• Nenhum resultado encontrado

ENTRE OS AVANÇOS E OS LIMITES: as repercussões do programa na ótica dos principais atores programa na ótica dos principais atores

a construção do pensamento crítico/reflexivo do alunado, a sua sociabilidade e a elevação de sua auto-estima.

CAPÍTULO 6 ENTRE OS AVANÇOS E OS LIMITES: as repercussões do programa na ótica dos principais atores programa na ótica dos principais atores

A experiência de participação, ensaiada nas escolas da Rede Municipal de Educação de Olinda, com as crianças do Ensino Fundamental afirma a idéia da participação enquanto um princípio, um valor, que exige uma tomada de posição, uma ação co-planejada, compartilhada, refletida. Por isso, não pode ser apenas ensinada, mas vivenciada, experimentada cotidianamente e sempre guiada/orientada pelo educador, pois as crianças participam em seus diferentes níveis, o que, por sua vez, exige vários tipos de estratégias metodológicas, de apoio, de acompanhamento por parte dos coautores mais experientes.

Um acompanhamento que, como ensina Freire, “não é assistir, mas sim interferir, questionar, problematizar, germinando mudanças” (FREIRE, apud CECCON, 2009, p. 56) e uma prática que oriente, “que leve a reflexão ao invés de decidir pela criança, que apresente propostas em vez de interferir no processo criativo, que crie espaços onde todos possam se expressar, ouvindo, concordando/discordando, criticando ou aplaudindo‟ (LARA apud CECCON, 2009, p. 57).

Essa compreensão é fundamental, pois remete à dimensão pedagógica da participação, ou seja, a criança deixa de ser simplesmente destinatária do conhecimento, já que o exercício da participação lhe confere sentido/autoria à sua aprendizagem.

Postas estas reflexões, a seguir poderemos ver o que nos dizem as próprias crianças, sobre suas vivências participativas.

6.1 – A participação da criança, por ela própria

Interessa-nos esclarecer que o olhar da própria criança, a respeito dela mesma e sobre o seu cotidiano, expressa as possibilidades latentes de aprendizados e ensinamentos, desde o tom de voz, a postura diante dos adultos, até a desenvoltura na

expressão de suas idéias. É a criança que está a dizer:

“Veja! Se tiver acontecendo qualquer coisa, a gente tem o direito de dar a nossa opinião e a escola é aberta para escutar os alunos” (C-C).

“Participar é fazer as tarefas... é quando sai para brincar na praça com a professora, é quando a gente faz o Programa Saúde na Escola (aprende que saúde é a gente acordar, levantar, tomar banho, brincar, escovar os dentes)...” (C–A).

“Participar é não ficar só, é para que um ajude o outro de forma unida. É interagir, é aprender com os outros. Aqui na escola, a gente pode dar a nossa opinião, dizer o que quer melhorar, dizer o que não tá bom” (C-C). “Participar é fazer todas as tarefas que têm na escola. E, também, do campeonato de futebol feminino, dos passeios, da recreação, das atividades do Mais Educação e de muitas coisas que acontece (sic)” (C-B).

Os depoimentos também expressam uma compreensão ampliada de que a participação atravessa os diferentes contextos escolares, as atividades pedagógicas, os momentos de lazer, o esporte e as atividades artísticas. É a própria criança a ensinar que não existe meia participação. No seu dizer, a participação já é a medida completa do conjunto das experiências vividas.

A ação transformadora da participação também foi percebida na fala das crianças, quando juntas comunicam algumas conquistas, frutos de uma ação planejada, conversada:

“A gente pediu para reformar a escola, pintar, ajeitar o banheiro das meninas... Foi quando o prefeito fez a reforma. Precisa, agora, reformar a outra escola [o anexo]” (C-B).

“A gente quando vai para esses lugares que tem o pessoal da Prefeitura, da Educação... a gente fala com eles, fala com a secretária, fala com o prefeito. A gente não consegue tudo [o que pede], mas consegue algumas coisas... Hoje de manhã, o vice-prefeito tava lá na festa do prêmio Saúde na Escola” (C-A).

“Quando for aumentar a escola, (porque quando fizemos a „trilha ecológica educadora‟, a professora ensinou que essas casas, esses colégios por aqui,

não podem ser derrubados, não pode construir para modificar por causa do patrimônio) tem que saber se pode e como pode fazer para aumentar a escola” (C-C).

“Aqui tem mais criatividade na hora das atividades. Várias coisas a professora orienta para nós. Quando a gente chegou, no começo do ano, a professora ensinou para a gente sobre participação” (C-C).

A vivência da participação possibilita às crianças perceberem que a ação voltada para o coletivo requer ir além das reivindicações apresentadas pelos sujeitos que vivem a problemática real, mas, sobretudo, entender o poder da organização, a força da coletividade, as possibilidades e os limites da atuação e outras percepções importantes à compreensão do viver e conviver em coletividade, em sociedade.

