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3 METODOLOGIA

3.4 DISCURSO E PODER

Utilizando a ACD como instrumento de instrumento de investigação, van Dijk (2008, p. 07) conclui que “as elites simbólicas, que têm acesso privilegiado aos discursos públicos, também controlam a reprodução discursiva da dominação na sociedade“. Esta abordagem metodológica interdisciplinar institui uma relação explícita entre discurso e sociedade estabelecendo a conexão entre modelos mentais e cognições sociais como conhecimentos e ideologia. A associação fundamenta o poder discursivo na manipulação da opinião pública porque os textos são perpassados por relações de ideologia e poder, a correspondência se torna um dos alvos da ACD na pretensão de apontar como o discurso é utilizado na manutenção ou defesa destas relações.

Para o senso comum, o poder (do latim, potere) é apresentado como a capacidade de deliberar arbitrariamente, agir e mandar e, ainda, dependendo do contexto, de exercer a autoridade, a soberania. Indica também usufruto de força física ou moral; influência; ou ainda a capacidade de imposição da vontade de um indivíduo sob outros (HOUAISS, 2001). Na tradição clássica do pensamento político, a noção de poder em Weber (1982) busca os ideais de Hobbes numa dimensão coercitiva em favor de um pacto social que visa a autopreservação e paz mútua, cedendo o controle ao Estado, soberano. Define que: “[...] poder significa a probabilidade de impor a própria vontade dentro de uma relação social, mesmo que contra toda a resistência e qualquer que seja o fundamento dessa probabilidade.” (WEBER, 1984, p. 43).

Na visão weberiana o poder se referencia como símbolo da forma mais típica do agir social se fazendo presente mesmo disperso e pulverizado entre os indivíduos, que além de sujeitos, são essencialmente objetos deste poder. Weber (1984) identifica, a partir do

comportamento humano social, que as ações entre indivíduos perduram a partir de estruturas onde o componente “dominação” aparece como centralizador da permanência de uma ordem e que estabelece, em outra medida, a própria sobrevivência de uma coletividade. Em todos os campos sociais, sem exceção, há o exercício de complexos de dominação sobre as relações humanas, garantindo em suas formas determinada organização social. Rigorosamente, as ações sociais derivam de relações de dominação.

Para van Dijk (2008), o modo de produção do discurso é controlado por "elites simbólicas" que irão sustentar o aparato ideológico, permitindo o exercício e a manutenção do poder. Ele demonstra como a análise social crítica está justaposta com a análise do discurso contextual na busca de apontar a influência de muitas formas de poder contemporâneas – definidas como poder simbólico43 – sobre o discurso público, na assertiva de que: “o controle do discurso público é controle da mente do público, e, portanto, indiretamente, controle do que o público quer e faz. Não há necessidade de coerção se se pode persuadir, seduzir, doutrinar” (VAN DIJK, 2008, p.23). Para ele, o discurso não é analisado como um objeto “verbal” autônomo, mas também como uma interação situada, como uma prática social ou como um tipo de comunicação numa situação social, cultural, histórica ou política (VAN DIJK, 2008. p. 12).

Sendo o discurso espaço de articulação e exercício do poder; e, delineando diferentes ideologias em disputa pelo controle social, van Dijk (2008) assinala que a ACD se caracteriza pela análise da intertextualidade e recontextualização de discursos que disputam esses espaços sociais, referendando o interesse da investigação sobre como as estruturas linguísticas são usadas para construir, de forma articulada e precisa, diferentes formas de poder na hierarquia social; e como são usadas na manipulação do poder, quais estratégias desempenham um papel nesses modos de reprodução, no que se mostra uma prática do poder e contra-poder.

O reforço das assertiva vem da afirmação de Orlandi:

o dizer não é propriedade particular. As palavras não são só nossas. Elas significam pela história e pela língua. (...) O sujeito diz, pensa que sabe o que diz, mas não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele (...) Por isso é inútil, do ponto de vista

43 O conceito de poder simbólico segundo Bourdieu (2010, p.14) é um: “[...] poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização [...]” . É sustentado e reproduzido por sistemas simbólicos estruturados e irremediavelmente estruturantes, mas não p odem ser resumidos a eles, sendo compreendidos, segundo o autor, como elementos de origem heterogênea que exercem um poder de persuasão para obter a homogeneidade de pensamentos (BOURDIEU, 2010)

discursivo, perguntar para o sujeito o que ele quis dizer quando disse ‘x’ (ilusão da entrevista em loco) (...) O que ele sabe não é suficiente para compreendermos que efeitos de sentidos estão ali presentificados (2002, p.32).

