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A avaliação, em geral, pode ser definida como um processo dinâmico de observação de determinado fenômeno ou objeto, a partir de critérios específicos, com objetivo de caracterizar seu funcionamento e utilidade, verificando mudanças ou não conforme parâmetros pré- determinados. Historicamente, a prática da avaliação teve seu início no contexto da educação, com o objetivo de definir parâmetros de aprovação ou reprovação dos educandos no contexto escolar (Calvo & Henrique, 2006).

Especialmente na área da saúde, as contribuições da avaliação se estendem do trabalho gerencial ao processo de planejamento, sendo que o juízo de valor decorrente da avaliação é o que passa a ser fundamental na tomada de decisões relativas a utilização de recursos financeiros, humanos e materiais nos programas e serviços. A avaliação em saúde se define, então, como um conjunto de meios (físicos, humanos, financeiros e simbólicos) organizados em um contexto específico, em um dado momento, para produzir bens e serviços que modificarão uma situação-problema (Contrandriopoulus, 2006). Seu objetivo principal é emitir um juízo de valor, através de embasamento científico e metodologias específicas, sobre um objeto, intervenção ou programa a fim de contribuir para a tomada de decisões de implementação, recursos, continuidade das políticas públicas (Contandriopoulos, Champagne, Denis & Pineault, 1997).

Quanto às modalidades possíveis, Contandriopoulos et al. (1997) classificaram a avaliação em saúde como normativa, quando

estabelece indicadores e parâmetros a partir da aplicação de normas e critérios (como por exemplo, avaliar um programa preventivo através da Política de Atenção Integral de álcool e drogas), ou avaliativa quando é elaborada a partir da construção de modelos lógicos específicos para o objeto a ser estudado. Quanto aos componentes de análise, um dos modelos clássicos na avaliação em saúde mais utilizados é de Donabedian (2003), que contempla três dimensões cruciais para a avaliação: a) avaliação de estrutura, que verifica o grau de organização dos serviços; b) a avaliação de processo, que avalia o grau de adequabilidade das intervenções conforme padrões técnicos, a fim de orientar próximas ações; e c) a avaliação de resultado, que verifica o grau das medidas implementadas na saúde populacional a partir as modificações nos perfis epidemiológicos, obtidas através dos indicadores de resultado. Para este autor, serviços, sistemas ou programas podem ser qualificados quanto a sua eficácia, eficiência, efetividade, otimização, aceitabilidade e legitimidade (Donabedian, 2003).

Segundo Calvo & Henrique (2006) os dados levantados durante a avaliação em saúde podem ser primários (quando acessam diretamente a população pesquisada) ou secundários (se já são existentes, a partir de documentos, normativas, etc); qualitativos (quando aprofundam conhecimento do objeto de estudo) ou quantitativos (quando descrevem e analisam parcialmente o objeto). As abordagens qualitativas e quantitativas têm sido combinadas para a avaliação de programas de saúde, reconhecendo as vantagens como a objetividade e validade externa nos estudos quantitativos, e limitações como a inviabilidade de extrapolar resultados para outras realidades no caso dos qualitativos, tidos como subjetivos e inerentes ao contexto (Santos & Victoria, 2004). Cabe ressaltar que o sentido da avaliação sofre modificações quanto ao contexto e objeto em que é construída, bem como a importância de se delimitar o tempo específico em que ocorre a pesquisa avaliativa (Calvo & Henrique, 2006). A experimentação da eficácia de novos programas ou estratégias e a avaliação da qualidade dos serviços constituem subsídios essenciais para políticas de saúde baseadas em evidências (Santos & Victoria, 2004). Para a avaliação dos programas preventivos, se faz necessário a identificação de abordagens e modelos teórico-metodológicos adequados, capazes de oferecer descrições detalhadas, comparação e valor dos efeitos dessas intervenções (Cruz & Monteiro, 2007). Assim, a avaliação em saúde é ferramenta indispensável para o aprimoramento das ações, além de garantir subsídios para a tomada de ações na construção de políticas públicas.

Ainda que a prevenção do uso abusivo de drogas seja uma das prioridades nas políticas públicas no contexto brasileiro e tenha incentivado a construção de programas preventivos e de promoção de saúde neste campo (Brasil, 2003; 2009), é necessário avaliar a efetividade dos programas preventivos através de um conjunto de ações coordenadas, baseadas em evidências científicas e que atendam às demandas da realidade. Neste sentido, a avaliação em saúde tem sido uma prática legitimada na construção de evidências de efetividade para os programas preventivos, através do rigor metodológico, criterioso e legitimado pela participação de todos os atores envolvidos no processo, propondo-se que deva abranger todas as fases de implementação dos programas preventivos (Brasil, 2006; 2011).

