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Direito (do) Animal – perspectivas em confronto

J. Baird Callicott e James Rachels

Callicott defende a «ética da terra», uma ética holística que obedece ao princípio de que a “uma coisa está certa quando tende a preservar a integridade, estabilidade e beleza da

comunidade biótica. Está errada quando tem a tendência inversa.” (Callicot, 2011, p. 125)

A ética da terra diz-nos que agimos bem quando fomentamos um determinado bem, que neste caso não se fica pelo bem-estar dos seres sencientes mas abrange a sanidade de toda a «comunidade biótica».

O todo que é a comunidade biótica tem prioridade sobre as partes que a compõem e, deste modo, “a ética ambiental atribui uma prioridade muito baixa aos animais domésticos, já que

torná-las membros encartados da república moral?” (Naverson, 2011, p. 88). Quem gosta de caçar pode fazê-lo

e, quem não concorda com a caça pode optar por não comprar, não comer e, caso seja a situação, interditar os seus terrenos a essa prática. Quem gosta de usar peles de animais usa, quem discorda tem o direito de protestar.

83 “We have good reason to place restrictions on the treatment of some particular animals, such as household

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estes contribuem com muita frequência para a erosão da integridade, estabilidade e beleza das comunidades bióticas em que foram introduzidos” (Callicot, 2011, p. 174)

Os interesses dos animais individuais podem e devem ser sacrificados em função da integridade, beleza e estabilidade do todo. Salienta ainda que, os animais têm estatuto moral somente enquanto membros da comunidade biótica. É neste sentido que os seus críticos, nomeadamente Regan, tenham nomeado esta teoria de «fascismo ecológico» ou «ecofascismo».84

Num ensaio posterior Callicott, seguindo outros autores (nomeadamente Mary Midgley e Peter Singer) apresenta uma visão mais moderada, referindo que para além de fazermos parte da comunidade biótica pertencemos a outras comunidades mais específicas e temos deveres que decorrem dessas mesmas pertenças e, neste sentido revê a sua ideia sobre os animais domésticos.

Passa a considerar que estes, dado que participam connosco em comunidades restritas, estão habilitados a uma consideração particular: “os animais domésticos pertencem à comunidade

mista e devem beneficiar, portanto de todos os direitos e privilégios, sejam eles quais forem, que decorram dessa pertença. Os animais selvagens, por definição, não são membros da comunidade mista, pelo que não se devem situar na faixa de estatuto moral graduado em que encontramos os membros da família, os vizinhos, os concidadãos, os seres humanos em geral, os animais de companhia e outros animais domésticos.” (Callicot, 2011, p. 213)

James Rachels centra a sua reflexão a partir do darwinismo, defendendo que o pensamento evolucionista torna indefensável a ideia de um abismo moral entre os seres humanos e os membros de outras espécies - “depois de Darwin, já não podemos julgar que ocupamos um

lugar especial na criação – temos antes de perceber que somos um produto das mesmas forças evolutivas que moldaram o resto do reino animal”. (Rachels, 2011, p. 177)

Revendo outras correntes teóricas, Rachels defende também que o estatuto moral de um indivíduo decorre, essencialmente, das suas características próprias e não da pertença a grupos específicos - “a perspectiva mais defensável parece-me ser uma forma de

individualismo moral: aquilo que importa são as características individuais dos organismos, e não as classes em que os incluímos”. (Rachels, 2011, p. 200)

84 Galvão, P., 2011. Introdução. Em: P. Galvão, ed. Os animais têm direitos? Perspectivas e argumentos.

59 Gary L. Francione

Gary L. Francione85 argumenta que as regulamentações do bem-estar animal são inválidas, tanto em termos teóricos quanto práticos, pois favorecem a manutenção da condição dos animais como propriedade, considerando que “our moral schizophrenia is related to the

status of animals as property, which means that, as a practical matter, animal suffering will be regarded as necessary whenever it benefits human property owners. If we really are to take animal interests seriously, we can no longer treat animals as human resources. This does not mean that we must give animals the rights that we accord to humans, or that we cannot choose human interests over animal interests in situations of genuine conflict”.

(Francione, 2004, p. 1)86

Argumenta que a única característica requerida aos não humanos para a pertença integral à comunidade moral e à titularidade de direitos básicos é a «senciência», defendendo que “the

only thing that is required is that nonhumans be sentient; that is, that they be perceptually aware. Sentience is necessary to have interests at all. If a being is not sentient, then the being may be alive, but there is nothing that the being prefers, wants, or desires (…) the animals we routinely exploit - the cows, chickens, pigs, ducks, lambs, fish, rats, etc - are all, without question, sentient.” (Francione, 2010, p. 8)

Assim, a base moral da abordagem abolicionista de Francione é o veganismo - a recusa do uso de todos os produtos de origem animal, apresentando uma atitude abolicionista «militante».87

85 Licenciado em Filosofia e doutorado em Direito é reconhecido pelo seu trabalho sobre os direitos animais. Foi

o primeiro docente a leccionar sobre direitos dos animais na University of Pennsylvania, em 1985. Lecciona também direito penal e processo penal. Autor de diversos livros, a sua reflexão centra-se, essencialmente, na condição de propriedade dos animais e nas divergências entre os direitos animais e o bem-estar animal defendendo uma teoria de direitos animais fundamentada unicamente na senciência, e não em outras características particulares.

86 Afirma ainda que “the profound inconsistency between what we say about animals and how we actually treat

them is related to the status of animals as our property. Animals are commodities that we own and that have no value other than that which we, as property owners, choose to give them” e que “The human property interest will almost always prevail. The animal in question is always a «pet» or a «laboratory animal», or a «game animal», or a «food animal», or a «rodeo animal», or some other form of animal property that exists solely for our use and has no value except that which we give it”. (Francione, 2004, p. 14 e 15). Artigo disponível em:

http://law.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1021&context=rutgersnewarklwps (acesso a 16.0.2017)

87 Designadamente através do seu blog «Animal Rights: The Abolitionist Approach», que tem como missão “to

provide a clear statement of an approach to animal rights that (1) promotes the abolition of animal exploitation and rejects the regulation of animal exploitation; (2) is based only on animal sentience and no other cognitive characteristic, (3) regards veganism as the moral baseline of the animal rights position; and (4) rejects all violence and promotes activism in the form of creative, non-violent vegan education”.

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