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2. Avaliação Invasiva Da Microcirculação Coronária

2.3 A avaliação da resistência microvascular

A avaliação funcional da circulação coronária durante a cateterização cardíaca faz hoje parte da atividade habitual do Laboratório de Hemodinâmica e Cardiologia de Intervenção, sendo possível determinar a pressão existente em vários níveis da circulação e o fluxo de sangue que perfunde os vasos num determinado momento.

Tal como está expresso na Lei Física de Ohm, a resistência é o resultado do gradiente de pressões a dividir pelo fluxo, sendo este a quantidade de sangue por unidade de tempo que passa por uma secção transversal de um

vaso, = ( − ê , − ç õ , − ) . Num

sentido mais lato, a resistência vascular é o obstáculo proporcionado por um vaso ao fluxo nele contido. A medida da resistência depende pois da intensidade do fluxo e da diferença de pressão ente as extremidades de um vaso e o seu valor não é direto mas apenas relativo.

A circulação coronária é influenciada por duas resistências fisiopatológicas: as motivadas pela presença de estenoses dos vasos epicárdicos; e as da disfunção microvascular 338. A prática clínica está sobretudo focada na

doença coronária epicárdica, pelo que é compreensível que os primeiros parâmetros a serem estudados tenham sido relacionados com esta.

O fluxo fracionado de reserva do miocárdio (FFR) é a razão da pressão média distal à estenose com a pressão média da aorta durante a vasodilatação máxima induzida farmacologicamente. O valor de FFR multiplicado por 100 é igual à percentagem de sangue que irriga aquela região do miocárdio em comparação com a que se verificaria se a coronária fosse normal. A determinação do FFR é hoje de grande auxílio na determinação do significado funcional das lesões coronárias, estando validada por vários estudos e a sua utilização encontra-se em franca expansão 339,340.

A reserva de fluxo coronário (RFC) é o aumento máximo do fluxo sanguíneo (durante fase de vasodilatação máxima ou de hiperémia) acima do que está presente em repouso. A sua avaliação requere a determinação da velocidade do fluxo coronário, realizada por Doppler ou por termodiluição, embora também seja possível a utilização de índices semiquantitativos da perfusão coronária para obter uma razão equivalente 341. A RFC tem a desvantagem de não ser independente das condições hemodinâmicas de base e de fornecer informação sobre o estado da circulação epicárdica e da microcirculação, não sendo possível diferenciá-las 338,342. Estas são

importantes limitações para a sua utilização no estudo da microcirculação.

A melhor forma de estudar a microcirculação consiste em avaliar a sua resistência. O estudo invasivo da resistência da microcirculação pode ser efetuado de forma global ou regional. Na primeira, o fluxo sanguíneo de todo o coração é determinado através da cateterização seletiva do seio coronário e da técnica de termodiluição. Para a avaliação regional é necessário a cateterização seletiva de uma das coronárias com fios intracoronários com

capacidade específicas – de Doppler ou de avaliação térmica (para termodiluição).

Com um fio específico de Doppler intracoronário mede-se a velocidade do fluxo coronário, sendo necessário também conhecer a área do vaso para a determinação do volume de sangue, o que pode ser conseguido por quantificação angiográfica ou ecografia intracoronária. A razão entre a pressão distal média, durante a fase de hiperémia, e a média da velocidade de pico distal é denominada de Resistência Microvascular hiperémica (RMh).

Com a técnica de termodiluição determina-se o índice de resistência da microcirculação (IRM), o qual foi já validado e ultrapassa as limitações da RFC (Figura 8). Além disso, o IRM baseia-se na tecnologia de fio guia de pressões, utilizada atualmente de forma corrente na prática clinica, ao contrário do Doppler intracoronário 343. Este índice é avaliado durante uma fase de fluxo máximo e é definido pela pressão coronária distal média (Pd) dividida pelo inverso do tempo médio de trânsito (Tmn) durante a fase de hiperémia, ! = "

#$%&'. O tempo médio de trânsito é determinado por

termodiluição (Figura 8). Uma injeção intracoronária de 3 ml de soro à temperatura ambiente através do cateter, provoca uma variação térmica, a qual é detetada pela parte proximal do fio guia de pressões (que funciona como termístor proximal). De seguida, o soro flui pela coronária até ao termístor distal onde novamente se assinala a mudança térmica. Medindo-se o tempo que o soro percorreu desde o sensor proximal ao distal, em várias injeções, temos o tempo médio de trânsito. O IRM é reprodutível e independente da frequência cardíaca, da pressão sanguínea e da contractilidade cardíaca 344.

Figura 8 – Ilustração da ava A – Aorta e artéria descend esquerda e fio guia no inter cateter funciona como termís distal.

a avaliação do Índice de Resistência da Microcirc scendente anterior. B- Cateterização seletiva d interior da descendente anterior. A porção do gu o termístor proximal e o sensor de pressão distal é

rocirculação. tiva da coronária ção do guia à saída do o distal é o termístor

Figura 8 (cont.) – Ilustr Microcirculação. C – Inje ambiente. D- Determinação termístor proximal e, após o detetada no termístor distal pressão coronária distal médi valor pelo inverso do Tmn

Ilustração da avaliação do Índice de Res Injeção intracoronária de soro salino à t inação do índice. A alteração da temperatura é após o soro percorrer a descendente anterior, or distal, medindo-se assim o tempo médio de trânsi distal média (Pd) é avaliada pelo sensor de pressão, e a

é o Índice de Resistência da Microcirculação.

Resistência da à temperatura ratura é detetada no nterior, é novamente de trânsito (Tmn). A essão, e a razão desse

Um passo chave para a correta avaliação do IRM consiste na indução da hiperemia máxima, que é o resultado da vasodilatação generalizada da árvore coronária. Para a obtenção desta vasodilatação são utilizados fármacos vasodilatadores dos pequenos vasos, sendo a adenosina intravenosa e a papaverina intracoronária os mais eficazes 345. Contudo, os

estudos em animais têm utilizado doses diversas destes fármacos, não estando ainda definida qual a dose correta ou se existe um efeito de dose/tempo a ser considerado na interpretação dos seus resultados.

Um intervalo de referência para o IRM em indivíduos normais foi recentemente estabelecido entre 8.9 e 22.7 U, com um valor médio de 12.6 U

346. Na presença de fatores de risco cardiovascular e na doença coronária

estável o IRM reportado é superior, com um valor médio de cerca de 25 U

344,347. No contexto de EAM, foi demonstrado que o valor limite de 32 U é

predizente da recuperação miocárdica após o evento agudo 348.