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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

2. REVISÃO DA LITERATURA

2.2. Micronutrientes e Obesidade

2.2.1. Deficiências de micronutrientes e obesidade: bases para a relação

Conforme apresentado na seção anterior, a má qualidade da dieta tem sido apontada como uma das principais causas do aumento da obesidade no mundo. O que se observa na atualidade, é um aumento do consumo calórico total advindo de uma maior ingestão de carboidratos refinados e gorduras saturadas, em detrimento do consumo de alimentos fontes de micronutrientes essenciais (POPKIN; ADAIR; NG, 2012; RTVELADZE et al., 2013). Como resultados de tantas mudanças nos padrões de consumo alimentar, estudos representativos de populações do Brasil, México, Estados Unidos e Reino Unido, têm identificado além de altas prevalências de obesidade, também prevalências elevadas de inadequação no consumo de diferentes vitaminas e minerais (de modo geral acima de 40,0% para as vitaminas A, C, D, E e cálcio)

(GONZÁLEZ et al., 2013; ARAUJO et al., 2013; AGARWAL et al., 2015; TROESCH et al., 2015).

Diante disso, alguns pesquisadores vêm chamando a atenção para uma possível relação entre o consumo insuficiente de micronutrientes, sobretudo as vitaminas A, C, D e E, e os minerais cálcio, ferro e zinco, e a condição de obesidade (GARCIA; LONG; ROSADO, 2009; AGARWAL et al., 2015; TROESCH et al., 2015). Isso porque além de o baixo consumo dos micronutrientes citados favorecer a obesidade, pesquisas nos últimos dez anos têm identificado também que indivíduos obesos de modo geral, apresentam menor consumo e consequentemente concentrações sanguíneas mais baixas dessas vitaminas e minerais, em comparação com indivíduos de peso adequado (KIMMONS et al., 2006; GARCIA; LONG; ROSADO, 2009; AGARWAL et al., 2015; TROESCH et al., 2015).

Essa hipótese fica mais clara de ser compreendida, quando analisada da perspectiva de resultados presentes na literatura. Soares, Binns e Lester (2004) ao avaliar dados do Australian National Nutrition Survey, identificaram entre adultos daquele país uma relação inversa entre a ingestão dietética insuficiente de cálcio e valores do IMC e da CC elevados. No Canadá, Jacqmain et al. (2003) ao analisar dados do The Quebec Family Study, também encontraram concentrações reduzidas de cálcio na dieta de adultos que apresentaram IMC elevado. Forrest e Stuhldreher (2011) ao avaliar a relação entre obesidade e vitamina D, usando dados do NHANES 2005-2006, identificaram maior deficiência desta vitamina (concentrações de 25(OH)D inferiores a 20 ng/mL) entre participantes obesos. McNaughton et al. (2007) em estudo com mulheres no Reino Unido, identificaram que um padrão alimentar adequado ou elevado em vitamina A, foi inversamente associado com o IMC e a medida da CC. No Toronto Nutrigenomics and Health Study, Cahill, Corey e El-Sohemy (2009) ao determinar a prevalência da deficiência de vitamina C no soro, e sua associação com doenças crônicas em uma população de adultos jovens no Canadá, observaram que indivíduos com deficiência desta vitamina tiveram medidas significativamente mais elevadas da CC e do IMC, do que indivíduos com níveis adequados de ácido ascórbico sérico. Nos Estados Unidos, Agarwal et al. (2015) identificaram que adultos obesos apresentavam de modo geral um consumo alimentar mais inadequado de vitamina E, quando comparados a adultos sem obesidade. Micozzi, Albanes e Stevens (1989) ao avaliar dados da primeira edição do NHANES,

observaram que valores elevados do IMC também estavam associados com concentrações séricas reduzidas de ferro, sobretudo entre as mulheres.

Estudos de um modo geral, também têm chamado a atenção para o maior o risco de adiposidade corporal relacionado com baixos níveis dietéticos e plasmáticos de zinco (OZATA et al., 2002; SÁNCHEZ et al, 2009). Singh et al. (1998) por exemplo, identificaram que a deficiência de zinco foi considerada um fator de risco independente para obesidade abdominal em uma população adulta urbana na Índia. E esse achado mostrou-se consistente também com os resultados de um estudo com adultos do sexo masculino na Turquia (OZATA et al., 2002).