Assim, nos estudos da ACD, os indivíduos constroem, mantem ou transformam realidades sociais, conferindo ao discurso o poder constitutivo. A linguagem é um espaço de luta irregular de poder, incluindo um papel da cobiça constante por hegemonia, isto é, a “liderança tanto quanto dominação nos domínios econômicos, político, cultural e ideológico de uma sociedade” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 122). A busca na metodologia é entender como as práticas discursivas se moldam no exercício do poder hegemônico e reproduzem a dominação, seja por elites, grupos ou de forma institucional.

Numa simplificação sobre o controle do discurso e o poder social, é possível resumir como se dá esse controle:

Quadro 2 - Gêneros de discurso e poder em van Dijk

TIPO DE DISCURSO TIPO DE CONTROLE TIPO DE PODER ESTRATÉGIA DE APROVAÇÃO Ilocucionário/ordenador

(comandos, ameaças, leis, regulamentos, instruções ou indiretamente ,

recomendações e conselhos)

Controle direto sobre ação. Controle Estatal. Poder institucional. Lobbys, sanções legais e sanções institucionais. Persuasivo (anúncios publicitários, propagandas) Influência em ações futuras dos receptores.

Recursos econômicos e financeiros de acesso aos meios de comunicação. Mecanismos retóricos (repetição ou argumentação). Descritivo de ações ou situação futuras ou eventuais.

(previsões, planos, cenários, programas, alertas) Controle de conhecimento e tecnologia. Expertise ou especialidade profissional. Argumentação e descrição de ações. Narrativo (reportagens jornalísticas)

Controle das ações e representação das opiniões das/sobre elites políticas, econômica, militar e social. Criação da base consensual do poder. Explicita quem possui o poder e o que desejam os poderosos. Retóricas dramáticas ou emocionais; originalidade estilística ou temática.

Fonte: Adaptação da Autora a partir de van Dijk (2008, p. 52)/ 2018

Verifica-se que o discurso classifica o poder e expressa poder. O autor afirma que a tipologia do exercício do poder através do discurso, por meio da interação social, se dá predominantemente, e não de forma única, pela persuasão:

Os grupos ou instituições de poder raramente precisam prescrever o que os menos poderosos devem fazer, apesar de, em última instância, haver a possibilidade de essas diretivas serem decisivas no controle de terceiros, como é o caso específico do controle estatal. Em vez disso, eles argumentam oferecendo justificativas econômicas, políticas, sociais e morais, e administrando o controle das informações relevantes. Dessa forma, o teor da comunicação pode ser distorcido por meio da divulgação seletiva de informações que favoreçam as elites do poder ou por meio da limitação do acesso às informações favoráveis a tais elites (VAN DIJK, 2008, p. 53). Outra forma que o autor sugere de abordagem da análise deste poder são os níveis discursivos e as ações que podem, entre os participantes do discurso, manifestar, descrever, esconder, favorecer ou legitimar as relações de poder:

Quadro 3 - Níveis de discurso e poder em van Dijk

NIVEL DO DISCURSO TIPO DE PODER

Pragmático

Acesso ilimitado aos atos institucionais de fala ou do controle dos atos.

(comandos acusações formais, indiciamentos, absolvições)

Conversação Interacional

Domínio de um participante. (Fala espontânea ou diálogo formal ) (relações interpessoais, intersubjetivas que subordinam a um determinado evento conversacional)

Relações Formais Participantes com posições de poder

Situação comunicativa Estilo, retórica, temas, iniciação ou mudanças controladas pelo participante de maior poder. Fonte: Adaptação da Autora a partir de van Dijk (2008, p. 54)/ 2018

As dimensões do poder são qualificadas de acordo com os níveis em que podem ser identificadas, categorias de análise que podem ter impacto sobre o discurso, sua legitimidade e formulação:

