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A investigação das origens da Avenida Rio Branco revela, de acordo com Beltrão, que nos idos de 1819, a via era denominada General Rafael Pinto Bandeira, passando a se chamar, em 1876, Rua Coronel Valença (BELTRÃO, 1979).

A denominação da via como “Avenida Progresso” ou “Avenida do Progresso” data do final do século XIX – segundo registro de Beltrão (1979), no ano de 1894, em descrição da chegada da coluna federalista de Marcelino Pina de Albuquerque. A denominação já denota a ligação do espaço com o imaginário de modernidade, derivado da proximidade com a ferrovia estabelecida.

Procurando entender o papel que teve o complexo ferroviário no desenvolvimento da via objeto do estudo, é possível recorrer ao embasamento teórico elaborado por Aldo Rossi em sua obra “A arquitetura da cidade”32.

Por arquitetura da cidade pode-se entender a possibilidade, segundo Rossi (1995), de assemelhá-la a uma grande manufatura, a um artefato, maior ou menor, mais ou menos complexa, que muda e cresce com o tempo. As relações entre a arquitetura, como criação inseparável da vida civil, e sua dimensão qualitativa e de caráter coletivo é ressaltada por Rossi, como o sentido da cidade.

Além de o desenvolvimento da cidade acontecer atrelado ao tempo ou a uma periodização, Rossi (1995) se ocupa dos eixos urbanos enquanto indicativos das condições do organismo urbano. Esses eixos são as vias, as quais constituem um dado preciso, verificável do núcleo urbano existente. Sua razão de ser é a sua continuidade. Aqui se desenvolvem as relações entre a cidade e o território, as quais são analisadas pelo valor do eixo viário. A cidade nasce em um determinado lugar, mas é a via que a mantém viva. Associar seu destino às suas vias de comunicação é uma regra fundamental de método.

O outro ponto importante da teoria de Rossi que se aplica ao caso em estudo e que reforça a importância do posicionamento da avenida é a existência de “fatos urbanos” que podem induzir seu crescimento.

Para o autor, a urbe é composta por áreas, um conjunto de elementos particulares que funcionam como núcleos de agregação. Defende que o conjunto urbano está subdividido segundo três funções principais, que são: residência, atividades fixas e circulação.

Os elementos primários são aqueles que participam da evolução da cidade no tempo de maneira permanente, identificando-se com os eixos que a constituem. São os fatos urbanos mais importantes, os monumentos. A relação entre esses elementos primários e as áreas residenciais corresponde, em um sentido arquitetônico, à distinção entre a esfera pública e a privada como elementos característicos da formação da paisagem urbana.

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Da rua se passa ao solo urbano, sendo que este está relacionado à composição da cidade. Na geratriz desse urbanismo está embutido o conceito de persistência, que se estende também aos edifícios físicos e aos monumentos (1995).

[...] A cidade é vista como uma grande obra, mas essa obra pode ser captada através de seus fragmentos, seus momentos diversos. A unidade destas partes está dada fundamentalmente pela história, pela memória que a cidade tem de si mesma. Essas áreas originais podem ser individualizadas como unidades do conjunto urbano que emergiram mediante diferentes momentos de crescimento e diferenciação como bairro ou partes da cidade que tenham adquirido caráter próprio (ROSSI, 1995, p. 113).

Portanto, os elementos primários são capazes de acelerar o processo de urbanização de uma cidade, sendo que caracterizam a transformação espacial do território como catalisadores. Nesse caso, a arquitetura e o meio urbano tornam-se somente uma coisa, uma obra de arte. (ROSSI, 1995).

Com a fundação da Cooperativa dos Empregados da VFRGS, ocorreu um impulso significativo ao desenvolvimento de Santa Maria, não só para os ferroviários como para a comunidade em geral, por meio da construção de um complexo de edificações localizado em áreas próximas à Avenida Rio Branco, como sedes sociais e escolas.

O Clube dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul, a Escola Manoel Ribas, além da Escola de Artes e Ofícios (1918-1922), mais tarde Escola Industrial Hugo Taylor, significativo prédio eclético no coração da Avenida Rio Branco, fazem parte de um conjunto de edificações pertencentes à Cooperativa, que incluía, ainda, um hospital de assistência, armazéns, padaria modelo, fábrica de bolachas e massas, estofaria e fábrica de sabão, entre outros (BEBER, 1998).

Para o espaço social de Santa Maria, a ferrovia com seus prédios, materiais, estruturas e sons característicos, a Vila Belga e a Cooperativa dos Empregados da RFFSA com seus lugares e valores culturais, constituíram-se em marcos referenciais de uma época como símbolos de dinamismo, de capacidade de organização e produção (MELLO, 2002, p. 54).

A Figura 95mostra o Edifício-sede da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea. Traços sinalizadores da modernidade e apliques mais simplificados já faziam parte das edificações ligadas ao Complexo Ferroviário em Santa Maria.