Na prática transformadora, os processos de intervenção são crescentes e se ampliam conforme a capacidade de pensar, planejar, realizar juntos, fortalecendo, assim, os aprendizados, a percepção dos limites e a possibilidade de atuação no cotidiano escolar e para além dele, o que desafia educadores e educandos a romperem fronteiras da comunidade e se reconhecerem no território da cidade.

Cabe aqui a confirmação de que as crianças, além de entusiastas, têm muita vitalidade para as ações coletivas e, quando o ambiente de vivências/convivências é favorável à participação, elas demonstram, com prazer, suas idéias, suas proposições, suas expectativas acerca da sua própria vida, da vida na escola e na cidade.

6.2 – A participação das crianças, pelos professores/ educadores

Outro aspecto comum assinalado pelos sujeitos é o de que o ambiente precisa ser estruturado. Os adultos devem ser melhor preparados, para que as crianças sintam-se incluídas, motivadas, consultadas para, de forma voluntária, se envolverem. Essa adesão espontânea, essa liberdade de escolha, esse convite, parece ser fundamental para o bom desenvolvimento do Programa e da gestão democrática como um todo. Assim, a intenção pedagógica coerente, do adulto mais experiente, tende a contribuir para introduzir a criança nos processos participativos, permitindo que ela exercite o seu querer, deseje participar, ou não, das atividades, e que, também, seja respeitada por suas escolhas, até porque, como afirma Paro,

Na produção pedagógica, temos um objeto que também é sujeito, posto que se trata de um ser humano, dotado de vontade. E eis aí uma das peculiaridades mais importantes deste processo de trabalho: ele não pode dar-se a revelia do objeto. Seu objeto-sujeito precisa querer para que a produção se realize. Se o aluno não quiser o aprendizado não se dará (PARO, apud BASTOS, 2001, p. 64).

A seguir, o depoimento dos educadores, a esse respeito:

“O pontapé inicial é envolver os alunos. Envolvê-los em todas as atividades da escola. Consultá-los sempre: „O que vocês querem trazer de novo para ser apresentado nesse momento?‟ „Como vocês querem fazer?‟ Uma vez eu estava em dúvida sobre como deveria ser o nome do projeto. Então, eu resolvi perguntar a eles: „Como vocês querem o nome do projeto‟? Então, cada um foi dando uma idéia e se chegou ao nome do projeto” (AP-C). “É deixar as crianças bem livres e ficar junto, dando as diretrizes” (D-B). “Às vezes, também há o medo de se expor, pois, a partir do momento que você trata a criança com igualdade de participação, tem quem ache que você vai ter menos autoridade dentro do espaço. E isso não acontece. Na verdade, a gente ganha aliados. E, enquanto eu puder incluir as crianças nas atividades que valem a pena para elas participarem, vou continuar investindo” (D-A).

“Eu acho que essa cultura da participação começa na sala de aula com os alunos e o professor. Não é tão fácil que se comece assim, já fazendo tudo... vai se conquistando a cada dia, respeitando a fala do outro, respeitando a opinião do outro... Não tem uma receita. Cada professor vai descobrindo junto com sua turma” (P-C).

“Eu aprendi a impulsionar eles pra trazerem o que têm em casa. A semana que vem, mesmo, é a semana do folclore e eu pedi para eles, que são os maiores (2º ano do 2º ciclo), para fazerem as danças. São eles que vão organizar os ensaios das danças do côco, do maracatu, do xaxado... Vão preparar tudo; até os que não dançam, ficam de fora olhando e opinam, tomam decisões para melhorar a apresentação. (...) Eles escolheram, desde o título, votaram e, é claro, que o interesse aumenta. E o interesse deles de estar envolvido, de fazer parte, isso é o principal” (P-A).

“Os adultos aprendem, com certeza, pois as crianças trazem o mundo delas para dentro da escola. E os professores vão aprendendo e ensinando, juntamente com eles. É um aprendizado novo, diferente... Tanto pra gente quanto pra eles” (P-B).

As experiências relatadas contribuem para a quebra de alguns mitos, a ruptura com antigos paradigmas que delineavam uma cultura pedagógica tradicionalista, dirigida. Em seu lugar, os professores expressam novos valores, como a participação, a coautoria das crianças em meio a uma relação mais horizontal, de mais companheirismo e respeito mútuo, como expressa a fala da assistente pedagógica da Escola “C”: “Agora mesmo, na Semana do Folclore, cada sala vai apresentar do jeito que escolheu, o que gosta de dançar, de cantar, de poetizar”.

