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1. Terapia Celular Em Cardiologia – O Estado Da Arte

1.3 Células Estaminais E Medicina Regenerativa

1.3.7 Células estaminais cardíacas

A capacidade de regenerar de forma completa vários tecidos e órgãos, incluído o coração, está perfeitamente estabelecida para algumas subespécies de salamandras e para o peixe zebra. O mesmo acontece para os mamíferos na sua fase embrionária ou neonatal. Contudo, é certo que esta capacidade se esvanece durante o desenvolvimento da fase adulta. Nos mamíferos adultos o coração faz parte dos órgãos classificados como tendo baixa capacidade regenerativa, juntamente com o rim, pâncreas e tecido nervoso 177.

Como já referido, até há poucos anos acreditava-se que o coração fazia parte de um conjunto de órgãos pós-mitóticos e sem capacidade de renovação. Algumas descobertas recentes puseram em causa este conceito de várias formas:

a) os cardiomiócitos adultos são capazes de regressar ao ciclo celular e proliferar em resposta a estímulos relacionados com uma agressão ou sobrecarga cardíaca, no que parece ser parte de um processo de reparação endógena, infelizmente insuficiente in vivo 178–180.

mostrou que à semelhança do que atualmente se acredita que acontece nos outros órgãos, existe uma contínua perda celular ao longo da vida, que ultrapassa largamente o número de células presentes no coração na idade adulta e o que implica um necessário processo contínuo de renovação celular

103,181;

c) a descoberta de corações quiméricos após transplante cardíaco, com células do recetor a fazer parte da constituição do coração dador, parece também indicar que houve células capazes de migrar (dos resquícios auriculares ou eventualmente da própria medula óssea), diferenciarem-se, em cardiomiócitos ou células endoteliais e integrarem o tecido dador 182,183;

d) mais recentemente e num estudo muito interessante, foi demonstrado através do nível de incorporação no ADN celular de elementos com carbono 14, presente na biosfera como resultado dos testes nucleares até à sua interdição em 1962, que os cardiomiócitos presentes no coração adulto têm idades diferentes e não foram todos gerados durante a fase embrionária, mas também durante a vida adulta 184.

As explicações para a origem das células responsáveis por esta renovação cardíaca passam pela já referida migração para o coração de células estaminais da medula óssea e pela eventual desdiferenciação e proliferação dos cardiomiócitos residentes, originando células novas 185. Acredita-se também que este é o resultado, pelo menos em parte, da existência de células estaminais no coração com capacidade para se diferenciarem nas várias células que constituem o miocárdio – as células estaminais cardíacas (CEC).

Nos últimos 10 anos foram identificados vários tipos de CEC, representando uma vez mais um grupo heterogéneo de células, todas com capacidade de autorrenovação, clonogenicidade e multipotência. As CEC são nomeadas pela sua forma de as identificar e isolar 186. Assim temos as CEC c-Kit+, que

possuem este recetor na sua superfície; as CEC Sca-1+, portadoras do

antigénio de célula estaminal; as CEC da população lateral (side population), com propriedades que as fazem surgir “ao lado” nas análises por citometria

de fluxo; e as CEC derivadas de cardioesferas, capazes de crescerem em meios de cultura, formando conjuntos esféricos de células em suspensão. Alguns autores levantam a hipótese de estes vários tipos de CEC não serem mais de que diferentes fases de maturação de uma célula única 187.

Estudos em animais mostraram que após uma agressão cardíaca, as CEC endógenas são ativadas e mobilizadas para a região da lesão, onde são capazes de proliferar e de se diferenciar em cardiomiócitos, células musculares lisas e células do endotélio vascular 188,189. Apesar de tal não

acontecer com a magnitude suficiente para se observar uma reparação expressiva do coração, existe a esperança que uma vez esclarecidos estes mecanismos, seja possível a ampliação deste processo de regeneração endógena, de forma a ter tradução terapêutica.

A avaliação pré-clínica da segurança e do potencial terapêutico do transplante de CEC teve resultados interessantes em modelos de doença cardíaca. Em roedores demonstrou-se nos anos mais recentes a capacidade dos vários tipos de CEC em se fixar no coração, aumentar o seu número e originar células das principais linhas celulares cardíacas 104,190. Em alguns destes estudos também foi evidenciado um benefício na função cardíaca após a provocação de uma lesão isquémica, com a melhoria da função sistólica do ventrículo esquerdo, a diminuição das dimensões ventriculares e a redução das dimensões de enfarte 191,192. Outra evidência destes estudos pré-clínicos é que não parece haver superioridade de nenhum tipo específico de CEC em relação aos outros, quantos aos seus efeitos na regeneração e melhoria da função do coração 186.

A transplantação de CEC em modelos animais de grande porte tem sido avaliada de forma menos intensa em comparação com os estudos com roedores. Os seus resultados têm mantido o interesse no efeito terapêutico destas células, sobretudo as CEC c-Kit+ e as CEC derivadas de cardioesferas 193–195. Para a entrega das células têm sido utilizadas a via intracoronária e a

ocorrência de regeneração miocárdica e uma melhoria na função ventricular esquerda, embora por vezes não significativa, o que tem sido explicado pelo pequeno número de células que se fixam e sobrevivem no coração 196. Em modelos de enfarte do miocárdio também foi observada a redução da cicatriz de enfarte 193. Igualmente importante é a ausência de formação de neoplasias, de tecido ectópico, de disritmias ou de outros aspetos relacionados com a segurança das estratégias utilizadas.