A necessidade de avaliação dos programas preventivos de forma sistemática e sustentada cientificamente é uma condição urgente e atual em relação aos programas preventivos, especialmente no contexto brasileiro. Diversos autores apontaram as insuficiências das ações preventivas ao uso de drogas realizadas no contexto brasileiro, marcadas principalmente pela descontinuidade e falta de parâmetros e critérios de avaliação dos programas (Canoletti & Soares, 2005), a reprodução acrítica de modelos internacionais sem considerar aspectos contextuais (Bucher, 2007), além da falta de diálogo entre as práticas preventivas desenvolvidas e os gestores públicos, demonstrando insuficiência de implicação das ações em políticas públicas (Noto & Galduróz, 1999).

Essas críticas demonstram a necessidade de se construir uma cultura avaliativa (Contrandiopoulos, 2006) que permita consolidar os parâmetros necessários para se avaliar programas adequados a realidade brasileira, seus graus de eficácia, eficiência e efetividade quanto aos objetivos a serem alcançados, além de subsídios claros para a tomada de decisões em políticas públicas na prevenção ao uso de drogas. Isso também corrobora com o estudo de Abreu (2012b) acerca do estado da arte das ações preventivas em saúde mental no contexto brasileiro, demonstrando a descontinuidade das práticas e programas desenvolvidos em políticas públicas e da necessidade urgente de se desenvolver uma agenda programática de avaliação dos programas preventivos, a fim de garantir resultados consistentes na área.

De acordo com a literatura internacional, as avaliações de efetividade de programas em saúde têm proposto estudos randomizados, a partir de delineamentos experimentais ou quasi-experimentais, com objetivo de compreender as relações causais entre implementação de um programa e um determinado indicador de resultado (Becoña, 2002). Os desenhos quasi-experimentais são mais indicados para a avaliação dos

programas preventivos escolares, já que permitem maior controle de variáveis intervenientes e de comparação de resultados (no caso, a redução da vulnerabilidade e dos fatores de risco ao uso de drogas), de acordo com a sua aproximação de condições experimentais. Os ensaios clínicos randomizados, considerados o “padrão-ouro” de projetos preventivos internacionais, têm maior validade interna, pois são considerados menos vulneráveis aos potenciais vieses (ameaças à validade interna), ou seja, explicações alternativas para os resultados. São também estes desenhos que garantem grupos comparáveis, uma vez que todos os potenciais fatores intervenientes (incluindo os desconhecidos ou não observáveis) são igualmente distribuídos em ambos os grupos (West, Duan & Pequenat, 2008).

Revisões sistemáticas como de Foxcroft e Tsertsvadze (2012) e Faggiano et al. (2008) estabeleceram os ensaios randomizados e controlados, na avaliação de resultados dos programas, como o padrão- ouro metodológico a ser atingido pelos pesquisadores no campo da prevenção ao uso de drogas. De acordo com estas revisões, há evidências importantes a serem consideradas acerca dos programas preventivos ao uso abusivo de drogas, legitimando a importância de desenvolver metodologias interativas focadas no conhecimento e crenças normativas sobre o uso de drogas, além de habilidades de recusa e de enfrentamento, bem como “de vida”, como a assertividade, tomadas de decisão e resolução de problemas.

Portanto, há consenso que os programas preventivos ao uso abusivo de drogas sejam estruturados por diferentes componentes pedagógicos capazes de desenvolver habilidades ao seu público-alvo, bem como seja desenvolvido por metodologias preferencialmente interativas (Faggiano et al., 2008). No entanto, como bem afirmam Uhls e Ives (2010), ainda que existam evidências na produção do conhecimento avaliativo acerca dos resultados da efetividade e a transposição de programas preventivos para outros contextos culturais seja uma prática valorizada, há pouca produção científica sobre os mecanismos atuantes na adaptação, aceitabilidade e adequabilidade destes programas em diferentes contextos.

Intervenções complexas como a implementação de programas preventivos ao uso abusivo de drogas, onde há a implicação de dimensões contextuais importantes sobre os tipos de droga e padrões de uso (Ulhs & Ives, 2010), exigem delineamentos avaliativos complexos, que vão além da garantia dos resultados. Isso indica a necessidade de compreender o processo de implementação dos programas nas diversas esferas contextuais de aplicação (Nastasi & Hitchcock, 2009).

Neste sentido, as pesquisas avaliativas do processo são capazes de fornecer informações relevantes dos componentes específicos que estão em jogo na implementação dos programas em determinados contextos (Dusenbury et al., 2003). Pretende-se argumentar a importância dos estudos avaliativos do processo de implementação, bem como a relevância destes estudos na aplicação dos programas preventivos.