O papel do adulto também é citado como o do sujeito que guarda maior experiência e, por isso mesmo, espera-se dele autoridade (que difere de autoritarismo) na condução das atividades, assim como a abertura gradativa dos espaços de participação e o respeito ao ritmo de aprendizagem de cada aluno.

“Aqui as crianças têm uma abertura melhor. Elas se sentem livres até demais para falar. E, às vezes, temos que controlar isso. Mas, elas se sentem bem em participar e valorizar a participação espontânea dos meus alunos. (...) O aluno, às vezes, confunde, e pode achar que „agora eu vou fazer o que eu quero‟. E não é assim. É preciso dar todas as informações para as crianças participarem, mas não é para gritarem, para bagunçarem. Tem que investir na conscientização deles. Eu mesmo fui abrindo espaço para eles, devagar, para eles irem se acostumando aos poucos” (P-A). “É um aprendizado novo, diferente... tanto pra gente quanto pra eles. (...) Primeiramente, conhecer as escolas, a comunidade escolar... muitas vezes pensamos projetos completamente diferentes da realidade deles. A mesma coisa acontece com as crianças. Querem piscina, campos de futebol... fazem propostas, projetos muito além da realidade possível. E só há crescimento, com esse aprendizado junto” (P – B).

Assim, o adulto tem importante papel na liderança de um processo de mobilização e conscientização em que a participação, enquanto um direito/um princípio democrático da criança, requer uma orientação coerente por parte dos educadores, pois

seu exercício (como dos demais atores envolvidos no projeto educativo) é processual e demanda uma reflexão e uma revisão permanente dos caminhos trilhados. Além, é claro, do amadurecimento gradual e crescente de todos na compreensão da criança, em suas formas próprias de se inserir, de se relacionar e de interpretar o mundo.

Outra percepção importante, fruto desta análise, é a de que o exercício da participação possibilita a construção democrática de regras e normas acordadas e respeitadas coletivamente, conforme depoimentos abaixo:

“A escola, a que eu estudei antes, não tinha regras conversadas, não. Quando a gente chegava, já tinha uma cartolina pregada na parede com as regras. Era a diretora que fazia... e era muito rígida. A professora já dizia: quando a diretora chegar aqui, só quem vai falar é ela. Aí, a gente não podia dizer, do que ela falou, o que a gente não entendeu... porque era proibido. Só quem falava era ela. ... Isso não existe...” (C-C).

“Nas regras de convivência da escola (aponta para um cartaz na parede) a gente escreve que não pode falar palavrão, que não pode sujar a sala, que é para escutar quando o outro está falando” (C–A).

“A gente gosta de fazer as tarefas de brincar, dos passeios (de ônibus e a pé pela comunidade), de poder falar... Mas, na sala de aula, tem que ter o tom de voz (não pode gritar)” (C-B).

As falas remetem para um papel fundamental da educação em seu processo de formação para a cidadania, que é a possibilidade do estudante, desde criança, incorporar valores, mensagens, códigos, por meio de um aprendizado que se realiza “por dentro”, interiorizado por opção, com compreensão e através de escolhas coletivas. Educandos e educadores projetam ações e fazem juntos, propiciando que os mais experientes orientem os menos experientes que, inicialmente, fazem com ajuda o que farão com autonomia cada vez maior, na adolescência, na juventude, na idade adulta.

Assim, educadores e educandos, com papéis diferentes, com identidades próprias que não se misturam, mas se complementam/se conjugam com flexibilidade, firmeza, paciência, respeito, cooperação, incentivo e valorização de cada um, são convidados a construir, a partir da escola, uma democracia participativa, que extrapola o texto legal.

6.3 – A participação das crianças pelas famílias/comunidades

Este estudo tem demonstrado que a participação vai além de simples incentivo para as crianças aderirem a certas atividades coletivas. Elas, desde cedo já podem ser incorporadas no exercício inicial e gradativo de planejamento de certas atividades em grupos, de tomada de decisões coletivas, de avaliações da rotina doméstica, escolar, comunitária.

Mas, para tanto, é importante compreender os seus repertórios socioculturais, suas linguagens, suas formas de se relacionar, os papéis assumidos nos seus lares e nas suas comunidades, seus vínculos familiares, sua rotina de vida e de brincadeiras, com suas temáticas mais relevantes.

Ao possibilitar esse encontro multicultural, no qual a cultura escolar se articula à cultura familiar/comunitária, e vice versa, pais, mães, avós, moradores do entorno das escolas analisadas, mostraram que essa conexão, quando acontece de forma respeitosa e voltada para o crescimento pessoal/social das crianças e para a melhoria do bairro/da cidade como um todo, a experiência é frutífera e capacita a todos para uma participação mais qualificada, para uma tomada de decisões baseada em valores não apenas escutados/lidos, mas, principalmente, vivenciados e congregados no corpo social que forma a comunidade escolar.

