo nos casos em que a segunda aplicação do instrumento é feita em apenas uma subamostra da população em estudo (> 25% ou 40%) (DODD et al., 2006; HOFFMANN et al., 2012; VERLY-JUNIOR et al., 2012).

Desse modo, quando bem conduzida, a mensuração do consumo alimentar realizada pelo emprego do R24h possibilita não apenas a obtenção de estimativas mais confiáveis da ingestão habitual de micronutrientes, mas também permite superar as limitações inerentes a uma única aplicação do instrumento (menor precisão e consumo atípico). Além disso, por meio do R24h também é possível estabelecer a adequação do consumo alimentar de micronutrientes em relação às recomendações (DODD et al., 2006; MORIMOTO, 2011).

Internacionalmente, uma das recomendações mais aceitas para a avaliação da adequação do consumo de micronutrientes pela dieta é a Estimated Average Requirement (EAR), também conhecida no Brasil como Necessidade Média Estimada (INSTITUTE OF MEDICINE, 2006). A EAR é um dos quatro componentes da Ingestão Dietética de Referência (Dietary Reference Intakes - DRI), e corresponde ao nível de consumo diário de micronutrientes estimado para atender às necessidades de metade dos indivíduos saudáveis, em um determinado estágio da vida e sexo (INSTITUTE OF MEDICINE, 2006). Embora baseada em dados da população canadense e norte-americana, a EAR se constitui no método mais adequado quando se pretende avaliar as prevalências de inadequação no consumo alimentar de micronutrientes em estudos com indivíduos ou populações (MARCHIONI et al., 2004; MORIMOTO, 2011; AGARWAL et al., 2015).

Apesar do reconhecimento científico do R24h e da EAR como métodos úteis para a avaliação do consumo de micronutrientes pela dieta e sua adequação, de modo geral, é preciso ressaltar que ainda são poucos os estudos populacionais que empregam tais metodologias, principalmente em países de renda média como o Brasil (MORIMOTO, 2011; ARAUJO et al., 2013). O motivo é que esses métodos implicam em maior tempo, conhecimento e trabalho para os pesquisadores (KAC, 2007).

Contudo, é preciso considerar a importância indiscutível das investigações que empregam tais metodologias. Um exemplo disso são os estudos recentes associando o consumo alimentar inadequado de micronutrientes com a obesidade, conforme visto na seção anterior (ARAUJO et al., 2013; AGARWAL et al., 2015; TROESCH et al., 2015). Além de indicarem os caminhos e estratégias para a prevenção das deficiências de micronutrientes, paralelamente estudos sobre essa temática podem contribuir também para a prevenção e/ou controle da obesidade e de outras doenças crônicas subjacentes a estas condições.

2.2.3. Revisão da literatura científica: deficiências no consumo de