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1. Terapia Celular Em Cardiologia – O Estado Da Arte

1.3 Células Estaminais E Medicina Regenerativa

1.3.5 Células estaminais hematopoiéticas

As células estaminais hematopoiéticas (CEH) são as responsáveis pela formação das células do sangue e do sistema imunitário. São hoje utilizadas em Medicina no tratamento de mais de 30 doenças hematológicas e oncológicas, desde que na década de 50 do século passado foi reconhecida a sua capacidade de substituir o componente celular da medula óssea 133,134.

No presente, a colheita de CEH faz parte da atividade clínica habitual em várias áreas médicas. Estas células são fáceis de obter num número elevado, através de um simples aspirado de medula óssea ou da aferese do sangue periférico, após a sua mobilização com citocinas como o fator de estimulação de colónias de granulócitos (G-CSF). Não necessitam de uma extensa manipulação ex vivo, o que limita o risco de contaminação, de perda de viabilidade das células ou de alterações genéticas. O seu uso não se associa a questões éticas, e as questões legais ou regulatórias estão facilitadas pela sua presença na prática clínica atual.

Apesar da sua extensa utilização e intensa investigação algumas dificuldades persistem. As CEH crescem em cultura assemelhando-se a glóbulos brancos e a sua diferenciação e correta identificação baseiam-se em marcadores da superfície celular como o CD34 e CD133 135. Estes marcadores estão presentes nas CEH e desaparecem com a diferenciação celular, permitindo a sua separação, mas através de um processo de citometria de fluxo complexo e dispendioso - separador de células ativadas por fluorescência. Estes marcadores não são específicos e o resultado desta separação é um conjunto heterogéneo de células estaminais, de células progenitoras e de outras sem capacidade proliferativa. Por outro lado, e paradoxalmente tendo em conta o grande número obtido durante a sua colheita, a cultura e expansão das CEH é ainda difícil e pouco eficaz 136.

Tendo presente estas dificuldades em selecionar as CEH da medula óssea, muitos estudos têm utilizado a população não fracionada de células mononucleares, ou seja as células do aspirado que permanecem após a simples separação por gradiente de densidade dos eritrócitos e das células polimorfonucleares. Esta população é bastante heterogénea sendo composta por 2 a 4 % de CEH em vários estádios de maturidade, por outras células estaminais ou progenitoras não hematopoiéticas (em muito menor número) e por células diferenciadas como linfócitos, monócitos e macrófagos 137,138. A denominação de CEH tem sido frequentemente, e de forma incorreta, utilizada em sobreposição com as células mononucleares derivadas da medula óssea (CMNMO). Ao utilizar-se estas últimas, o que se faz é a administração de um vasto conjunto de células, algumas com funções e interações ainda não completamente esclarecidas.

Outros investigadores utilizaram a técnica de separação das células ativadas por fluorescência, para obter uma população mais homogénea e com maior concentração de CEH, embora com acréscimo considerável do custo e complexidade como já referido, e perdendo uma fração celular que pode por

si só, ou pela complexa e ainda não compreendida relação intercelular, ter um papel terapêutico importante.

A descoberta na medula óssea de células que expressam marcadores de células cardíacas indiferenciadas, a sua mobilização no contexto de enfarte para a circulação periférica e o seu alojamento no coração parecem indicar um papel das CEH na reparação cardíaca após uma agressão 139,140. Embora

tenha sido possível observar transdiferenciação in vitro das CEH em cardiomiócitos, a sua ocorrência in vivo é controversa e não acontece com a expressão necessária à regeneração miocárdica com significado clínico.

Os estudos em ratos com enfarte do miocárdio, provocado pela laqueação da descendente anterior, divergiram quanto à capacidade das células derivadas da medula óssea em promover a regeneração miocárdica ou a vasculogénese, com alguns a mostrar estes benefícios após o transplante celular 99,100,141,142 e outros a reportar resultados neutros 101,143,144. Esta discrepância realça sobretudo a importância da aplicação rigorosa de metodologias com aceitação generalizada e replicáveis por outros grupos de investigação.

Num estudo de transplantação de CMNMO humanas após enfarte e utilizando o suíno como modelo animal de grande porte, observou-se a existência de uma melhoria da perfusão do miocárdio e da função ventricular, acompanhadas da redução da dimensão do enfarte 145. Mais interessante, constatou-se a presença de células humanas na parede de um terço dos novos capilares formados na área peri-enfarte, demonstrando a sua incorporação no tecido recetor. Este estudo foi seguido por outros com metodologia semelhante, que também demostraram o benefício do transplante autólogo, observando-se um aumento da densidade capilar e da função sistólica e uma melhoria da remodelação ventricular 146,147.

Nos estudos clínicos tem sido constatada uma tendência para o benefício do transplante de células derivadas da medula óssea, em particular na sua

forma não fracionada e sobretudo no contexto de EAM. No entanto, sabe-se que apenas um número muito reduzido de células fica retido no tecido cardíaco após a sua administração, e dessas, a maioria não resiste às condições de isquémia e aos processos inflamatórios locais 148,149. Este fato, associado à já referida ausência de transdiferenciação em células do tecido cardíaco, levou a que fosse proposto que o benefício do transplante das CMNMO seja o resultado de efeitos parácrinos.

Segundo a hipótese da atividade parácrina, o transplante das células tinha como efeito final a administração de um conjunto de citocinas e fatores de crescimento com benefício na inflamação, na isquémia, na apoptose e na ativação dos mecanismos de regeneração endógena do miocárdio (Figura 3)

150,151. Desta forma as células passaram também a despertar o interesse da

indústria farmacêutica, que mantendo uma abordagem mais convencional investe na procura de moléculas derivadas das células com benefício clínico.

Figura 3 – Fatores parácrinos das células estaminais e os seus potenciais efeitos. Ang – Angiopeitina; bFG – basic fibroblast growth factor; FGF - Fibroblast growth factors; HGF - Hepatocyte growth factor;HLA - Human leukocyte antigen; ILG - Insulin- like growth factor; IL- Interleucina; LIF - Leukemia inhibitory factor; MMP - Matrix metalloproteinases; P1GF - Placenta growth factor; PDGF - Platelet-derived growth factor; TGF - Transforming growth factor beta; TIMP - Tissue inhibitor of metalloproteinases; TNF - Tumor necrosis factor; VEGF -Vascular endothelial growth factor