Diante disso, fica clara a existência de uma relação entre ambas as condições, deficiências de micronutrientes e obesidade (geral e abdominal). E, na perspectiva de melhor compreender o comportamento de cada um dos diferentes micronutrientes na obesidade, no Quadro 2 são descritos os principais aspectos fisiológicos que parecem embasar esta relação.

Quadro 2. Aspectos fisiológicos que embasam a relação entre as

deficiências no consumo de micronutrientes e a obesidade (geral e abdominal).

Micronutrientes Bases fisiológicas entre a deficiência do micronutriente e a obesidade

Cálcio

O cálcio atua diretamente no balanço da cinética lipídico- adipocitária. Assim, quando em concentrações baixas no organismo, devido à menor ingestão dietética, é induzido o aumento sanguíneo do hormônio paratormônio (PTH) e do calcitriol (1,25(OH)2D3), que agem nas células do tecido

adiposo aumentando a concentração de cálcio em seu interior. Este aumento acaba ao mesmo tempo estimulando a atividade das enzimas relacionadas à lipogênese (como a ácido graxo sintetase), como também inibindo a lipólise, e como resultado tem-se um aumento da adiposidade corporal (ZEMEL et al., 2000; 2002; 2004; 2005; SOUSA; POLTRONIERI; MARREIRO, 2008).

Continuação do Quadro 2

Micronutrientes Bases fisiológicas entre a deficiência do micronutriente e a obesidade

Ferro

A obesidade induzida pela deficiência de ferro, está diretamente relacionada à hepcidina, que é um hormônio que controla o fluxo de ferro no plasma. Assim, quando em concentrações baixas no organismo, devido à menor ingestão dietética, o ferro induz o aumento da hepcidina. Aumentada, a hepicidina inibe tanto a absorção do ferro da dieta, quanto a liberação do ferro para fora dos locais de armazenamento, culminado assim com o aparecimento da chamada a anemia de inflamação. Desse modo, alguns autores acreditam que o aparecimento da “anemia de inflamação”, além de agravar a própria deficiência de ferro no organismo, contribua também para o aumento do peso corporal ou mesmo o agravamento da obesidade, considerando que todo o processo fisiológico de absorção do micronutriente encontra-se prejudicado, culminando com diminuição da capacidade aeróbica do organismo (o que contribui diretamente para o ganho de peso) (COPPACK, 2001; BASTARD et al., 2006; YANOFF et al., 2007; MCCLUNG; KARL, 2009; BAGNI et al., 2011; CHENG et al., 2012).

Zinco

A relação entre o baixo consumo de zinco e a obesidade parece ser diretamente explicada pela metalotioneína. Isso porque quando as concentrações de zinco estão baixas no organismo, as concentrações de glicocorticóides passam a ser aumentadas, e esse aumento dos glicocorticóides estimula também a síntese de metalotioneína. Nessa situação, a síntese de triglicerídeos passa a ser favorecida, induzindo além da ocorrência da obesidade central, dislipidemia e esteatose hepática (MACFARLANE et al., 2008; TAKEDA; TAMANO, 2010; FERRO et al., 2011; TAKEDA et al., 2013).

Vitamina C

A vitamina C é considerada importante cofator na síntese da carnitina. A carnitina é um metabólito necessário para o transporte dos ácidos graxos no interior das mitocôndrias e a subsequente oxidação da gordura. Assim, o consumo insuficiente de vitamina C têm sido associado com oxidação de gordura reduzida, contribuindo, portanto, para a maior adiposidade corporal, doenças cardiovasculares e neoplasias (FREDRICKSON et al., 2004; GALAN et al., 2005; JOHNSTON et al., 2006; HOLT et al., 2009).

Continuação do Quadro 2

Micronutrientes Bases fisiológicas entre a deficiência do micronutriente e a obesidade

Vitamina E

Segundo a literatura, a deficiência de vitamina E tem sido associada à obesidade por dois mecanismos distintos. Primeiro, porque quando em baixos níveis no organismo pelo consumo insuficiente, a vitamina E estimula a expressão de genes associados com a obesidade, como as variantes SIRT1. Segundo, porque estudos têm encontrado entre indivíduos com deficiência de vitamina E, baixas concentrações de leptina, um hormônio chave na regulação do metabolismo energético e consequentemente da gordura corporal. Nesse sentido, concentrações reduzidas de leptina têm sido associadas com aumento do tecido adiposo, ativação da resposta inflamatória e a danos ao tecido vascular (SHEN et al., 2010; ZILLIKENS et al., 2010).