Quadro 4 - Dimensões de poder no discurso em van Dijk

DIMENSÕES INSTITUCIONAL

Governos, Parlamento, órgãos púbicos, Judiciário, militares, grandes empresas, partidos políticos, meios de comunicação, sindicatos, igrejas e instituições de ensino ESTRUTURAL

Hierarquia tradicional (Posições de seus membros/

Status) RELACIONAL

Combinadas ou Paralelas Interações Institucionais / Interações

Cotidianas LEGITIMIDADE

IMPOSTO / MANTIDO A FORÇA Ditaduras

Autoritarismo CONTROLE PARCIAL / SANCIONADO Democracias Elites Consensos Fonte: Adaptação da Autora a partir de van Dijk (2008, p. 54)/ 2018

Expondo essas categorias para análise que podem apontar as relações de dominação, torna-se indispensável abordar a ideologia, conceito que assume-se aqui a defendida por Van Dijk (1998, 2000) e Orlandi (1995), que aponta que o conceito de ideologia como sistemas abstratos de conhecimento que permitem aos falantes de uma comunidade linguística a comunicação nos mais variados contextos, envolve cognição, sociedade e discurso, somando aspectos da linguagem; das opiniões e da construção do conhecimento; e ainda aspectos históricos, sociais e políticos na reprodução ou resistência ao domínio. Da mesma maneira que um usuário de uma língua seria incapaz de falar e de entender essa língua sem uma gramática mais ou menos estável, os membros de um grupo seriam incapazes de realizar suas práticas diárias e seus julgamentos sociais sem representações sociais mais ou menos estáveis, como o conhecimento, as atitudes e as ideologias (DIJK, 1998, p. 56).

Assim, o conceito aqui utilizado para base das análises é o da perspectiva sociocoginitiva, que situa a ideologia como fenômeno que não se produz fixamente em um local, em cada contexto social específico, por um único falante. Nessa perspectiva, van Dijk (1998, p. 21) define ideologia não apenas como um instrumento de dominação, mas pertencente ao “campo simbólico do pensamento” e das crenças e relacionam-se à ideia de cognição, são de caráter social e frequentemente estão associadas com interesses, conflitos e lutas de grupos e são práticas sociais discursivas, associadas à linguagem e ao discurso. A linguagem incide no

sujeito de forma diferente, de acordo com o contexto, como complementa Orlandi (1995, p. 09) “a ideologia não é ‘x’ mas o processo de produzir ‘x’”.

Há um efeito de evidência e de unidade no sujeito ancora a ideologia no que autora identifica como “já-dito” ou sentidos já instalados na sociedade que passam a ser percebidos como naturais e são apropriados no interdiscurso. Os sentidos são, então, interpretados a partir de uma direção e em uma determinação histórica e não em outra, “ocorre uma simulação (e não ocultação de conteúdos) em que são construídas transparências (como se a linguagem não tivesse sua materialidade, sua opacidade) para serem interpretadas por determinações históricas que aparecem como evidências empíricas” Orlandi (1995, p. 10). Para a autora, a ideologia pode ser definida a partir daí:

ideologia não se define como o conjunto de representações, nem muito menos como ocultação de realidade. Ela é uma prática significativa; sendo necessidade da interpretação, não é consciente – ela é efeito da relação do sujeito com a língua e com a história em sua relação necessária, para que se signifique (ORLANDI, 1998, p.8).

A interpretação é indispensável para a produção do sentido e a ideologia materializa a linguagem e se manifesta por ela, sendo “a condição para a constituição do sujeito e dos sentidos (...) o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia para que se produza o dizer (...) assim considerada, a ideologia não é a ocultação mas função da relação necessária entre linguagem e mundo” (ORLANDI, 2001, p. 46 e 47).

Não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido. Consequentemente, o discurso é o lugar em que se pode observar essa relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos (ORLANDI, 2001, p. 16 e 17)

Desta forma, o discurso é representado por um sujeito que tem um lugar, resultado das relações sociais. Há, portanto, um lugar de fala, onde o sujeito projeta-se, e esse discurso é redimensionado por este lugar, tornando inseparável a exteriorização discursiva, onde o sentido do que se diz – a enunciação – toma forma no acontecimento do discurso, na soma entre sujeito, língua, tempo e história.