“Eles conseguem... Como é que eu posso falar?... Eles conseguem chegar junto das pessoas e falar, sem ter vergonha. Eu sinto que eles estão sendo instruídos para isso, aqui dentro. Eles conseguem perceber, com facilidade, as melhorias que a escola está precisando. Participam mais, observam mais... Eu estou achando isso muito ótimo” (Fm/Cm-A).

“Para os professores, o importante é que, quando os alunos falam sobre a realidade deles, a gente passa a conhecer mais o cotidiano de vida deles. Para os pais e a comunidade, a mesma coisa. Eles passam a conhecer mais o que acontece na escola... pelos próprios filhos” (P-B).

“A minha filha está muito conversadora. Quer participar de tudo. As professoras são muito boas, sabem educar, sabem falar com as crianças. Ensinam muito bem” (Fm/Cm - B).

“As crianças participam e muito. Uma parte é pelo desenvolvimento delas, e outra, pelas atividades que elas estão construindo” (Fm/Cm-A).

“Os pais gostam muito. Até cobram que as crianças participem mais. Vêm na escola saber porque o seu filho não participou... Ficam orgulhosos com as apresentações deles. Dizem: „essa minha menina tudo que faz, faz bem feito. Ela participa de tudo, não é‟. Eles ficam orgulhosos dos filhos” (P-C). As falas das famílias nos levam a perceber que quando a escola se propõe a esse intercâmbio com os saberes da família/comunidade, trazidos pela própria criança em sua dinâmica própria de traduzir o vivido e o aprendido, a escola está fortalecendo a integralidade da criança, suas raízes identitárias, seus vínculos parentais / comunitários/sociais, seu estar e se relacionar com o mundo.

As famílias/ a comunidade, parecem perceber que, quando a escola abre suas portas para vislumbrar, acompanhar e contribuir com o crescimento das crianças, elas tendem a assumir uma disposição maior para o diálogo, valorizam mais a formação educativa, desenvolvida no âmbito da casa e da escola e contribuem com os seus saberes e conhecimentos para a projeção de práticas pedagógicas mais sintonizadas com a vida cotidiana, na qual estão inseridas.

Claro que não é uma tarefa simples manter aberta essa via dupla de comunicação. A experiência apresentada por estas escolas e seus sujeitos confirma o tamanho do desafio e reforça a necessidade de, ao formular projetos e programas escolares, principalmente quando o foco é a criança, dar prioridade a esses espaços permanentes de diálogo, no qual os diversos saberes/conhecimentos possam encontrar- se e reestruturar-se continuamente.

As escolas observadas neste estudo já iniciaram seus primeiros passos nessa direção. Mas, há muita “estrada para atravessar”, ainda. A cidadania só se constrói no respeito, na valorização dos saberes, que por serem diferentes, não são menos importantes, uns dos outros, e precisam ser aprendidos em meio ao vivido, ao refletido, ao reconstruído, sempre.

Uma pequena vivência de um Programa não daria conta de promover essa articulação com a solidez necessária, mas, considerando a soma do desenvolvimento da política educacional (em suas três esferas de influência), os processos de formação dos professores/ educadores e os contextos de vida e trabalho de todos, pode-se dizer que já se deu um aceno promissor neste reconhecimento mútuo.

famílias/comunidades. Cada comunidade escolar é, portanto, responsável pelos “círculos” crescentes que as pequenas pedrinhas são capazes de fazer. Para tanto, cabe a cada escola continuar fomentando a participação de todos, até que todas “as pedras” sejam lançadas, todos os segmentos sejam encorajados a dar sua contribuição para estender a condição de cidadania ao conjunto da população.

Os dados, portanto, retratam que as crianças que vivenciam sua condição de sujeito aprendente, em um processo crescente de formação para a cidadania, quando experimentam a coautoria como um valor, junto aos seus professores, educadores, familiares/membros da comunidade, em exercícios diários, já dão as primeiras mostras que aprenderam uma nova versão da concepção de participação.

Este é um aprendizado que impõe um fazer permanentemente refletido. As limitações percebidas parecem estar na pouca experiência dos adultos/educadores e nos entraves que a falta de continuidade pode gerar, já que este é um aprendizado que tende a ficar enraizado na trajetória educativa e na memória coletiva de toda a comunidade. Mas, para ele ter vazão e consistência, as escolas mostraram que é importante a vontade do adulto/educador de construir ao lado da criança. Sem o compromisso e sem a ampliação de espaços e de tempos cada vez maiores e intencionalmente planejados para a participação infantil, a semeadura não se realiza plenamente, a plantação não nasce inteira, a colheita fica incompleta e o compartilhar torna-se efêmero.