Figura 95 – Edifício-sede da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea. Fonte: Foletto, 2008, p. 140.

Estava configurado um conjunto arquitetônico com múltiplas funções que determinaram transformações no uso e ocupação do solo de Santa Maria. Primeiramente, ocorreu uma mudança do eixo comercial urbano, devido à presença da ferrovia e de sua rede de apoio, para a então Av. Progresso, mais tarde chamada Av. Rio Branco. Os comerciantes priorizavam o desenvolvimento de suas atividades nesta via33 (MELLO, 2002).

Aplicando o embasamento de Rossi ao núcleo urbano santa-mariense, é possível reconhecer o papel da ferrovia como fator que provocou o desenvolvimento da Avenida Rio Branco. Seu papel como elemento primário permanente é claro, na medida em que desenvolve uma ação precisa como preexistência na dinâmica do tecido urbano adjacente.

Vale enfatizar a importância da detecção da função que obtiveram estes marcos preexistentes como formadores de um imaginário no contexto da cidade. Para Françoise Choay (2006), Monumentun vem do latim e deriva de moneren (advertir, lembrar) – aquilo que traz algo à lembrança. Pode-se chamar de Monumento tudo que for edificado por uma comunidade com o intuito de relembrar ou fazer com que outras gerações de indivíduos rememorem fatos importantes, acontecimento sou crenças significativas. O bem materializado é revestido de afetividade, pois remonta a lembranças de tempos que se projetam no presente e possuem valia tanto para os que o edificam como para os que o recebem. Logo, o Monumento, seja ordinário ou qualificado como de excepcional valor, é um objeto, materializado, que representa algo para um grupo ou coletividade. Ele sinaliza, através de sua permanência, o que se faz importante e solene para determinada sociedade ou grupo.

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A título de complementação, para Grunewaldt (2010), no momento em o desenvolvimento do capitalismo alavancou o crescimento e reordenação dos espaços urbanos, e várias cidades levaram a cabo reformas urbanísticas baseadas na modernização de Paris, a cidade de Santa Maria já tinha no comércio o eixo de seu desenvolvimento.

Sendo assim, os espaços próximos à Estação formam um conjunto de permanências e condicionantes que foi denominado “Mancha Ferroviária” pelos participantes da elaboração do novo Plano Urbano de Santa Maria, de 200534.

No espaço da avenida marcado por preexistências, portadora de uma arquitetura diversificada, influenciadas por diferentes ciclos de desenvolvimento, é revelada a presença de diversas edificações consolidadas em seu entorno, inclusive sob a égide do Ecletismo. Considerações a respeito do repertório ligado ao passado academicista localizado na via revelam o contexto onde se impôs, posteriormente, a influência da modernidade como seu contraponto. É possível perceber que, no período anterior à década de 30, Santa Maria construía edifícios térreos e sobrados em estilo eclético. Esse fato assume, na presente análise, importante percepção de um novo modo de vida que começava a se impor, em edificações de maior altura que os costumeiros dois pavimentos dominados pelo estilo Eclético.

Figura 96 – Residência Loureiro. Construída por Olympio Lozza em 1929 (de acordo com FOLETTO, 2008, p. 96). Avenida Rio Branco, n. 771.

Fonte: Seffrin, 2012, p. 62.

Figura 97 – Residência Borges de Medeiros. Construída por Olympio Lozza. Não encontrada data de construção. Avenida Rio Branco, n. 576. Fonte: Seffrin, 2012, p. 63.

No período seguinte, novos cenários se apresentavam na urbe. Na esfera pública, um plano de expansão e urbanização da cidade era proposto. Já o setor privado experimentou uma expansão que viu surgir edificações em altura de três, quatro, cinco ou mais pavimentos, envolvendo usos comerciais, residenciais ou mistos (com a presença dos dois primeiros), a partir do final da década de 30.

34De acordo com Schlee (2001, p. 47), a “Mancha Ferroviária” constitui uma área de preservação ligada à memória ferroviária da cidade, proposta através de políticas de conservação do patrimônio de Santa Maria. É uma zona de proteção delimitada por um polígono irregular englobando “o Colégio Estadual Manoel Ribas, a Vila Belga, a Sede da Cooperativa, o Clube dos Ferroviários. Os armazéns da Cooperativa, o largo da estação, o muro de pedras do largo, a Estação Férrea e suas construções complementares.”

Entre a produção arquitetônica materializada na cidade de Santa Maria nas décadas de 1930 a 1960, período sinalizado como de busca pelo progresso no restante do Brasil, teriam existido exemplares que sofreram influência dos emblemas modernizantes de viés Déco?

Teria a arquitetura construída na região do principal portal de entrada da cidade à época, testemunha da pujança, desenvolvimento e importância da linha férrea, refletido a busca pelo progresso e apresentado vocabulário de retórica modernizante?

As etapas seguintes da pesquisa indicam uma significativa mudança na paisagem urbana que revelava o desejo de incorporar novos códigos figurativos à vida cotidiana.