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2 AMAZÔNIA: TERRITÓRIO POLISSÊMICO

2.4 BALBINA: A USINA NATIMORTA

O projeto de construção da UHE de Balbina foi divulgado em 1975 pela Eletrobrás, mas a construção só iniciou seis anos depois. Localizada na bacia do rio Uatumã, município de Presidente Figueiredo, distante de Manaus cerca de 140 Km em linha reta e 176 Km por rodovia, com acesso pela Rodovia BR 174, que liga Manaus (AM) a Caracaraí (Venezuela), teve sua implantação cercada de anúncios prevendo problemas ambientais e estruturais, desconsiderados pelo governo em sua efetivação. Oliveira (2000) relata que durante o levantamento estrutural, foram necessárias alterações no prazo de construção reprogramando as metas a partir de 1982 e reposicionando o prazo de conclusão, depois de vários ajustes, para 1989.

Surgida como solução de geração de energia para fixação do Polo Industrial de Manaus (PIM), com o investimento na Zona Franca de Manaus, e atendimento a expansão da área

26 Disponível em http://www.mma.gov.br/ . Acesso: fevereiro/ 2018. 27 Disponível em : http://epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados- abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-160/topico-

168/Anu%C3%A1rio%20Estat%C3%ADstico%20de%20Energia%20El%C3%A9trica%202011.pdf . Acesso: fevereiro/ 2018.

urbana e o movimento de populações em função do projeto de desenvolvimento econômico da capital amazonense, a usina foi declarada inviável ainda no projeto. O maior alerta foi sobre os danos e conflitos com os Waimiri-Atroari28, iniciados em 1967 com a construção da BR 174, cortando a área indígena que estava sob uma área com potencial mineral, o que rendeu vários decretos-leis promulgados para reduzir a posse da terra e afastar o domínio da etnia no local. Rodrigues (2013) assinala que o relatório do Programa Eletronorte/FUNAI de 1991, contabilizava até 1974 uma população Waimiri-Atroari estimada em 1500 indivíduos em 12 aldeias, reduzida 13 anos para 374 distribuídos em 8 aldeamentos.

Os danos sociais previsíveis relacionaram troca de habita com a perda terra, supressão das áreas de caça, aldeias e mananciais, doenças e desnutrição. A etnia viu seu território ser alagado em 234.600 hectares num controvertido programa público-privado de tutela aos índios, que pretendia mitigar efeitos do lago surgido a partir da usina (RODRIGUES e FEARNSIDE, 2014).

Além disso, o projeto estrutural apresentava problemas na estimativa do aproveitamento hidrelétrico do rio Uatumã. Oliveira (2000) aponta que o planejamento de Balbina previa um abastecimento de 80% da demanda energética de Manaus, entre os anos de 1985 e 1994, utilizando potência instalada de 250MW. O percentual terminou reduzido inicialmente para 65,5% no período de 1987 a 1993, e atingiu 55% depois do desvio do rio Uatumã, declinando progressivamente com o crescimento urbano da capital. O autor destaca que o motivo da incapacidade da usina atingir o potencial projetado era a baixa vazão do rio, inviabilizando a potência pretendida.

O exemplo de Balbina nos fornece várias diretrizes de como o processo decisório pode ser melhorado no Brasil e nas agências internacionais que contribuíram, direta ou indiretamente, para o projeto. As análises de impacto ambiental precisam ser completadas antes da tomada de decisões globais sobre a implementação dos projetos. O sistema atual de avaliação de impactos ambientais, no Brasil, assim como em muitos outros países, tem uma influência indesejável sobre a política científica, além de não enfrentar as causas subjacentes aos processos de desenvolvimento perniciosas ao meio ambiente, como também de não ser capaz de sustar projetos “irreversíveis” como a Balbina. (FEARNSIDE, 2015, p.98)

28 Depois de muitos conflitos, foi criada a Reserva Biológica do Rio Uatumã, através do Decreto Federal nº 99.277, de 06/06/1990, na área de influência da UHE Balbina, precisamente na margem esquerda do reservatório, totalizando 560 mil ha e ampliada para 943 mil há, em setembro de 2002. Área que inclui os municípios de Presidente Figueiredo, São Sebastião do Uatumã e Urucará. Disponível em:

http://legis.senado.leg.br/legislacao/PublicacaoSigen.action?id=521917&tipoDocumento=DEC - n&tipoTexto=PUB . Acesso: janeiro / 2017.

O autor enumera vários problemas da obra faraônica: perda da floresta; o alto custo de manutenção com o aumento da vegetação que provoca acidez no lago represado e a produção de gás sulfídrico (H2S) alterando o ambiente. O autor aponta ainda problemas com a capacidade nominal pequena (250 MW) para uma hidrelétrica que tem uma represa de 2.996 km2, quase a mesma dimensão do reservatório de Tucuruí-II (com 2.850 km2 proporcionando capacidade nominal de 8.370 MW), e a proporção com os danos ambientais provocados: “Balbina sacrifica 35 vezes mais floresta por megawatt de capacidade de geração instalada do que Tucuruí”, conclui (FEARNSIDE, 2015, p. 103)

Fearnside (2015) assinala ainda que o custo da construção da barragem quase dobrou da estimativa inicial de US$ 383 milhões, com A ELETRONORTE admitindo um custo de US$ 750 milhões, sem a inclusão do custo da linha de transmissão. Assim, Balbina concluída representa o custo de US$ 3.000 por quilowatt de capacidade instalada, enquanto Tucuruí custou quase cinco vezes menos: US$ 675/quilowatt.

O maior benefício de Balbina pode ser a lição que ela ensina sobre como não deve ser feita a política pública. Se esta lição fosse bem aprendida, muitas desventuras poderiam, sem dúvida, ser evitadas no processo de decisão de quantas barragens devem ser construídas da lista de 80 hidrelétricas da ELETRONORTE. Estas lições não podem ser consideradas como já aprendidas. Repetidamente, grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia têm sido propostos com o reconhecimento explícito dos fracassos anteriores, após o que os mesmos erros são repetidos. (FEARNSIDE, 2015, p. 120)

Apesar do reconhecimento da própria Eletrobrás na mídia no final da década de 80, que a construção de Balbina foi um “pecado” ou um “erro irreparável”, a usina é um símbolo de como as decisões não devem ser tomadas ou, como condena Fearnside: é uma pirâmide à loucura.