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372 Greco, L., 2010. Protecção de bens jurídicos e crueldade com animais. Revista Liberdades, Jan-Abr, Volume

3, p. 49. Disponível em: http://www.revistaliberdades.org.br/_upload/pdf/3/artigo2.pdf (acesso a 27.02.2017)

373 Assim, Schaffstein recusava a possibilidade da teoria do bem jurídico comportar o delito de crueldade com os

animais e Schick considerava que se tratava de “uma acção detestável e contraria ao sentimento de moralidade”. Também Hellmuth Mayer encontrava na imoralidade o fundamento de proibição da crueldade contra os animais e Klee na crueldade da atitude interior. Greco, L., 2010. Protecção de bens jurídicos e crueldade com animais.

Revista Liberdades, Jan-Abr, Volume 3, p. 49

374 Gallas considerava a proibição da crueldade com animais se alicerçava na “protecção de valores da atitude

interna”, correspondendo à “auto-degradação do ser humano” e configurando “um exemplo de brutal falta de escrúpulos”. Também Welzel concordava com estas asserções, relacionando os maus-tratos a animais com “uma brutalidade interior”. Greco, L., 2010. Protecção de bens jurídicos e crueldade com animais. Revista Liberdades, Jan-Abr, Volume 3, p. 49

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Nesta acepção, a tutela dos animais far-se-á de forma directa, isto é, o animal seria considerado em si mesmo, sendo simultaneamente o objecto e o sujeito passivo da acção incriminada.

Vamos explorar três principais argumentos possíveis no quadro da tutela directa – a inserção na tutela do Ambiente, a inserção na protecção da Dignidade da Pessoa Humana e, dentro desta, de forma mais desenvolvida, a perspectiva que se alicerça na inclusão dos animais no contrato social e, finalmente a possibilidade de fundamentar a protecção dos animais na recepção através do Direito da União Europeia.

Vejamos.

Ambiente

Alicerçar a protecção dos animais na protecção do Ambiente é de facto uma hipótese tentadora, dado que não só justificaria uma protecção directa e imediata do animal, mas também teria o suporte constitucional necessário.

Como supra tivemos hipótese de observar, é exactamente o que se passa na Alemanha que associa à protecção do Ambiente, a protecção dos animais e das gerações futuras.

Mas se olharmos para a nossa lei fundamental não será assim tão pacífico. É certo que o artigo 9.º inclui, de forma articulada nas alíneas d) e e)375, a protecção do Ambiente nas

tarefas do Estado, que está incumbido de defender os direitos ambientais dos cidadãos, a natureza, o ambiente e os recursos naturais.

Mas mal chegamos ao artigo 66.º da Constituição, referente ao ambiente e qualidade de vida, logo nos foge a interpretação literal, dado que não há nenhuma referência expressa à protecção dos animais.

Sendo certo que a referência não tem de ser expressa, mas pode também estar implícita, há autores que defendem que a protecção individual dos animais se integra na protecção do ambiente conferida pelo artigo 66.º da CRP.

375 «Artigo 9.º - Tarefas fundamentais do Estado - São tarefas fundamentais do Estado: (…) d) Promover o bem-

estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais; e) Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território; (…)»

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Carla Amado Gomes, referindo-se às várias formas de tutela dos animais nos textos constitucionais inclui, sem margem para dúvidas, Portugal na categoria de ordenamentos cujo texto constitucional dispensa protecção directa aos animais, evocando para tal “a protecção

da «natureza» e da «estabilidade ecológica» (artigo 66º/2/c) e d) da Constituição”376,

afirmando ainda que “um primeiro argumento [para extrair do sistema jurídico uma posição contrária a sofrimentos não justificados por uma finalidade alimentícia ou científica humana]

reside no apelo ao respeito pelos valores do ambiente, ínsito no artigo 66º/2/g) da CRP. Sendo certo que a Constituição não destaca os animais como objecto de protecção especial, como o fazem as suas congéneres alemã e suíça, a exortação da alínea g) deve ser assumida por todas as funções do Estado, fundamentando uma interpretação da Lei 92/95 mais conforme ao espírito da época, que aponta claramente para uma diferenciação do animal enquanto «ser sensível».” (Gomes, s.d.)

Raúl Farias também fundamenta o bem jurídico na protecção do Ambiente, afirmando que “em termos objectivos, a abrangência deste bem jurídico poderia incluir aquilo que se

pretende proteger com a introdução dos novos art.os 387.º a 389.º no Código Penal, numa subvertente da protecção da fauna relacionada com os animais de companhia.” (Farias,

2015, p. 140)

De facto, este autor afirma que, não sendo já possível considerar que o bem jurídico protegido é a propriedade (como quando a protecção dos animais se fazia exclusivamente por via do crime de dano), uma vez que se permite a imputação também ao dono do animal de companhia “claramente não estará em causa a protecção deste bem jurídico neste âmbito”, concluindo que apenas sobraria a segunda vertente da protecção dos animais, que pode ser encontrada na protecção do ambiente conferida pelo artigo 66.º da Constituição.

Se, como parecem afirmar Carla Amado Gomes, Dias Pereira e Raul Farias, a protecção dos animais contra a crueldade e a imposição de sofrimentos desnecessários é um princípio do Direito do Ambiente, teríamos naturalmente de concluir que proteger os animais individuais é uma questão ambiental e, aqui teríamos encontrado o nosso bem jurídico com protecção constitucional.

376 Gomes, C. A., s.d. Desporto e protecção dos animais: Por um pacto de não agressão, Lisboa: ICJP., p. 3,

ponto 2.1.1.3. Disponível em: http://www.icjp.pt/sites/default/files/papers/cej-animais_revisto.pdf (acesso a 28.02.2017)