Vitamina D

De acordo com investigações acerca do tema, a deficiência de vitamina D pode estar relacionada com a adiposidade corporal por meio de vários mecanismos. Primeiro, como o metabolismo do cálcio depende da vitamina D, dados experimentais têm mostrado que na deficiência de vitamina D moderada ou grave há uma elevação do hormônio da paratireoide (PTH), o qual nesta situação parece promover um influxo de cálcio para o interior dos adipócitos e, assim, induzir a lipogênese (MCCARTY; THOMAS, 2003). Dessa forma, os baixos níveis de vitamina D contribuem para a adiposidade por meio de um desequilíbrio no metabolismo do cálcio. O segundo mecanismo envolve a solubilidade da vitamina D em gordura. Em indivíduos obesos, pode haver sequestro de metabólitos desta vitamina para os compartimentos de gordura, o que consequentemente, diminui a sua biodisponibilidade no soro. De acordo com essa hipótese, a concentração sérica da 25(OH)D (a forma de armazenamento de vitamina D) correlaciona-se diretamente com as variações na medida do tecido adiposo abdominal. Assim, a tendência é a de que em indivíduos obesos, a deficiência de vitamina D agrave este quadro, além de aumentar o risco de diabetes, doenças cardiovasculares e doenças degenerativas em adultos mais velhos (WORTSMAN et al., 2000; PETERLIK et al., 2009; SCHUCH et al., 2009; CHENG et al., 2010).

Continuação do Quadro 2

Micronutrientes Bases fisiológicas entre a deficiência do micronutriente e a obesidade

Vitamina A

A obesidade induzida pela deficiência de vitamina A parece estar diretamente relacionada ao aumento da proteína ligadora de retinol (RBP), que ocorre quando o consumo de vitamina A é insuficiente. Assim, quando em concentrações elevadas no organismo, a RBP tem sido correlacionada com aumentos no IMC, resistência à insulina, dislipidemia e hipertensão, e fortemente associada muitas vezes mais com a adiposidade visceral (GRAHAM et al., 2006; JIA et al., 2007; KLOTING et al., 2007; LEE et al., 2007; WOLF, 2007; MAKINO et al., 2009). Outros autores adicionalmente chamam também a atenção para a enzima retinol saturase, uma vez que ela também pode estimular ou inibir a lipogênese pela transcrição dos receptores proliferadores ativados de peroxissomas (PPAR). Assim, concentrações baixas de vitamina A no organismo, acabam por meio da retinol saturase favorecendo a lipogênese, e consequentemente contribuindo para o ganho de gordura corporal (MILLS; FURH; TANUMIHARDJO, 2008).

Adicionalmente ao maior risco de obesidade geral e abdominal, ainda é preciso considerar que a literatura descrita no Quadro 2, também associou o consumo inadequado de micronutrientes com a ocorrência de outras condições crônicas, como as doenças cardiovasculares, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, dislipidemias, neoplasias, entre outras. Esses achados mostram-se bastante preocupantes, sobretudo porque na atualidade, doenças crônicas como a hipertensão arterial, diabetes mellitus tipo 2 e câncer, representam as principais causas de mortalidade no Brasil, respondendo por quase 72% dos óbitos, além de onerarem significativamente o sistema público de saúde do país. Estima- se que anualmente, 3,6 bilhões de reais sejam gastos com internações e o tratamento dessas doenças crônicas no Brasil (SCHMIDT et al., 2011; RTVELADZE et al., 2013).

Diante disso, ações voltadas para a melhoria dos hábitos alimentares entre a população tornam-se fundamentais, sobretudo visando o aumento do consumo de alimentos fontes dos micronutrientes mencionados. Isso porque o aumento do consumo de micronutrientes

pela dieta, pode ser um caminho factível para ao mesmo tempo prevenir, controlar e/ou reduzir a obesidade e, por consequência, as demais desordens metabólicas associadas a ambas as condições (obesidade e deficiências de micronutrientes).

2.2.2. Avaliação do consumo alimentar de micronutrientes em